O pecado nos fez igual ao Cristiano Ronaldo

Matheus Henrique
Vivendo Coram Deo
Published in
5 min readMar 20, 2019

Recentemente vi num post do pastor da igreja (eu acho) a seguinte frase: “apareço, logo existo”. É um bom resumo da filosofia nas redes sociais. A verdade é que todos nós queremos ser notados. Quem nunca levou uns gritos da mãe por estar chamando atenção quando era pirralho? O fenômeno novo aqui é que, talvez pela primeira vez, esse desejo é socialmente tolerado e incentivado, ao menos nas redes sociais. Somos todos Cristiano Ronaldo, sempre olhando procurando estar na melhor pose para o telão.

Mas como eu falei, nós sempre fomos assim, ávidos pela promoção pessoal. “Serais igual a Deus”, é a voz que nos sussurra ao pé do ouvido. E damos cabo à sugestão, nem que para isso nós precisemos ser mais que nós. Criamos uma identidade representada por um nickname (termo já caído, né?) precedido por um arromba. Pronto, está feito o novo nascimento, um selfie melhor, corpo glorificado, pronto para ser relevante em cada stories de quinze segundos.

Quem é você?

A epístola aos efésios, arrebatadora desde as suas primeiras palavras, pode nos ajudar nesse problema de identidade. No seu primeiro capítulo Paulo nos diz que:

Porque Deus nos escolheu nele antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis em sua presença. Em amor nos predestinou para sermos adotados como filhos por meio de Jesus Cristo, conforme o bom propósito da sua vontade, para o louvor da sua gloriosa graça, a qual nos deu gratuitamente no Amado.

A primeira coisa a respeito de nós é que temos um plano eterno, transcendental. Um plano maior. Não há nova identidade que mude isso, nem se quiséssemos, pois nosso ser não está firmado na nova tendência de life style. Nossa identidade é eterna e imutável, porque tem origem no Ser imutável e real do Deus criador.

A segunda coisa é que fomos feitos para a santidade e para as boas obras que Deus nos deixou (Ef. 2.10). Uma implicação imediata desse fato é que não fomos feitos para nós mesmos. Não fazemos o que nos convém. Antes, seremos nós mesmos quando nos submetermos ao “bom propósito da vontade de Deus”. Pode parecer estranho para sua mente pós-moderna, mas você não faz o que quer, assim como seu celular não foi feito pra funcionar quando ele bem entender.

Mas o terceiro ponto é que nossa existência é para o “louvor da Sua gloriosa graça”. O que isso pode nos ensinar sobre regras de etiqueta na rede mundial de computadores? Tudo! Esse é o remédio para a glorificação pessoal em massa que ocorre nos Instagram da vida. Se aplicarmos essa verdade toda vez que pensarmos em expor algo nas internet da vida, teremos um filtro poderoso e mais, uma reorientação para os propósitos de nossa vida de navegadores digitais.

Mancha no(a) nosso(a) selfie

Agostinho definiu a essência do pecado como sendo virado para dentro de nós mesmos [1]. Isso é o que poderíamos chamar de ego.

Timothy Keller, em seu pequeno e poderoso livro “ego transformado” [2], nos mostra quatro características do grande ego humano: incomoda, sempre chamando a atenção; é atarefado, sempre trabalhando para mais visibilidade; é frágil, pois corre sempre o risco de ser ferido; por fim, é vazio, grande e oco.

Não subestime a questão por sua sutileza. A tentação do jardim supramencionada, o primeiro pecado, ainda está em nossas veias. Queremos ser iguais a Deus, e para isso, queremos a glória e a atenção de um deus, nem que seja em formato de likes, seguidores e emojis de aplausos. Queremos que o mundo compre a escultura que fizemos de nós mesmos, nem que seja por quinze segundos. Depois de 24 horas, precisaremos criar outra escultura, sem nunca nos saciarmos.

Talvez aquele post inocente revele mais do seu pecado do que você imagina.

A solução

Keller nos dá a receita para o ego transformado: autoesquecimento. Ele encontra a o pulo do gato na declaração de Paulo: “pouco me importa ser julgado por vocês ou por qualquer tribunal humano” (1Co 4.3).

Essa é uma aplicação prática da doutrina da justificação. No cristianismo, assim que cremos, recebemos todos os méritos de Jesus, inclusive o elogio “tu és meu filho amado”. Sendo assim, a única opinião que importa, o único julgamento válido já foi declarado. Não precisamos mais da opinião alheia nos aprovando. “A opinião de Deus é a única que importa” [2]. Isso é libertador!

C. S. Lewis nos mostra outra doutrina que podemos aplicar para podermos contornar nosso desejo de reconhecimento. Para ele, a solução está na consumação de nossa salvação. Ele demonstra que a Bíblia nos convida a desejar uma glória na redenção. Ela nos instiga a através de símbolos como palmas, coroas e esplendor, remetendo a uma ideia de fama, mas uma fama com Deus, ou “apreciação da parte de Deus”. É esse like que devemos desejar. Lewis afirma:

“Isso é suficiente para elevar nossos pensamentos para aquilo que poderá acontecer quando a alma redimida, muito além de qualquer esperança e quase além do que se pode acreditar, por fim toma conhecimento de que agradou aquele a quem foi criada para agradar. Nessa hora, não haverá qualquer espaço para a soberba. A alma estará livre da infeliz ilusão da soberba. Sem nenhuma mancha daquilo que agora denominamos autoaprovação, a alma se regozijará da maneira mais inocente possível naquele propósito para o qual Deus a designou, e o momento que curará para sempre seu velho complexo de inferioridade também ir afogar seu orgulho…” [3]

Ele continua:

A promessa da glória é a promessa, quase que incrível e somente possível pela obra de Cristo, de que alguns de nós (…) realmente sobreviverá a esse exame, e encontrará aprovação, isto é, agradará a Deus.

Nos contentamos com muito pouco. Estamos interessados em apenas alguns bits e caracteres num serviço web quando a “alegria infinita nos é oferecida”. Se formos pacientes, na glória celestial descobriremos um prazer maior do que qualquer rede social ou aplauso humano pode nos proporcionar. Seremos feitos novas criaturas, glorificados, pelas mãos do Amado.

Notas

[1] Horton, M. Simplesmente Crente: Por uma vida cristã comum . Editora Fiel. Edição do Kindle.

[2] KELLER, T. Ego transformado. Editora Vida Nova, 2014.

[3] LEWIS, C. S. O peso da glória. Thomas Nelson Brasil, edição especial;

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