Olhar invasivo

Izabel da Rosa
Vivi e escrevi
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2 min readFeb 26, 2020

Olho a sacada que se expõe diante de meus olhos de estrangeira. Há cores fortes e brilhos. Adivinho perfumes. Encostada em uma parede há um suporte onde uma chama crepita — o aquecimento necessário — quase posso senti-lo.
Uma mulher enxuga os cabelos. Eles são longos e lisos, ela abre os braços para alcançar-lhes a ponta. Um homem cruza as pernas na cadeira rústica, enquanto afaga a barba. Aproveita a manhã de folga.
Uma moça ajeita o lenço. Esconde a testa, os seios, realça a beleza da face, os olhos de deusa e diva contra o amarelo forte. Está inserida na cultura local.

O pentear dos cabelos é um ritual importante, o lenço tem uma técnica, que minhas mãos ignorantes, nem imaginam adotar. Até o movimento do corpo, em um ritmo próprio, tem nuances e detalhes impossíveis de seguir. Talvez seja uma dança, talvez apenas vertigem ou a distorção que distância causa ao que, de fato, é comum. Percebo um sentido de rotina, de repetição. É o sentir-se em casa, mesmo que as paredes não ocultem as cenas e o olhar dos turistas do hotel invadam a privacidade.

Quem sabe sentiram a minha curiosidade, nesta janela no alto e questionaram também, como alguém vive realidade tão diversa, vem de tão longe. Talvez pareça, absurdo cruzar oceanos, continentes apenas para observar o que para eles é apenas outro sábado comum.
As montanhas não os extasiam, como extasiam a mim. São, apenas, vizinhas instáveis, em jorros de neve e vento. Para mim, elas são mágicas, vestidas em verde e branco. Meus dias aqui são poucos, os deles, meses e anos.

Na rua, burros carregam resíduos em uma jornada automática e maçante. Em um prédio em construção, uma mulher carrega sobre a cabeça uma bacia de pedras. Na sua mão esquerda, a tarefa de mãe. Conduz o filho pequeno, enquanto sobem escadas. Sinto sua dor física no pescoço ainda jovem, me invade a sua compaixão pela criança que acompanha o trabalho pesado na inútil caminhada.

Eu sou uma espiã indevida. Adivinho frases, comentários, argumentos. Todos falsos, todos falhos. Não conheço a realidade de pessoas que vivem ali, em uma cidade tibetana, encravada no Himalaia.

A realidade não existe, nós a criamos a cada instante, mediante a luz que captamos, a imagem que fantasiamos e o que cremos ser real.

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Izabel da Rosa
Vivi e escrevi

Eu não tenho os pés no chão tenho uma ânsia de asas entregues à correnteza das palavras que me visitam e contam coisas que só sabem os que sentem.