. alagada
chove há 4 mil e 42 dias e eu não tenho telhado
todas as articulações estão úmidas
de palavras moídas
pedras de gelo que o céu manda
para quem não foi escolhido
improvisei uma cabana de lona
fina
tecida de seda persa de lagartas indígenas
no primeiro dia dormi com os anjos
ao som das águas mansas
no segundo dia contemplei as estrelas
escondidas entre uma gota de lágrima e outra
no terceiro dia rasguei o tecido e deitei vulnerável
sobre pedras pontiagudas afiadas de faca
chove há 4 mil e 43 dias
e eu não tenho telhado
nem pele de cobra para me proteger
espero da terra brotar uma copa frondosa
um teto ilusório que afaste o medo do amanhã
chove há 4 mil e 44 dias
meus dedos estão enrugados
e o amanhã veio molhado de desesperança
essa tempestade é-terna
tira minha vontade de sorrir.