. espanto
uma vida baseada em saciar a fome
em compreender a fragilidade do homem
enchendo a boca para prevenir fraquezas
comendo futuro adubado com excesso de incerteza
de presente pisado à terra ao passado arado à luta
o medo que brota de faltar a chuva
na unha pedaços de fruta
nos pés o movimento da matéria bruta
na cabeça raciocínio encharcado em cana
nos músculos a força da risada
a mesma ampliada diante do prato cheio
com comida esperança e salada
que coisa espantosa é essa
mexe sangra respira e solta água
é arroz e feijão virando carne
é massa de pão fazendo milagre
sovando dia após outro uma linha curva
onde o corpo espera murchar sem disputa
uma vida baseada em prevenir a fome
em comer para afastar o ronco da morte
alargando quadris, musculando o passo
calando com açúcar o desejo de outros & abraços
é jejum de afeto alimento pastos
conhecimento raso do que nos come feito rato
no desejo de engolir o máximo
a limitação do tempo roubado pelo trabalho
o estômago nutrido sob o telhado sustentado
e ainda assim faminto, insatisfeito de cansaço
sem saber por que permanece acordado
quando todos dormem a inércia do destino riscado
que coisa espantosa é essa
esse desejo de engolir o minuto que precede a morte
é barro e sopro virando homem
é costela e sangue criando a forma
soltando na voz uma dor que também é tua
reverberando o silêncio da existência muda.
