Sim, os juros no Brasil são maiores do que você pensa

Sérgio Spagnuolo
Volt Data Lab
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4 min readJul 31, 2015

Por Sérgio Spagnuolo, editor do Volt Data Lab
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Se alguém lhe falar dos altos juros cobrados pelos bancos no Brasil, você dificilmente ficaria surpreso. Mas, se alguém lhe contasse que os juros do Itaú para o rotativo do cartão de crédito passam de 600% ao ano, talvez você começasse levar mais a sério aquela fatura que você parcelou.

E sabe aquela conta que tá no vermelho no fim do mês, que você diz que "quando pingar meu pagamento eu cubro". Bem, tomara que não seja no Santander, cujos juros do cheque especial chegam a quase 400% ao ano.

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Crédito: Volt Data Lab
Crédito: Volt Data Lab

Aliás, tomara que não seja em lugar nenhum. Praticamente todos os grandes bancos nacionais aplicam taxas acima de 100% ao ano para empréstimos em cartão de crédito e no cheque especial.

Claro, se você for um bom pagador, com um bom salário e pegar três horas de filas numa agência da Caixa Econômica Federal a fim de conseguir aquele empréstimo pra comprar sua casa, talvez suas chances sejam melhores de conseguir taxas mais amigas, embora vá passar 30 anos pagando as prestações.

Mas, para dívidas em cartão de crédito e cheque especial, aquelas que as pessoas utilizam quando estão mais encrencadas financeiramente, a coisa é muito feia. Pelo menos pra você.

O spread bancário, ou seja, a diferença entre o pouco que os bancos lhe remuneram por investimentos e o muito que eles cobram por empréstimos, é coisa de louco no Brasil. Ele atualmente está em 30 pontos percentuais para linhas de crédito livre, segundo reportagem da Folha de S. Paulo em julho. Ou seja, apenas como um exemplo, se o banco paga para você 10% por cento ao ano de retorno em alguma aplicação, ele cobra da outra ponta 40%.

Crédito: Folha de S. Paulo/Folhapress

Só para comparar: de acordo com o Banco Mundial, o spread fechado de 2014 (22 pontos percentuais) no Brasil ficou acima do spread da República Democrática do Congo (14,7 p.p.), país que vive o caos da guerra civil, e também do Irã, país sancionado até recentemente pela comunidade internacional por conta de seu programa nuclear. Aliás, no Irã o spread foi negativo em quase 3 p.p., ou seja, os bancos perderam dinheiro.

O spread bancário, além disso, reflete apenas certas linhas de crédito. Para cartão de crédito e cheque especial, ele é muito maior.

Países em amarelo têm juros para empréstimos < 10% a.a. e países em azul > 40% a.a. — os em verde são intermediários. Fonte: Banco Mundial

Países em amarelo têm juros para empréstimos < 10% a.a. e países em azul > 40% a.a. — os em verde são intermediários

Uma das desculpas dos bancos é a inadimplência. Ou seja, tecnicamente, os bancos dizem estar se prevenindo de devedores que não irão pagar, ou pagarão atrasados. Parece justo se prevenir contra calotes. E de fato a inadimplência é muito alta no país — mas talvez nem tanto quanto em um país em guerra civil.

E isso tem grande reflexo nos cofres dos bancos. OBradesco divulgou lucro para o segundo trimestre de R$ 4,5 bilhões de reais, e o Santander, de R$ 1,7 bilhões, ambos, é claro, maiores do que há um ano. O Itaú, maior banco privado do Brasil, tem registrado resultados recordes há tempos, a ponto de fechar 2014 com lucro de mais de R$ 20 bilhões no acumulado do ano.

Antes que você saia culpando o governo atual de Dilma Rousseff ou de Luiz Inácio Lula da Silva, saiba que o Brasil sempre teve altas taxas. Na verdade, Lula e Dilma tentaram forçar os bancos lá pelos idos 2010–2011 a reduzir seu spread, embora isso não tenha dado bons resultados duradouros.

No fim das contas, o motivo maior disso tudo é que ser banco neste país é grande negócio.

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Sérgio Spagnuolo
Volt Data Lab

Jornalista, editor e fundador da agência de jornalismo Volt Data Lab (www.voltdata.info). Coordenador do Atlas da Notícia, uma iniciativa sobre jornalismo local