A blogueirinha do fim do mundo.

Em meio à pandemia, influenciadora agradece o vírus e faz festa. Seria esse um sintoma do fim da era dos influenciadores digitais?

FPG
Vox.POP!
5 min readMay 1, 2020

--

Era uma vez uma influenciadora fitness. Loira, magra, bem de vida, tatuada e com aquela filosofia de gratidão pela vida em todas as postagens. Com 4 milhões de seguidores, ela documentava sua rotina saudável (como ela mesmo define) em posts de treinos, viagens para destinos paradisíacos, vídeos brincando de “eu nunca” com as amigas (mesmo com todas já passando dos 30), a paixão por tofu e as intimidades com o marido, como as posições sexuais preferidas de cada um.

Tudo ia muito bem nessa rotina invejável, mesmo que os últimos anos tenham sido de grande debate político e social no país. Entre 13 milhões de desempregados, em um dos vídeos ela dá dicas para ter uma “vida mais leve” que orienta falar sobre sentimentos com as outras pessoas, não ligar para os haters da internet e não ler sobre pessoas que você não gosta.

Tanta positividade, porém, não conteve um vírus que mudou a rotina do mundo todo em poucos meses. Não há filtro no Instagram que disfarce certas realidades e a influenciadora teve que encarar um desafio maior que a rotina da academia. Primeiro com o casamento da irmã, realizado em 7 de março, quando já havia confirmações de casos da COVID-19 no Brasil e que acabou se tornando um foco de disseminação da doença entre os convidados, incluindo artistas e a própria influenciadora. Nem por isso, porém, ela deixou o alto astral de lado e definiu o isolamento como uma oportunidade de se afastar da imprensa e, numa romantização que desagradou até os seguidores, chegou a agradecer ao vírus por ter mais tempo livre.

Num dos momentos mais críticos da pandemia, quando as autoridades percebem que estão perdendo o controle do isolamento social e os números de infectados sobem diariamente, a influenciadora (agora já curada) decidiu que seria bacana amenizar esse clima ruim com uma festinha em casa, recebendo as amigas. Em um dos vídeos, com ninguém usando máscaras, a anfitriã que passou anos construindo a imagem de referência de boa alimentação, exercícios e rotina saudável disse “foda-se a vida!”.

“Preciso dar um tempo de tudo”, declarou depois da repercussão negativa, ao perder 150 mil seguidores e nove marcas de patrocínio. Ela e o marido desativaram as redes sociais, por enquanto. Apesar da “cultura do cancelamento” muitas vezes promover linchamentos virtuais, neste caso a influencer teve várias chances de mudar de postura e poderia ter usado a relevância com milhões de seguidores para fazer um alerta sobre a doença. Ao invés disso, porém, se recusou a mudar os hábitos e repensar os privilégios.

Ainda é cedo para saber os próximos capítulos dessa história, ou se a imagem da influenciadora está realmente manchada, mas é inegável que esse caso representa um marco na relevância dos influenciadores digitais e nos faz refletir: como alguém que por anos foi patrocinada por marcas para falar de saúde e bem-estar não consegue ter empatia e coerência justo quando mais precisamos falar de saúde e bem-estar?

Influenciadores Digitais: o que é verdade fora da bolha?

Nos últimos anos vimos a ascensão dos influenciadores digitais, que ocuparam o espaço que antes era restrito às celebridades da música, cinema, TV ou esporte. Blogueiros de moda, influenciadores fitness, humoristas do YouTube, coah de LinkedIn… quantos exemplos nos últimos anos saíram do meio on-line e se tornaram conhecidos nacionalmente, com dezenas de produtos licenciados, eventos e projetos fora das telinhas?

As marcas logo correram para se apropriar desse novo formato e em uma simbiose, nasceram os “recebidinhos”, os eventos exclusivos, encontros com seguidores, produtos licenciados e os publi-post. Mais sutis, e portanto mais eficientes, a proposta é que os influenciadores digitais tenham mais proximidade e credibilidade com o público-alvo. Mais espontâneos que uma campanha de TV com uma super modelo, por exemplo, eles deveriam inserir os produtos na rotina e convencer sutilmente os novos consumidores.

O problema, porém, é que nos últimos anos começamos a acompanhar os casos de influenciadores digitais com milhões de seguidores comprados, produtores de conteúdos que tiveram prejuízo ao tentarem lançar os próprios produtos, influencers que visivelmente não consomem os produtos que estão anunciando (como as divulgações de novos celulares que depois são trocados por iPhones nos dias seguintes), assessores que gerenciam e padronizam dezenas de influenciadores e, no pior dos casos, pessoas que se envolvem em polêmicas com declarações preconceituosas, machistas ou homofóbicas.

Uma piada fora de contexto ou festinha na quarentena é suficiente para associarem a atitude negativa com a marca e, rapidamente, o tribunal on-line pode propor o boicote.

Não por acaso, há cada vez mais marcas que estão trocando os perfis com milhões de seguidores por micro e nano-influenciadores, que podem não ter números impressionantes, mas produzem conteúdos para nichos, se aprofundam nos temas e passam mais credibilidade com um engajamento real. Da parte do Instagram, a empresa também está estimulando essa nova visão ao ocultar o número de curtidas dos posts e penalizando perfis que tenham interações por bots.

Influenciadores Digitais: o mundo vai acabar, ela só quer postar.

Num momento em que as pessoas não podem viajar, ter eventos badalados e nem saem de casa para ostentar os produtos exclusivos, qual o papel dos influenciadores digitais?

Para muitos que viviam para expor a rotina de “mimos”, realmente é difícil lidar com essa nova realidade. Li num tweet que esse momento pode servir para ver quem consegue ser, de fato, relevante fora dos patrocínios das marcas e perceber os sacos vazios, que não param em pé.

O coronavírus está nos fazendo mudar muitos padrões e talvez esse seja um deles, valorizando influenciadores digitais que sejam importantes e não só famosos. Afinal, o que começou como uma promessa de marketing mais acessível e espontâneo, se tornou uma disputa de likes, rotinas de aparências e culminaram no “foda-se a vida” de uma influenciadora que por anos foi paga e idolatrada para falar sobre vida saudável.

Pode não ser o fim do mundo, afinal, mas o fim da bolha dos influenciadores que se afastaram da realidade e acham normal agradecer um vírus.

--

--

FPG
Vox.POP!

Tentando ser FASHION, aficionado pelas novidades POP e apaixonado pelo universo GEEK. “Cher acima de tudo, Madonna acima de todos.” 🏳️‍🌈🕶️