Ao invés de conectar as redes sociais nos afastaram de vez?

O que era celebrado como uma nova forma de se informar e comunicar se transformou em um palco de desinformações.

FPG
Vox.POP!
6 min readMar 3, 2022

--

Pode nem parecer tanto tempo, mas em 2012 as redes sociais pareciam o caminho para um futuro promissor. Na época, estávamos ainda de olho nas comunidades do Orkut (saudade!), contávamos com o alcance orgânico no Facebook, o Instagram ainda era uma rede só de fotos e os primeiros youtubers e blogueiros estavam em ascensão.

Uma década depois, as plataformas que prometiam aproximar amigos, dar voz aos fãs, conectar familiares distantes e compartilhar notícias 24h, geram discussões acaloradas sobre os limites da ‘liberdade de expressão’, com uma evidente polarização em praticamente todos os assuntos.

Ao invés de nos conectar estamos mais distantes?

Como muitos, talvez sua primeira ação ao acordar seja abrir as redes sociais para se atualizar entre mensagens, comentários, memes e notícias na timeline. Em poucos minutos, porém, você pode ser soterrado por conteúdos de parentes que não conversa há anos no Facebook, as discussões acaloradas da cultura do cancelamento no Twitter, o eterno reality show da vida própria no Instagram e a positividade tóxica do LinkedIn, onde até o desemprego é celebrado como uma oportunidade de escrever um textão sobre como o tempo livre é importante para avançar a carreira e muitas, muitas fake news no WhatsApp. Para relaxar, no Tik Tok você poderá ver adultos dançando, apontando para textos flutuando ou imitando crianças, sem nenhum motivo aparente.

O que nos anos 2010 era celebrado como uma oportunidade aproximar amigos e pessoas com interesses em comum, parece ter retrocedido ao ponto de termos uma luta diária contra terraplanistas, negacionistas de vacinas, influencers de saúde que dizem ‘foda-se a vida’, coachs com soluções infalíveis, numa vitrine do pior da humanidade... O que deu errado?

Obviamente, houve avanços inegáveis! Temos novas vozes e movimentos que nunca teriam o empoderamento atual sem as redes, que de fato popularizaram vários debates que antes eram restritos aos nichos. Muitos influencers que engajam milhões de seguidores nem fariam o ‘padrão’ de décadas passadas, quando só celebridades conseguiam esse grau de divulgação. Descobrimos dezenas de marcas, locais, pontos turísticos, novos artistas, discussões… não dá para negar o lado bom, mas também é difícil ignorar os problemas.

O documentário O Dilema das Redes, disponível na Netflix, traz depoimentos de colaboradores e especialistas que reforçam uma constatação que todos já sabem: os algoritmos estão cada vez mais sofisticados em oferecer uma timeline personalizada, o que gera ‘bolhas’ de conteúdos padronizados e valoriza o engajamento, independente da qualidade do que foi publicado. O objetivo final é que você passe cada vez mais tempo rolando a tela, recebendo conteúdos que só reforcem seu ponto de vista.

A polarização que presenciamos nos últimos anos em diversas partes do mundo seria um dos reflexos dessa lógica e um dos problemas das redes sociais , que valorizam conteúdos que geram mais comentários ou likes, mesmo que seja uma mentira. No Brasil tivemos o exemplo marcante nas eleições de 2018, quando o mito da ‘mamadeira de piroca’, foi mais forte que qualquer plano de governo apresentado. Não por acaso, a desinformação e a desvalorização da imprensa são, justamente, alguns dos pilares do atual desgoverno.

No TED, Guadalupe Nogués, acredita que as redes consolidaram o conceito de pós-verdade, no qual uma opinião e uma notícia ganham o mesmo peso na timeline, muitas vezes, sem distinção como era na mídia ‘tradicional’. Nessa lógica, o comentário ou um boato pode ganhar mais força que um dado científico, mesmo que não tenha fontes, datas ou contexto. Para se ter ideia do tamanho do problema, 62% dos brasileiros não conseguem reconhecer uma notícia falsa, como indicou a Kaspersky.

Para Maryanne Wolf, neurocientista, o excesso de telas e conteúdos on-line podem estar diminuindo a capacidade de interpretar textos e entender argumentos complexos, além de reduzir a empatia por opiniões contrárias. A pesquisadora defende que o hábito de leitura fragmentado das redes prejudica a concentração necessária para o entendimento de livros, contratos e reportagens. Em resumo, estamos atrofiando nossa capacidade de compreensão e afetará ainda mais as novas gerações, que já crescem estimuladas por esses conteúdos fáceis.

Quem vigia os vigilantes?

especialistas que alertam que as redes trouxeram também um prejuízo social, pela incapacidade de se distinguir o que é verdade na timeline. Parece dramático? Não é papo #cringe, mas um alerta quando relatórios internos e ex colaboradores indicam que o Facebook sabe que o algoritmo causa desinformação e que o Instagram causa problemas em 1 a cada 3 meninas, com filtros que estimulam a alteração de imagem e uma extrema edição das fotos.

O documentário Privacidade Hackeada, também disponível no Netflix aprofunda-se no escândalo do Cambridge Analytica e a verdadeira máquina de fake news criada para alavancar a eleição de Trump e as discussões sobre o brexit. Ao fim, todos envolvidos são claros em dizer que nossos dados são mercadorias e podem, inclusive, serem utilizados para campanhas com propósitos nefastos, sem que a maioria das pessoas sequer tenha consciência das artimanhas dos grandes grupos de tecnologia.

A discussão bem atual de banir o Telegram no Brasil por não seguir as orientações para o controle de fake news, acende o eterno dilema, aquela linha tênue entre censura e o controle sobre os conteúdos. As redes, afinal, têm responsabilidade sobre os conteúdos publicados? No ‘paradoxo da tolerância’, é justo deixar que vídeos e páginas de pessoas que planejam golpes contra as instituições democráticas sejam mantidas ativas em nome da liberdade de ‘opinião’? O crescimento de grupos abertamente pró-nazistas no Brasil mostram que esse perigo não é mais algo tão distante da realidade. O Conto de Aia, de repente, nunca pareceu tão real.

Por outro lado, ter a conta bloqueada ou deletada sem nenhuma explicação, atualmente, pode representar um cerceamento profissional, com perda de renda, alcance e histórico. Uma colega que por anos trabalhou com influência on-line e já conseguia se manter com as parcerias e eventos, teve a conta deletada sem nenhum aviso prévio, situação que acontece com frequência e nem sempre tem uma explicação clara. Há também o perigo que o controle das fake news seja uma desculpa para o cerceamento das opiniões divergentes ou expressões artísticas, uma vez que até a Madonna ou Almodóvar foram bloqueados no Instagram. Em 1984, distopia clássica de George Orwel, muito associado com reality shows, o controle social era realizado justamente pela edição das notícias e registros históricos, mantendo um clima constante de incerteza na população.

Quando esvaziamos?

Outro dia li uma entrevista de um autor que não consigo mais encontrar o link, que trazia uma provocação. Para ele, cada que você posta uma foto celebrando o aniversário de um amigo ou faz a live de um serviço, está trabalhando para as grandes empresas tech, fornecendo sua intimidade gratuitamente para que eles vendam seus dados para anunciantes cada vez mais aplicados no remarketing. Não é lazer, nem liberdade de expressão, mas uma armadilha em troca de likes e uma falsa sensação de popularidade. Como um hamster correndo na rodinha para ganhar ração.

O que fazer? Não basta mais culpar os algorítmicos, esperar que as grandes empresas sejam mais altruístas ou delegar ao Estado a responsabilidade de moderação (ou censura?). Para as fontes do Dilema de Redes, a solução seria deletar os perfis, o que, convenhamos, não é mais possível para a manutenção da vida profissional e social de muitas pessoas. Já estamos dependentes. Um estudo de Michigan até compara a dificuldade de deixar as redes com a dependência química.

Podemos não excluir, mas podemos controlar. Esquecemos que também é parte da nossa responsabilidade o controle no conteúdo que consumimos e publicamos nas redes. É você quem escolhe quem quer seguir, as marcas que mais admira, os influenciadores que merecem seu like. Retirar as notificações das redes leva menos de 5 minutos e pode encerrar aquele impulso de olhar na tela do celular a cada mensagem ou curtida que chega. Denunciar um conteúdo que abertamente é ofensivo ou imoral pode não ter consequências imediatas, mas é parte da nossa defesa para uma timeline mais saudável.

Por fim, vale lembrar que há vida fora das redes e que muitas discussões sem fim na timeline nem sempre terão impacto na vida ‘real’. Há ainda espaço para uma internet mais agradável para todos, basta lembrarmos que os likes e a quantidade de seguidores não representam, necessariamente, qualidade ou uma verdade universal.

--

--

FPG
Vox.POP!

Tentando ser FASHION, aficionado pelas novidades POP e apaixonado pelo universo GEEK. “Cher acima de tudo, Madonna acima de todos.” 🏳️‍🌈🕶️