Entre túmulos de mármore, flores coloridas e estátuas de anjos, o senhor e o menino caminham sem propósito ou pressa, em um percurso particular.
Numa época longe de tablets ou celulares, entreter crianças sem gastar exigia criatividade e dedicação. Assim, o avô criou uma verdadeira programação semanal que envolvia andar de ônibus, ir até a mercearia do bairro vizinho comprar comida do passarinho, dar voltas na praça e o ápice da semana: a caminhada no cemitério.
O que para muito pode soar um tanto mórbido ou até inapropriado, ente os dois era a oportunidade de caminhar sem precisar desviar de carro ou pedestres e para o pequeno era a chance de ouvir histórias da família e até alguns casos de quem já estava descansando ali nos túmulos.
Foi durante essas caminhadas, inclusive, que algumas lições para a vida foram ensinadas:
Ninguém escreve mundos fantásticos como os ingleses;
Comer pipoca atrapalha o filme e dá sede depois;
Beber refrigerante não mata a sede de verdade;
Se não conhece ninguém no ambiente, melhor ficar na sua e evitar gafes;
Conversas que foram lapidando a personalidade do menino, que do avô espelhou a paixão pelos livros, séries, filmes e pelas boas histórias, independente do formato. Valia até aquelas repetidas, que quando contatas mais de uma vez geram um sorriso de lembrança.
O avô, filho mais velho daquelas famílias tradicionais italianas, não seguiu com os estudos para ajudar na criação dos irmãos e trabalhar com o pai, mas compensava a falta de diplomas com a leitura diária e uma abertura para o que havia de novo, fosse ler Harry Potter, assistir Master Chef ou debater músicas da Rita Lee. Era mais esclarecido que muito doutor. Valorizando o conhecimento, incentivava o neto a continuar estudando, lendo, viajando e ter um hobby nas horas vagas.
Com o tempo, as caminhadas juntos se tornaram menos frequentes. O menino já conseguia se distrair sozinho e novos aparatos tecnológicos supriam os momentos de lazer. Quando surgia alguma brecha, porém, ainda iam caminhar no cemitério como décadas atrás e aquelas histórias da infância ganhavam agora novos contornos, muitas vezes bem mais macabros ou adultos que nas versões originais. Nos últimos anos, foram juntos limpar o túmulo da avó, que o senhor fazia questão de deixar impecável todos os domingos.
A última caminhada, porém, não teve mais conversas ou histórias da família.
Dessa vez, foi o neto quem guiou o caminho entre as estátuas e flores que ele conhecia desde a infância. O senhor, tão ativo e determinado, agora estava inerte com a serenidade de quem sabe que deixou a continuidade de seus exemplos. Foi impossível segurar a emoção ao fazer aquele percurso pela última vez e tentar lembrar todas as conversas que tiveram por entre aqueles túmulos frios de mármores. Seriam as estátuas testemunhas do cuidado e afinidade entre aqueles dois?
Se despediram com pesar, mas com a certeza de que esse não seria o final da história. Afinal, aquele era o lugar onde os dois sempre poderiam conversar.