Quem precisa da Madonna? Cantora enfrenta o ageísmo na divulgação de Madame X

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Vox.POP!
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5 min readMay 24, 2019

Você acha que será, talvez, alguém que desafiará esse tabu que as mulheres perdem a sexualidade ou não são vistas como objetos sexuais logo que chegam aos 40 anos? — pergunta o entrevistador.

Sim! Acho que não só sofremos racismo, sexismo e coisas como essas, também sofremos o ageísmo, que significa que quando chegamos a uma determinada idade já não é permitido ser aventureira ou sensual. Acho que isso é horrível! As pessoas dizem: “ah é tão patético! Espero que você não continue fazendo isso por mais dez anos”. A quem importa? E se eu seguir fazendo? Há alguma regra? (…)

Na entrevista de 92, enquanto defendia o controverso álbum Erotica e o livro SEX, cujo conteúdo exibia fotos explícitas de fantasias sexuais, Madonna aos 34 anos já era questionada se continuaria com o comportamento polêmico e sensual depois dos 40 anos.

Com os 60 celebrados em 2018, mais do que nunca a Material Girl lida com a pressão para que se adeque e comece a agir de acordo com a idade. Enfrentando legiões de jovens que proclamam novas “rainhas do pop”a cada vídeo que viraliza no Youtube, boicote das rádios que recusam tocar seus novos singles, premiações que ignoram o legado e parte da imprensa que espera que ela aposente de vez os decotes mais ousados, Madonna parece disposta a enfrentar o ageísmo e redefinir o padrão como uma popstar envelhece publicamente, assim como fez anteriormente aos 40 e 50 anos.

“I can’t be superhero right now/ Even hearts made out of steel can break down”

Com mais de 35 anos de carreira, Madonna poderia apenas curtir a vida, lançar coletâneas celebrativas, aparecer em homenagens esporádicas e, caso o dinheiro faltasse, fazer residências em Vegas, como fazem vários astros da música. Ao contrário, a cantora está empenhada na divulgação do 14° álbum de inéditas, Madame X, com uma agenda que incluiu uma tecnológica apresentação no Billboard Awards e uma performance polêmica na final do Eurovision, o maior evento musical do mundo, assim como fez anos atrás no Superbowl (que logo depois se tornaria um palco disputadíssimo pelas cantoras pop divulgarem novos trabalhos).

Mesmo com a aparente vitalidade e interesse em expressar-se, não há uma postagem ou notícia sobre a cantora em que não haja uma enxurrada de haters que façam chacota sobre a idade de Madonna, ou mesmo as matérias de jornais que estampam os “60" em todas as manchetes. Capa da edição da Vogue britânica, ela diz não se inspirar mais em ícones femininos vivos e que tem consciência de ser penalizada por envelhecer publicamente. “As pessoas sempre tentam me calar por uma razão ou outra, seja porque eu não sou bonita o suficiente, por não cantar bem o suficiente, por não ser suficientemente talentosa, por não ser casada, e agora é porque não sou jovem o suficiente”, diz a cantora na publicação.

Se já temos exemplos de mulheres que seguiram com a carreira consagrada no teatro, cinema, literatura ou mesmo na música após os 60, ainda faltava um ícone pop associado por décadas com a efemeridade, jovialidade e sensualidade, que quebrasse esse padrão publicamente, ainda guiando a própria carreira pelos caminhos que tem mais interesse. Até 2050, pessoas com mais de 60 anos saltarão de 12% para 20% da população mundial, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), logo, repensar o envelhecimento dos nossos ícones se tornará algo cada vez mais natural e recorrente. No momento, ao invés de ser celebrada, Madonna é questionada.

“I’m not Joan of Arc, not yet/ I’m only human”

Mesmo com a crescente sororidade feminina, Madonna ainda enfrenta críticas mesmo entre mulheres. A historiadora americana Camille Paglia, uma das maiores detratoras da cantora nos últimos anos, disse em entrevista ao Roda Vida da TV Cultura que Madonna deveria seguir o exemplo da musa do cinema Marlene Dietrich e se retirar da mídia ao perceber o envelhecimento:

“Fico decepcionada por Madonna não ter seguido o exemplo de sua inspiradora, Marlene Dietrich que mostrou como uma diva envelhecida deve se comportar, com mística, glamour e reserva. Madonna parece ter se esforçado para reduzir ao nível de sua filha adolescente; acho constrangedor a necessidade de mostrar seu corpo, seu corpo envelhecido.”

“As pessoas dizem que eu sou controversa, mas acho que a coisa mais controversa que já fiz foi continuar por perto”, disse a cantora ao receber o prêmio de Mulher do Ano pela Billboard em 2016. Realmente, ao contrário de outros ícones pops que estavam em ostracismo antes de morrerem ou que por serem homens eram vistos como heróis resistentes ao tempo, capazes de lotar estádios mesmo sem material novo, Madonna nunca saiu da mídia ou abriu mão da autonomia, buscando uma constante re-invenção em dialogar com novas gerações e maneiras de divulgar novos trabalhos mesmo em uma época em que os seguidores de redes sociais valem mais que qualidade musical.

O mais choca e cutuca os haters é que ao invés de estar retirada em uma mansão no fim de Sunset Boulevard sonhando com a glória do passado, Madonna está ativa, produzindo, criticando, esgotando ingressos e lambendo o pé de um cantor sensação colombiano de 25 anos. Para quem acreditava que ela estaria de saltos aposentados aos 40 anos, a cantora segue utilizando os mesmos decotes justíssimos e crucifixos enquanto provoca debates políticos, religiosos e sociais, da mesma maneira que fazia na década de 80.

Independente se você gosta ou não da Madonna, é impossível negar o pioneirismo. Se hoje Beyoncé, Taylor ou Ariana podem conduzir as próprias carreiras e atrair legiões de fãs, deve-se em parte pela cartilha que Madonna criou no pop, mesclando dança, vídeos, moda e polêmicas bem planejadas. Para uma artista que sempre foi alvo de críticas e quase foi presa pela performance de Like a Virgin, comprando briga com políticos, repórteres e autoridades religiosas, Madonna mais uma vez segue o rebel heart e dá a cara a tapa para que no futuro outras popstars possam envelhecer reverenciadas e adoradas pelos fãs, sem terem suas músicas ignoradas nas rádios ou alvos de deboche de internautas adolescentes que mal conseguiriam decorar o refrão de Vogue.

É o preço por ser pioneira e não abaixar a cabeça para convenções. Ainda precisamos da Madonna para quebrar mais esse tabu.

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Tentando ser FASHION, aficionado pelas novidades POP e apaixonado pelo universo GEEK. “Cher acima de tudo, Madonna acima de todos.” 🏳️‍🌈🕶️