Educação

Cursinhos populares: uma luta constante

Conheça um pouco da história de resistência de dois cursinhos populares que atuam na periferia de Porto Alegre e Região Metropolitana

Emily Vieira
Vozes em Travessia

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Foto: Freepik

Ingressar no ensino superior é uma tarefa muito difícil para a maioria da população e, é ainda mais difícil para jovens e adultos das comunidades periféricas no Brasil. Como ferramenta para possibilitar a esses jovens e adultos da periferia o ingresso no ensino superior, foram criados cursinhos populares por movimentos sociais nos anos 1980 no Brasil.

Grande parte desses cursinhos ganha vida a partir da iniciativa de professores, que, na cara e na coragem, vão atrás de recursos. Um exemplo disso é a professora licenciada em Ciências Sociais e mestre em Educação Andreia Raupp, 33 anos, que teve a iniciativa de criar o Cursinho Popular Motivação através de um pedido dos alunos trabalhadores que frequentavam o Cursinho Popular Minervino de Oliveira, onde ela dava aulas. A professora explica que os alunos tinham bastante dificuldade de se deslocar até o Instituto Federal do Rio Grande do Sul, câmpus Alvorada (IFRS) à noite. “ Muitos em função do trabalho, do cansaço e das passagens. Porque sendo um projeto de extensão, os alunos não têm nenhum tipo de possibilidade de desconto na passagem do ônibus. Então, era muito difícil para essas pessoas conseguirem continuar no cursinho, e, na perspectiva de que talvez não fossem aprovados de primeira no vestibular ou Enem, teriam que fazer de novo. E aí, como poderiam fazer de novo diante dessa falta de condições?’’

Professora Andreia / Foto: Arquivo Pessoal

A alternativa encontrada por Andreia foi a criação de um cursinho que funcionasse apenas aos finais de semana. “No começo os professores ficaram apavorados de como conciliar, de como conseguir dar todos os conteúdos, com aula somente aos sábados. Foi um desafio bem grande”, conta Andreia. Apesar do susto de como conciliar tudo, alguns docentes abraçaram a ideia junto com Andreia e começaram a estruturar o cursinho em reuniões realizadas em um salão de festas de uma igreja localizada no centro de Alvorada, Região Metropolitana de Porto Alegre, espaço cedido pelo pastor desta igreja. “Toda semana aparecia um professor novo que tinha entrado em contato para fazer parte dessa equipe”, relata a professora.

Graças ao esforço de Andreia e de uma rede de colaboradores, em 2018 nasceu o cursinho popular Motivação, que funciona todo o sábado no Instituto Federal de Alvorada e possui 45 alunos que contam com uma ‘‘estrutura dos sonhos”, segundo Andreia. Mas nem sempre foi assim. Até chegar a esse “paraíso”, o cursinho Motivação lutou muito.

Logotipo Motivação / Foto: Cursinho Popular Motivação (Facebook)

A luta para conseguir uma sede

“Foi uma guerra, uma epopeia, uma coisa muito louca” diz Andreia sobre a busca por uma sede para o cursinho. Segundo a educadora, o objetivo era encontrar um local mais central para o pré-vestibular, pois facilitaria o acesso dos alunos. Eles, teriam várias possibilidades de ônibus, mas infelizmente não conseguiram espaço no centro de Alvorada. Outra alternativa, segundo Andreia, seria conseguir uma escola em um local próximo ao centro, para facilitar o acesso dos alunos e professores, visto que muitos docentes não residiam em Alvorada. Assim, depois de muita insistência conseguiram uma sala de aula na Escola Estadual Júlio César Ribeiro de Souza, que fica bem na divisa do município de Alvorada com Porto Alegre.

De acordo com Andreia, devido a um fator burocrático, o cursinho não pôde ficar nessa escola. “Então, como a gente não conseguia estar legalmente dentro da escola, qualquer coisa que acontecesse em relação à segurança ou qualquer coisa que desse errado poderia dar um problema muito grande pra nós e para os alunos”. Foi a partir dessa falta de legalidade que a educadora entrou em contato com o diretor do Instituto Federal (IFRS). “Ele prontamente abriu as portas do IFRS e disponibilizou a sala. Mas não somente a sala de aula como também a biblioteca, o laboratório de informática, a cozinha, o refeitório e tudo que o IFRS possui de recursos.”

Isso não era disponibilizado na escola estadual. “Lá só tinha sala de aula e banheiro” afirma a docente.

Atualmente o cursinho é um projeto de extensão do IFRS, o que possibilita aos professores voluntários um certificado.

Alunos e Professores do Motivação, em frente ao IFRS/ Foto: Cursinho Popular Motivação (Facebook)

Mas, nem todos os cursinhos populares possui a oportunidade de contar com a estrutura de um Instituto Federal como o Motivação. Em contraponto, existe o cursinho pré-vestibular Esperança Popular Restinga, que em maio deste ano sofreu um arrastão em sua antiga sede, onde alunos e professores foram roubados. Após este episódio, o cursinho que tinha cerca de 90 alunos perdeu o acesso a sua sede, que era na Associação Comunitária Ação, Saúde e Lazer (Asala) que fica no bairro Restinga, Zona Sul de Porto Alegre. Segundo o educador de Literatura e Espanhol do Esperança Popular ,Thiago Rodrigues ,21 anos. Atualmente eles estão sem sede. O antigo local era um espaço cedido pela associação dos moradores do bairro, que agora não vai mais ceder este local. “Esse espaço já tinha sido conseguido a partir de uma luta dos estudantes e dos educadores que estavam em 2015, então ele foi construído com recursos próprios, através de arrecadação e doações.” Após a perda de sua sede o pré-vestibular suspendeu por tempo indeterminado as atividades do cursinho. O cursinho que teve o seu início em 2006, atualmente busca recursos para a construção de uma nova sede. “Pra conseguir manter o Esperança, e levar adiante”, diz Thiago Rodrigues.

Logotipo Esperança Popular Restinga/Foto: Esperança Popular Restinga (Facebook)

Atingindo o objetivo

Apesar de todas as adversidades encontradas no caminho, os cursinhos populares continuam atingindo o seu objetivo final, que é a inserção das pessoas da comunidade na universidade. O pré-vestibular Esperança Popular da Restinga este ano colocou cerca de nove pessoas dentro de universidades. Uma delas foi a estudante de Jornalismo Victoria Rodrigues, 21 anos que diz ser muito agradecida ao cursinho, porque através dele teve a chance de ingressar na universidade. “Sou muito grata ao cursinho, tudo o que ele me proporcionou não apenas para a preparação para prova […] isso pra mim significou muito e poder fazer ele dentro da comunidade e ser um cursinho popular, foi muito bom”.

Assim como o Esperança Popular, o Motivação teve aproximadamente 15 alunos que ingressaram em universidades públicas e privadas pelo estado este ano.

Cursinho expõe com orgulho alguns de seus aprovados em 2019/ Foto: Cursinho Popular Motivação (Facebook)

Segundo Edson Sehna ,41 anos, professor de sociologia do cursinho popular Motivação: “Não é só a questão de tu passar na prova […] mais importante que isso é o empoderamento dessas pessoas”.

A estudante reitera a importância dos cursinhos populares para a construção de um pensamento crítico social. “O cursinho popular ele não te prepara só pra entrar na universidade ou só pra fazer uma prova, o cursinho popular ele te ensina muitas coisas da vida, sabe, questões sociais, questões socioculturais, questões da vida. Te mostra a abrir a cabeça em relação a várias coisas e isso pra mim, foi muito importante”, conclui Victoria.

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