Assistência Social

Iluminando a escuridão

A Associação de Cegos do Rio Grande do Sul é uma das referências em promover a independência de deficientes visuais

Vinicius Alves
Vozes em Travessia

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Foto: Public Domain Pictures

Fundada há 52 anos em Porto Alegre, a Associação de Cegos do Rio Grande do Sul (Acergs) é uma instituição voltada para pessoas cegas e de baixa visão. Com uma diretoria formada por deficientes visuais, na sua grande maioria ex-beneficiários, a entidade atende gratuitamente em média 350 pessoas por mês.

Práticas diárias fazem parte do ciclo básico dos recém-chegados

Buscando gerar autonomia e confiança ao deficiente, a Acergs oferece treinamentos práticos de todos os tipos. O exercício com a bengala, um dos mais essenciais, é chamado de mobilidade. Seu objetivo é ensinar ao cego, principalmente aquele que adquiriu a deficiência ao longo da vida, a se locomover com o acessório. Já as chamadas “atividades da vida diária”, ou simplesmente AVD, são práticas ensinadas aos deficientes que os possibilitam realizar afazeres do dia a dia, como amarrar o tênis, lavar e passar roupa, cozinhar e comer.

As duas oficinas fazem parte da reabilitação básica e geralmente participam pessoas recém-chegadas ao projeto.

Prática com a bengala oferecida nas dependências da instituição

Há um ano vinculado à Acergs, Thiago Peixoto, 37 anos, ficou cego fazem quatro anos por conta da diabetes tipo 1. Atualmente, ele possui somente 2% da visão e ela só piora ao longo dos anos. “Quando falo com meus amigos sobre saudade, comento que a minha é poder enxergar de novo”, diz Thiago.

Quando começou a participar das atividades da instituição, a primeira oficina que Thiago entrou foi na de mobilidade com a bengala. Por conta de sua cegueira adquirida, ele teve mais dificuldades de adaptação com sua nova situação. “Eu passei por um luto, estava na idade de produzir e perdi a visão”, conta. “Foi horrível, é como ficar sem chão, como uma voadeira nos peitos”, completa a esposa dele, Verônica Peixoto.

Sobre o papel da Acergs na vida de Thiago, Verônica comenta: “Eu costumo dizer que o Thiago é um antes da Acergs e outro após a Acergs”. “ Não queria sair, só ficava dentro de casa porque achava que podia fazer bagunça na casa de alguém, tinha vergonha e se sentia constrangido. Agora, fez o período de mobilidade, começou no braille, na oficina de dança e a fazer informática”, diz a esposa.

Além da mobilidade e das práticas diárias, a Acergs também oferece o ensino de braille, com uma biblioteca na sede, e informática, com cursos básicos e avançados para os recém-chegados na instituição. Isso tudo faz parte de um processo de autonomia que a organização tenta oferecer aos deficientes. “Nosso objetivo não é prender a pessoa e deixá-la totalmente dependente de nós, nossa ideia é fazer parte de um processo de autonomia do deficiente”, comenta Maicon Tadler, Vice-Presidente da Acergs.

Após um ano participando das atividades da instituição, Thiago passou a ter vontade de voltar a praticar judô e, em outubro, começou a frequentar as aulas oferecidas pela Acergs. “Ele tinha essa vontade do judô, desde criança. Um dia ele tava vendo as olimpíadas, e pensou: “bah, quem sabe na próxima eu possa ser um paralímpico””, lembra Verônica.

O processo de autonomia do deficiente passa pela prática esportiva

Em 2009, foi criado o departamento de esportes da Acergs. Desde então, a instituição tem parceria com outras entidades esportivas a fim de oferecer uma maior quantidade de modalidades para os beneficiários. No momento, são ofertados: judô, futebol B1, B2 e B3 (categorias do esporte, onde a B1 é para cegos e as outras duas são para pessoas com baixa visão), xadrez, goalball (esporte coletivo praticado por deficientes visuais que tem como objetivo arremessar uma bola com as mãos para que ela entre na goleira do time adversário e seja marcado o ponto) e atletismo. “Durante o processo de reabilitação básica, nós vemos o esporte e o lazer como auxiliares para isso. Eles servem como forma de motivação e inclusão para que as pessoas encontrem seus iguais e tenham de volta sua autoestima através de atividades que podem fazer ou voltar a fazer sem o uso da visão”, diz Maicon.

Matheus e suas medalhas conquistadas ao longo dos anos de prática esportiva / Arquivo pessoal

Praticante de judô na Acergs, Matheus Baldin, 30 anos, já passou por todas as equipes esportivas da entidade. “Iniciei com o judô há seis anos na Acergs, depois comecei a correr no atletismo, participei de competições, corridas de rua, entrei para o goalball e competi pelo futebol de baixa visão B2 e B3”, conta ele.

Desde criança ele possui visão monocular por conta de uma bolada sofrida no olho esquerdo. No direito, ele tem baixa visão e a tendência é que ela diminua com o tempo por causa de uma catarata.

Como resultado da prática esportiva, Matheus ressalta algumas mudanças que teve em sua vida com o passar do tempo: “Comecei a me socializar muito mais, eu não era tão sociável com o pessoal deficiente visual”.

Uma das principais atividades de lazer organizadas pela instituição é o “Pedal da Acergs”, um grupo de ciclismo formado em 2016 por deficientes visuais que se reúne pelo menos uma vez por mês. Ele nasceu através de uma arrecadação de tampinhas que tinha o intuito de comprar as bicicletas. Ao todo, são 13 adquiridas com o dinheiro da campanha. “Nossa ideia é promover a integração entre as pessoas com deficiência e as sem deficiência, que são os voluntários que pedalam ao lado dos deficientes”, comenta Maicon.

A Acergs depende das pessoas

Com uma média de 350 pessoas atendidas por mês, o quadro de funcionários da instituição é formado por trabalhadores voluntários e remunerados. Frequentemente a Acergs abre vagas para voluntários nas diversas atividades oferecidas. Gustavo Schumacher, professor voluntário de Judô desde 2015, diz um pouco sobre a sua experiência com os deficientes visuais: “Eu posso dizer sem medo de errar que eu sou um ser humano muito melhor depois que comecei a trabalhar com eles. Constantemente tento qualificar a minha aula para melhor atendê-los”.

Na maioria das vezes, a instituição depende de projetos para manter as contas em dia. O serviço oferecido é gratuito e o deficiente visual tem a opção de virar sócio e contribuir mensalmente com um valor simbólico. “Acredito que isso acontece naturalmente. Quando cheguei aqui em 2012, conheci o esporte, conheci algumas coisas e entendi que a instituição era grande e entendi que a ela precisava de apoio, precisava de mim para alguma coisa. Então resolvi me associar”, comenta Maicon.

A campanha com mais impacto dentro da Acergs é a arrecadação de tampinhas. Com o dinheiro da venda das tampinhas, são escolhidas as áreas dentro da instituição que ganharão o investimento. Atualmente, os fundos arrecadados servem para a compra de bengalas para os deficientes visuais. Além dessa campanha, o programa Nota Fiscal Gaúcha é outro pilar econômico importante para a Acergs. Segundo Maicon, o dinheiro ganho pelo programa é usado para reformas na infraestrutura da instituição. O Nota Fiscal Gaúcha pode ser aderido por qualquer pessoa, basta fazer o cadastro no site do programa e indicar a Acergs como uma das entidades beneficiadas. Após o cadastro, é só informar o CPF no momento em que for realizada uma compra em algum estabelecimento varejista do Rio Grande do Sul.

Chamada da campanha de arrecadação de tampinhas feita pela instituição / Foto: Facebook Acergs

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