ECONOMIA

Menos Estado é igual a mais prosperidade?

As políticas em defesa de liberdade econômica foram bandeira de alguns movimentos nas eleições de 2018, inclusive do atual presidente e sua equipe

Filipe Pacheco
Vozes em Travessia

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Foto: Drew Angerer/Getty images

De acordo com o artigo 170, Título VII, da Constituição Federal, a ordem econômica e financeira deve ser fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, com o fim de assegurar a todos existência digna, conforme os preceitos da justiça social, baseando-se nos princípios de soberania nacional, propriedade privada, função social da propriedade, livre concorrência, defesa do consumidor, defesa do meio ambiente, redução das desigualdades regionais e sociais, busca do pleno emprego e tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte. De 1988 pra cá, tem havido com mais frequência políticas que visam a desregulamentação e a diminuição do papel ativo do Estado na economia.

É possível analisar esse contexto de descentralização econômica que o país tem vivido através da menor interferência do Estado como regulador nas negociações trabalhistas e no desenvolvimento econômico. A reforma trabalhista, aprovada em 2017, foi uma das medidas tomadas no Brasil que diminuiu a mediação do Estado nas relações entre patrões e empregados. Essa reforma promoveu mudanças como a que institui a modificação na remuneração por produtividade, a qual não podia ser inferior à diária correspondente ao piso da categoria ou salário mínimo. Agora, porém, o pagamento não será obrigatório nesse contexto, sendo possível, ainda, todas as formas de remuneração que não fazem parte do salário serem negociadas entre o funcionário e o empregador.

Atitude governamental

Outra mudança que exemplifica essa desregulamentação da economia no Brasil é a Medida Provisória da liberdade econômica (MP 881), proposta pela equipe do Ministério da Economia do presidente Jair Bolsonaro e aprovada no mês de setembro. A MP 881 é uma das principais medidas de desburocratização e desregulamentação tomadas nos últimos anos pelo governo. Segundo um estudo da Secretaria de Política Econômica do governo atual, a MP irá gerar, em um período de 10 anos, um impacto de 7% no PIB brasileiro. Além disso, o secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério, Paulo Uebel, afirmou em uma reunião com empresários, em agosto deste ano, que ela gerará 3,7 milhões de empregos no mesmo período. “Sendo assim, o efeito potencial da MP 881/2019 seria um ganho no longo prazo de 7% no PIB per capita e de 4% na população ocupada”, disse ele.

A nova lei permite que negócios considerados de baixo risco — inofensivos ao meio ambiente e à segurança — possam funcionar sem a necessidade de alvará, além de outras medidas, como o arquivamento de documentos em formato digital que apresentem equivalência real aos de meio físico, a não responsabilização de sócios em arcar com prejuízos de seu associado em caso de falência, a não ser que comprovados atos de ilegalidade, e a exclusão do E-social, sistema de registro de dados de empregados que será substituído por um sistema mais simplificado, de acordo com o governo.

Segundo o deputado estadual pelo partido Novo Fábio Ostermann, o Brasil é um dos países mais fechados do mundo e obtém um dos piores climas para negócios. “Não por coincidência, mas por resultado direto, somos um dos países que menos cresce no mundo. Crescemos muito, em boa parte, pelo aumento da base agropecuária até os anos 60 e 70, só que o fato é que dos anos 80 para cá, o crescimento da economia se deu, ou em cima de ciclos artificiais de desenvolvimento econômico, ou do crescimento populacional.” O deputado acrescenta que o país não vem tendo um processo de crescimento da produtividade do trabalho e que isso é o que realmente faz com que as nações prosperem e se desenvolvam. Também afirma que quanto mais liberdade econômica há em uma sociedade, mais prosperidade e opções para a população.

Quanto às medidas tomadas como políticas públicas, o deputado do Novo defende que haja uma mudança de uma visão que induz investimentos em setores que dispõem de capacidade de lobby, ou seja, que fazem pressão no governo para ganhar privilégios e subsídios, para políticas que reduzam obstáculos na criação de novos negócios.

Pequenos gigantes

Nos últimos anos, as pequenas empresas vêm sendo protagonistas no avanço econômico brasileiro. Apesar do cenário desfavorável, nos cinco primeiros meses de 2019, elas foram responsáveis pela criação de 326,6 mil postos de trabalhos formais, segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Uma pesquisa do Insper — uma instituição superior de ensino e pesquisa — com o Santander Brasil que realiza o cálculo do Índice de Confiança dos Pequenos e Médios Negócios (IC-PMN) do terceiro trimestre de 2019, revelou que dos 1.328 pequenos e médios empresários ouvidos, 39,23% disseram que a carga tributária brasileira é o maior empecilho para seus negócios. A taxa de juros também é contada; 26,58% a consideram um problema. Em contrapartida, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vem realizando, desde 2004, diversos empréstimos para grandes empresas brasileiras. As cinco empresas que mais receberam nesse período foram Petrobras, Embraer, Norte Energia, Vale e Odebretch, as quais foram alvo da operação Lava Jato nos últimos anos por escândalos de corrupção. A maior beneficiada foi a Estatal Petrobrás, que recebeu R$ 62,429 bilhões.

Juan Savedra, coordenador do movimento suprapartidário Livres RS, afirma que o Brasil tem uma mentalidade de criar empecilhos para vender facilidades. Segundo ele, o empreendedorismo tem papel fundamental no aumento da liberdade econômica e da desburocratização da economia brasileira. “O brasileiro tem uma criatividade e uma vontade de se emancipar, de ser dono do seu próprio negócio e não responder a alguém.” O número de pequenas e médias empresas representam 99,1% do total de empresas no Brasil. Juan afirma que acredita que o país se encaminha para um futuro em que as pessoas buscam mais autonomia e independência.

No entanto, em um país com desigualdade social acentuada como o Brasil, muitas vezes a diminuição do Estado não é vista como benéfica para as camadas mais pobres da população. Os programas assistenciais, como o Bolsa Família, são atitudes tomadas pelo governo para ajudar na sustentação dessa camada de menos favorecidos. De acordo com uma pesquisa feita em março deste ano pela Organização não governamental “Oxfam” em parceria com o Instituto Datafolha, 31% dos entrevistados acreditam que o governo deve aumentar os impostos para garantir melhor educação, saúde e mais moradia. Na mesma pesquisa, 77% dos participantes concordaram que o governo deve aumentar os impostos sobre os mais ricos para subsidiar áreas do setor público e 84% afirmam que, em um país como o Brasil, é obrigação do governo diminuir a desigualdade social entre muito ricos e pobres.

O professor e cientista social Nei Antonio afirma que o Estado deve interferir nas situações de desigualdade econômica. Para ele, o capitalismo, em sua gênese, produz a desigualdade e, sendo assim, o Estado deve agir ativamente para trazer as pessoas de baixa renda para o mercado consumidor, proporcionando condições mínimas para exercerem a vida social. A falta de serviços básicos para a maioria da população e a precarização dos empregos é o principal gerador de desigualdades socioeconômicas na visão de Nei. “A ideia de que ter qualquer emprego é melhor do que não ter é péssima. Você tira dinheiro do bolso das pessoas, as pessoas consomem menos e o mercado interno enfraquece.” Segundo ele, no momento, o livre mercado só privilegia quem já está estabelecido no mercado, ou seja, as grandes empresas. Portanto, o Estado como desenvolvedor é essencial.

Frederico Cosentino, economista e atual coordenador geral da bancada do Novo no Rio Grande do Sul, afirma que a função do Estado deve se restringir à função de mediador de conflitos; uma instância jurídica garantindo a propriedade privada e os contratos. Ele afirma que a regulação estatal deve se voltar ao fomento da concorrência e proporcionar apenas segurança no estabelecimento dos contratos sociais. “O próprio Estado é o gerador e perpetuador das desigualdades e impede a ascensão social”, afirma. Frederico complementa dizendo que se o governo cumprisse somente com as funções básicas que assumiu para si, como saneamento básico e escola básica, por exemplo, o Brasil poderia superar a pobreza muito mais rápido. A inovação e o progresso estão mais presentes em economias livres, segundo ele. “A liberdade é o motor da inovação. Ninguém vai inovar, empreender e ter iniciativa em regimes onde o fruto daquele trabalho não é seu.”

É visível que as políticas econômicas baseadas na descentralização por meio da tecnologia, atuando em um cenário mundial globalizado e de alto nível de competição têm sido cada vez mais presentes na maioria dos países capitalistas. Porém a discussão da efetividade dessas políticas e do real papel do Estado continua controverso para os diferentes espectros políticos, e ainda renderá muitos debates em torno do que seria melhor para a economia brasileira e mundial.

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Filipe Pacheco
Vozes em Travessia

Estudante de jornalismo / Head de conteúdo / Redator SEO / Produtor de Marketing de Conteúdo / Copywriter.