CIDADE

O bairro tricolor

Como está a região no entorno da Arena do Grêmio sete anos depois de sua inauguração

Lucas Keske
Vozes em Travessia

--

Visão que se tem do terceiro andar da casa de Waldir Barbani Garcia / Foto: Lucas Keske

O número sete é tido pelo Grêmio como o mais simbólico para o time, já que estava na camisa de jogadores como Renato Portaluppi, Paulo Nunes e Luan quando conquistaram, cada um em sua época, o maior título do continente. Das três conquistas, a única que ocorreu no novo estádio do clube, a Arena do Grêmio, foi em 2017 - quando Luan vestia a camisa - tendo as duas outras ocorrido no Estádio Olímpico Monumental, antigo estádio do clube que foi substituído em 2012.

Portanto, a atual casa do clube completará, em 8 dezembro de 2019, sete anos de sua inauguração, em uma região mais afastada da cidade e que é circundada por diferentes bairros e populações, sendo algumas de baixa renda. Cabe então saber, a pouco tempo de completar um aniversario tão simbólico, como a presença do estádio influencia a vida e a rotina dos moradores dessa região.

Mesmo levando o nome do clube, a Arena do Grêmio é administrada por uma empresa ligada ao grupo OAS e está localizada em uma região bastante heterogênea formada pelos bairros Anchieta, Farrapos, Humaitá e Navegantes. Lá estão presentes desde grandes condomínios verticais, até pequenas casa de madeira. Abriga cerca de 3% da população do município, está a cerca de 6 quilômetros do centro da cidade de Porto Alegre e apenas 3 quilômetros do município vizinho de Canoas.

Em 2015, a Câmara de Vereadores de Porto Alegre aprovou uma emenda que propôs a criação de novos bairros e também alterações em outros, fazendo com que a Arena do Grêmio, que antes ficava no Humaitá, passasse a pertencer ao bairro Farrapos. Contudo, na prática, foi apenas uma mudança formal, e “Humaitá” continua sendo o mais lembrado como o bairro do estádio.

Mapa de bairros / Foto: ObservaPOA

A influência do estádio nos imóveis e na economia

“Eu ia lá no Olímpico, atravessava a cidade pra ver o Grêmio jogar, nunca sonhava que ia sair a Arena aí”, afirma o radiotelegrafista aposentado Waldir Barbani Garcia, morador há 50 anos do bairro Farrapos. Segundo ele, a casa, que está a 200 metros do estádio, já era um comércio antes da existência do estádio, porém, com a vinda dele, o fiel torcedor - sócio há mais de 30 anos do clube - decidiu transformá-la em um complexo gremista.

Waldir Garcia na entrada de seu bar a poucos metros da Arena do Grêmio / Foto: Lucas Keske

Com as paredes repletas de fotos de jogadores do clube e uma pintura externa azul, funciona, no primeiro andar de sua casa, um bar que exibe os jogos e vende produtos alimentícios para os torcedores, já no segundo, um escritório de conselheiros do clube e, no terceiro e último, uma área de lazer que, em dias de grandes jogos, é alugada por executivos do clube ou por emissoras de televisão que transmitem, dali mesmo, o jogo para todo o País.

A Avenida Padre Leopoldo Brentano, que fica logo à frente do estádio, sofreu uma grande transformação ao longo dos anos. Quase todas as casas da rua hoje são também bares ou comércios relacionados ao clube e ao estádio.

“Um vizinho aqui recusou uma proposta de um milhão e meio de reais, queria dois (milhões)”, afirma Sérgio Ferreira, que mora há 30 anos no bairro e abriu seu bar só por causa do estádio. “Isso que a maioria dos terrenos aqui é de 16X8”. Esses números significam que o valor por metro quadrado no bairro pode chegar à cerca de R$15.625,00. Muito acima da média da cidade de Porto Alegre (R$5.904,00), e da média do bairro Jardim Europa, R$10.902,00, a mais alta da cidade, segundo o último índice FipeZap.

Contudo, essa não é a realidade de toda a região. Os moradores que têm seus imóveis mais afastados do estádio, ou os que não decidiram por transformar suas casas em comércios, sentiram, em vez de um aumento exponencial do valor de seus imóveis, justamente o inverso. Seus imóveis desvalorizaram em relação ao período anterior ao estádio.

Entre os fatores que explicariam essa desvalorização estão alguns que já existiam antes do estádio e que não melhoraram, como os alagamentos constantes quando chove na região e a falta de segurança. O estádio também trouxe novos transtornos para os moradores, por exemplo, o imenso fluxo de veículos que vai à região. Segundo Leandro Coelho, gerente de fiscalização de trânsito da EPTC, nos dias de grandes eventos, o movimento pode chegar a 20 mil carros a mais na região. Parte desses veículos acaba estacionando em vagas públicas mais distantes do estádio, já que as mais próximas são controladas por “flanelinhas” e o estádio oferece um estacionamento privado que custa R$40,00 em dias de jogos.

Esse grande número de veículos, além de ocupar a maioria das vagas das ruas, evidentemente, traz à região uma grande quantidade de torcedores que costumam ficar fora do estádio até poucos minutos antes do início do jogo. O grande problema é que, alguns deles, urinam nas grades e muros das casas ou deixam lixo e resíduos pelas ruas.

“O bairro se tornou estacionamento e mictório da OAS”, afirma Ronaldo Floriano, presidente da Associação de Moradores do Bairro Humaitá. Ele complementa dizendo que a coleta do lixo deveria ser imediata, já que há possibilidade de obstruir a rede de esgoto e piorar ainda mais os alagamentos, porém costuma ser feita apenas no dia seguinte. Além disso, também aponta que a Prefeitura anunciou aumento de 51% no IPTU do bairro para o ano de 2020, e que bairros com melhor localização, como o Bom Fim, aumentariam apenas 25%. Projeto aguarda votação na câmara de vereadores. Ainda cita que a empreiteira OAS afirma ter investido cerca de R$ 20 milhões na região, mas que “para o Humaitá não foi um centavo”. E termina dizendo: “Com a OAS aí, não tenho esperança”.

Contrapartida social e responsabilidade

Para grandes projetos como o de um estádio de futebol que movimenta milhares de pessoas por evento e influencia diretamente na rotina dos moradores, é aplicado o conceito de “contrapartida social”. Consiste, basicamente, em dar algo em troca para a população a fim de diminuir ou controlar o impacto que um empreendimento de tal porte causa. No caso da Arena, as contrapartidas estavam a cargo do grupo OAS, que construiu o estádio e assumiu a responsabilidade das obras do entorno.

O contrato inicial de contrapartidas chegava a mais de 100 milhões de reais em investimentos e contava com abertura e ampliação de ruas, drenagem, ampliação de escolas, áreas de lazer e mais. Contudo, até hoje muito pouco foi feito. Em 2015, o Grupo OAS entrou em recuperação judicial e, desde então, os investimentos nas contrapartidas diminuíram ainda mais. Procurado, o Grupo OAS não se pronunciou.

O Grêmio não esconde o interesse em comprar, definitivamente, a gestão da Arena. Segundo Rodrigo Kandrik, diretor do Departamento de Responsabilidade Social do Grêmio, as negociações estão avançadas e próximas de confirmar a compra do estádio. Complementa que se o acordo de compra for firmado, o Grêmio poderá vir a assumir as contrapartidas de cerca de R$ 80 milhões e terá um “olhar de desenvolvimento” em relação ao bairro. Além disso, afirma a possibilidade de expansão dos projetos sociais que o clube mantém, como o “Comunidade TRI” e o “Jogo Limpo, Bairro Limpo”, que visam, respectivamente, integrar a comunidade com o estádio, e conscientizar os torcedores sobre o descarte correto do lixo.

Em suma, espera-se que poder público, OAS, Grêmio e os moradores resolvam seus impasses da melhor maneira para todos e, principalmente, que as contrapartidas sociais sejam totalmente implementadas. Para que assim o estádio influencie de forma realmente positiva na região.

--

--