EDUCAÇÃO

Por que a escola não basta para ingressar na universidade?

Os conhecimentos básicos adquiridos por estudantes de escolas públicas e privadas são diferentes. A educação é pouco valorizada no Brasil. Por que para alguns é tão difícil passar no vestibular?

Thiago Soria
Vozes em Travessia

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Listão — Tânia Rêgo/Agência Brasil

Entrar na faculdade é o objetivo de muitos alunos quando pensam sobre o que fazer após o ensino médio. Ainda que não existam pesquisas quantitativas, o ingresso para a academia geralmente não é direto, e muitos alunos recorrem aos cursinhos pré-vestibulares. Em meio a isso, escolas públicas e privadas possuem diferentes níveis qualitativos de educação, ou seja, quem vem da pública tem ainda menos chances de conseguir chegar ao Ensino Superior. As escolas falham ao não conseguir garantir acesso às universidades, e aqueles que são das camadas populares da sociedade se veem sem muitos meios para chegar nelas.

Ricardo Luiz Rocha Fortes, da PUC-MG, relaciona cursinhos e escolas em sua dissertação de mestrado. “O cursinho existe devido à desarticulação entre os diversos segmentos escolares e a universidade e devido à importância para os alunos do efeito cursinho, como instância preparatória de acesso ao ensino superior” diz ele em sua pesquisa. O estudo também evidenciou que os alunos de segmentos médios e populares gostam e valorizam o cursinho mais que o ensino médio, sobretudo pela oportunidade de aprendizagem, pelas revisões necessárias do ensino fundamental e médio, pelo treinamento e pelos simulados.”

Escola x cursinho e a desigualdade de concorrência

Os cursinhos impactam bruscamente o resultado dos vestibulares. Em 2016, dos 3.910 aprovados no vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), 2.338 fizeram cursinho — aproximadamente 60%, de acordo com dados da universidade

Felipe Fernandes, 35 anos, diretor pedagógico do cursinho Fênix, em Porto Alegre, acredita que a dificuldade das questões das provas de vestibular não condizem com a realidade da maioria das salas de aula das escolas: “ A prova como um todo é muito acima do conhecimento que a maioria que se forma no terceiro do médio tem”. Em contrapartida, ele também afirma que a UFRGS, por exemplo, tenta se adaptar um pouco à realidade dos alunos, descendo o nível de exigência, ainda que não muito. No entanto, a UFRGS, por ser gratuita, tem um nível de concorrência muito maior que as particulares.

Para Felipe, o cursinho funciona devido a multifatores. Primeiro, os alunos são mais interessados do que quando estão no colégio. Culturalmente, muitos fazem o Ensino Médio apenas para se formar e então buscam o cursinho quando desejam ingressar no Ensino Superior. Aliado a isso, o pré-vestibular tem seu planejamento pedagógico focado nas provas, considerando tanto a densidade dos conteúdos quanto o processo de aprendizado de cada matéria. A quantidade de conteúdo exigido nas provas de Matemática não é grande, mas o aprendizado é demorado. Enquanto Biologia é o oposto, sendo densa mas com aprendizado mais simples. O cursinho também dá mais atenção a questões como o nervosismo e a ansiedade — há palestras, psicólogos. A discussão sobre esse tema é frequente para que os alunos se preparem psicologicamente e se conheçam. Felipe acredita que hoje é essencial passar pelo pré-vestibular. “Muito difícil não fazer e ser aprovado em cursos de médio pra difícil. O aluno vai conseguir o curso mais fácil com um ensino médio bem feito e disciplinado.”

Sobre um curso difícil, Juliano Kinsiona,de 35 anos, vestibulando de medicina há seis anos, tem muito a contar. A escola estadual Jorge Lacerda em que se formou no Ensino Médio, de Torres, litoral norte do Rio Grande do Sul, não o preparou de forma suficiente para entrar na universidade. Sabendo disso, ele foi atrás de um técnico em radiologia, porque, além de ser algo que gosta, na área da saúde, ajuda a custear o cursinho e a dar uma base melhor de conhecimento. Atualmente, ele estuda no curso pré-vestibular Universitário, também em Torres. Há o impasse de trabalhar e estudar. A escala do seu trabalho no hospital da cidade não é fixa e várias vezes é noturna. Nunca pôde apenas estudar. Em meio à correria dos plantões, tenta estudar o máximo possível, levando para o hospital cadernos com as matérias que perdeu por causa do trabalho.“O valor de uma faculdade privada assusta. Na federal, a concorrência é gigantesca. A prova é a mesma para todos o que vai dificultar é que a galera tá num nível muito alto, que vem de particular ou pública boa com formação média e básica muito boa”,diz ele. Por outro lado, Felipe também explica que a culpa pela ineficiência do ensino básico em geral não é toda dos colégios. “As pessoas não pagam pela educação, mas pela segurança, organização. Em relação aos conteúdos, muitos colégios particulares são somente um pouco melhor que os públicos. Mas têm estrutura”.

As escolas

Todavia, boas escolas públicas existem. Inclusive, têm preparação para provas de vestibular. A Supervisora do colégio estadual Professor Julio Grau, de Porto Alegre, Eliane Luckow, 61 anos, conta que nessa escola, que só oferece o Ensino Médio, há, sim, interesse por vestibulares e Enem. A escola teve iniciativa para que seu planejamento pedagógico fosse mais voltado às provas de vestibulares, próximo do que acontece em cursinhos. Como diferencial, os professores exigem bastante, tentam ter mais praticidade, e os alunos participam de conselhos nos quais fazem relatórios sobre cada matéria e professor. A opinião deles é importante para o planejamento. Alguns fazem cursinho também, mas Eliane lembra que há instituições pré-vestibular parceiras da escola oferecendo bolsas, aulas gratuitas e atividades na escola. Além de ter bons índices de aprovação — 86% de acordo com o indicadores do Inep — a escola obteve, em 2017, nota acima da média no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), totalizando 4,1 pontos, enquanto a média do Rio Grande do Sul ficou em 3,4 pontos, de acordo com o Ministério da Educação. Em 2018, manteve a mesma pontuação, de 4,1. Ainda assim, a escola possui problemas de infraestrutura e verbas como diversas escolas públicas.

A iniciativa de preparar para os vestibulares é algo raro nos colégios públicos. Lucas Pereira Gomes, 19 anos, conta que, mesmo se tivesse aproveitado melhor os ensinamentos de seu Ensino Médio, não acha que passaria para uma universidade, pois não se tinha uma preparação específica para vestibulares e Enem. “Os principais conceitos de escola são a parte da educação com uma formação pessoal do indivíduo” diz Lucas. De acordo com ele, teve um bom Ensino Fundamental, em uma escola particular. Cursou o Ensino Médio, no Instituto Federal de Santa Catarina em Sombrio. No IF tinha também um curso técnico em informática. Ele diz que apesar de não ter tido máximo comprometimento com os estudos, a rotina do Ensino Médio mais o técnico era pesada. Após se formar em 2017, foi em busca de um cursinho e estuda no Universitário de Torres. Deseja fazer Engenharia Naval, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Já Yanka Garcia, 21 anos, é formada na rede pública e passou para Enfermagem na UFRGS. Ela relata que, em 2017, dois anos após se formar no Ensino Médio, montou uma rotina de estudos de segunda à sexta, com as matérias separadas por dia. “Eu assistia vídeo aulas, no YouTube mesmo. Tudo 100% free. E dava uma lida nos textos disponíveis de graça.” Para ela, o que mais definiu sua aprovação foi a organização. Sobre sua escola, relata que até hoje sente falta do conhecimento que deveria ter tido no ensino básico, como em biologia: “Eu senti que o ensino era fraco mesmo”.

Não se pode culpar somente as escolas por não serem capazes de garantir qualidade de ensino para que se acesse o Ensino Superior. “O problema na educação é estrutural e envolve também a família, a cobrança em casa, dentre outras realidades” diz Felipe. Escolas brasileiras estão inclusas em um universo no qual a educação, principalmente a básica, é pouco valorizada, inclusive por alunos. A própria realidade do país muitas vezes afasta as pessoas dos estudos. O MEC informa em seu Plano Nacional de Educação que tem como meta apenas a aprovação e o não abandono das salas de aula. A educação do país ainda rasteja e sequer se consegue planejar um nível que garanta alguma articulação com o Ensino Superior. Falta de infraestrutura, pouca e ineficiente formação de professores, analfabetismo funcional, são problemas anteriores ao Ensino Médio no caminho até a universidade.

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