GERAL

Um pulsar de gente

As pequenas histórias que compõem a Imperadores do Samba, uma das maiores campeãs do Carnaval de Porto Alegre

João Pedro Rodrigues
Vozes em Travessia

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Ensaio da bateria/Foto: Ivo Gonçalves

“Vou fazer 60 anos daqui a duas semanas. Eu tenho a mesma idade que a Imperadores tem.” Presidente da Imperadores do Samba desde o ano de 2018, Érico Leoti iniciou sua relação com o Carnaval na década de 1960, quando os seus pais costumavam levá-lo para ver os desfiles de samba na avenida Borges de Medeiros ou na João Pessoa, em Porto Alegre. Na época, o propósito era somente este. Ver.

Érico nunca tinha desfilado com uma escola. Nem seu pai, nem sua mãe. Sua introdução no universo carnavalesco começou mesmo na metade dos anos 1970, quando desfilou pela primeira vez com a Imperadores. “A minha mãe até hoje não faz parte. O meu pai já faleceu. Mas os meus filhos e os meus netos fazem.”

Pai de quatro filhos, ele se orgulha ao dizer que todos são da Imperadores, assim como os seus dois netos e a sua mulher. “Eles já tão vivendo isso de uma forma que eu não vivi quando eu era criança. Eu parti dessa paixão pelo desfile das escolas de samba para estar dentro de uma. Então, eu trouxe minha família.”

A relação do presidente com a instituição reflete o que é o sentimento da comunidade com a escola. Mesmo com as diferentes origens, há uma identificação comum entre os membros que dá forma a essa unidade e que sustenta um dos patrimônios culturais e históricos da capital do Rio Grande do Sul, o Carnaval.

Conhecida como a escola do povo, a Imperadores do Samba, com sede localizada na avenida Padre Cacique, é uma das mais tradicionais escolas de samba porto alegrense e uma das maiores campeãs do Carnaval da cidade, com 20 títulos. Não à toa, foi, durante 16 anos consecutivos, Top of Mind da revista Amanhã. “É uma pesquisa em que, de uma forma espontânea, falava um segmento pro entrevistado e ele dizia quem lembrava. E, no segmento Carnaval, a Imperadores foi a mais lembrada”, gaba-se Érico.

Raquel Nunes, madrinha da bateria há 14 anos, também é a primeira da família a entrar na Imperadores. Nascida em Bagé, sempre teve vontade de desfilar no Carnaval, mas, como em sua cidade não havia um semelhante ao de Porto Alegre, foi apenas quando se mudou para a Capital que teve a oportunidade de, pela primeira vez, participar de um ensaio. No caso, o da escola. “Isso aqui tudo lotado. Eu me apaixonei de cara, me encantei”, lembra.

Raquel iniciou sua trajetória na Imperadores em 1996, na ala Perigosas Peruas, uma das maiores de passo marcado do Carnaval da cidade na época. Desde então, foi rainha da escola e hoje, além de ser madrinha da bateria e professora de português, sua outra ocupação, coordena uma ala infantil com 60 crianças. “É muito bom lidar, porque eles me dão incentivo pra continuar”, diz. Ela revela, ainda, o sonho de um dia ser presidente da escola. “Daqui a uns 10 anos, quem sabe. Eu quero me preparar bastante.”

Assim como Érico, foi ela quem introduziu os seus familiares na Imperadores. Por não ter filhos, são suas três sobrinhas que aproveitam a experiência, e, se depender de Raquel, elas irão continuar aproveitando, enquanto for possível, essa história de cultura e manifestação popular. “Depois a opção é delas.”

Ainda que a paixão pelo Carnaval seja um ponto semelhante a todos, ou, pelo menos, à maioria, não foram todos os membros da comunidade que entraram na escola participando de desfiles, fazendo parte das alas ou tocando instrumentos. Humberto Macedo, por exemplo, tem uma história um pouco diferente dos outros participantes. Admirador do Carnaval, o desenvolvedor web de 44 anos teve sua origem na Imperadores devido a um grupo de Facebook.

O grupo Carnaval em Porto Alegre foi criado por Humberto e hoje possui 15 mil participantes. “Todo mundo falava sobre o do Rio, mas ninguém falava do Carnaval daqui. Eu comecei a convidar (as pessoas) pros eventos do Carnaval de Porto Alegre. Então, todo mundo se informava por ali”, explica.

A partir disso, o presidente da Imperadores da época, Luiz Carlos Amorim, viu o trabalho de Humberto e o convidou para fazer o site da escola, mas, como não havia quem produzisse conteúdo, ele passou a fazer também matérias, fotos e vídeos. “Eu comecei a me apaixonar pelo trabalho. Já admirava a escola. Torcia por ela na arquibancada. Sempre frequentei o Carnaval, mas nunca imaginei que um dia eu estaria aqui dentro.”

Como um representante nas redes sociais, ele percebe, no entanto, que há um imaginário distorcido em relação à imagem da Imperadores e do Carnaval porto-alegrense e diz que a ideia do grupo é mudar isso. “A sociedade tem uma imagem ruim da gente. Acham que aqui é só festança.”

Atividades

Ao longo do ano, a Imperadores do Samba costuma fazer diversas atividades com a comunidade. “A gente tá sempre movimentando o nosso pessoal pra fomentar essa paixão, porque não existe fazer Carnaval começando no mês de fevereiro. Carnaval é o ano todo”, reforça Érico.

Atualmente, há uma necessidade de gerar uma renda e fomentar uma cadeia produtiva devido à falta de recursos para os desfiles que ocorrem no início do ano. Em dias de ensaio da bateria, por exemplo, são contratadas pessoas para botar o som, para abrir a copa e fornecer bebidas e comidas.

A escola promove também, pelo menos uma vez por mês, alguns eventos sociais. Feijoadas, almoços, festa junina e bailes, procuram gerar uma participação e um comprometimento das pessoas envolvidas.

Segundo Érico, se não fosse esse envolvimento, colocar o Carnaval na avenida acabaria sendo inviável, porque, desde 2016, não há mais financiamento da prefeitura que, anteriormente, dava subsídio ao Carnaval. “É muito do nosso esforço, do nosso trabalho.”

Além dessas atividades regulares, a escola, hoje, está realizando dois projetos na Fundação de Atendimento Sócio-Educativo (FASE), a fim de trabalhar a ressocialização dos meninos e meninas internos, que cometeram algum delito, através de oficinas de bateria. “A gente entende que o Carnaval também pode mostrar pra esse pessoal que a vida do crime não é boa. Ele pode te dar uma profissão, pode te dar alegrias. Tem muita gente que começa numa bateria”, diz Érico. O projeto vai até dezembro. Com as meninas, ele está em curso desde agosto, e com os meninos, desde outubro.

Este ano, na Feira do Livro de Porto Alegre, outro projeto foi lançado, o livro “Imperador — eu teria tanta coisa pra dizer”, de Éder de Barros, Helena Cattani e Vinícius Brito, junto à comemoração dos 60 anos da Imperadores. Na capital, a escola de samba é a primeira a ter o seu.

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