Especial | Fé e resistência: conheça algumas iniciativas pela cidadania religiosa LGBTQI+ #6

Jeferson Batista
Vozes Pela Diversidade
6 min readApr 9, 2020
Imagem: Jeferson Batista

Frase da Semana

“O real papel de toda e qualquer igreja deveria ser o mesmo papel que Jesus tentou mostrar no evangelho, que é de justiça social, promoção da dignidade humana”
Alexya Salvador, professora e primeira reverenda trans da América Latina

Fé e resistência: conheça algumas iniciativas pela cidadania religiosa LGBTQI+

No próximo domingo, milhões de pessoas vão celebrar a Páscoa (recomendamos que façam isso sem romper o distanciamento social), festa que, em diversas tradições cristãs, marca a ressurreição de Jesus Cristo. Aproveitamos para mostrar, nesta edição temática, a luta que ativistas LGBTQI+ estão travando em busca de cidadania dentro das religiões, rompendo com visões tradicionais e do senso comum. Um aviso: citamos aqui apenas algumas iniciativas, muitas outras que existem por aí podem ter escapado da nossa curadoria.

Mas é possível ser religioso e ser uma pessoa LGBTI+ fora do armário? A resposta é sim! Diversas pessoas conciliam estas duas identidades que, no senso comum, são antagônicas. No cenário religioso brasileiro estão florescendo inúmeras organizações, igrejas e coletivos afirmando publicamente que ser gay, lésbica, trans não é pecado.

Igrejas Inclusivas: as igrejas inclusivas fazem parte deste grupo. Estas denominações, contudo, são extremamente diversas. Dentro do movimento evangélico, elas se dividem em igrejas inclusivas de acolhimento restrito; igrejas inclusivas de acolhimento irrestrito, igrejas inclusivas normativas pentecostais, igrejas inclusivas normativas tradicionais e igrejas afirmativas de radical inclusão. Entenda cada uma delas no texto de Bob Luiz Botelho. (Revista Senso)

A pioneira Igreja da Comunidade Metropolitana (ICM), fundada em 1968, nos Estados Unidos, segue o perfil afirmativo de radical inclusão. No Brasil, ela está presente em algumas capitais se afirmando como “igreja protestante, ecumênica e inclusiva”. A vertente estadunidense diz ser a primeira igreja a celebrar casamentos igualitários no mundo. (MCC)

Assim, a ICM tem um corpo de fiéis bastante heterogêneo: pessoas que vieram do catolicismo romano, pessoas que vieram de religiões afro, pessoas que vieram de religiões evangélicas ou até mesmo pessoas com dupla pertença religiosa. Além disso, drag queen no púlpito não é problema nesta igreja, por exemplo.

No início do ano, a pastora da ICM Alexya Salvador foi ordenada reverenda, a primeira mulher trans a ocupar este cargo na América Latina. “Deus também é uma mulher que só consegue amar”, afirmou em entrevista à Revista Cláudia, publicação da qual foi capa no mês passado. (Revista Cláudia)

Antes mesmo de Stonewall: você reparou o ano em que a ICM foi criada? 1968, portanto antes mesmo das Revoltas de Stonewall, mito fundador do movimento pelos direitos LGBTQI+, que ocorreram em junho de 1969, no mesmo ano em que nasceu, também nos EUA, o Dignity, organização da Igreja Católica Apostólica Romana pela inclusão gay. (Dignity USA)

Católicos LGBTQI+ e o papa: pois é, na Igreja Católica a luta pela cidadania religiosa LGBT tem mais de 50 anos, ou seja, vem muito antes das fala dos Papa Francisco, considerado mais acolhedor a estas questões. Basicamente, os católicos LGBTQI+ se organizam em grupos pastorais espalhados por todo mundo e muitos contam com apoio de freiras e padres.

A Global Network of Rainbow Catholics, fundada em 2014, na cidade de Roma, é formada por quase 50 organizações, incluindo a brasileira Rede Nacional de Grupos Católicos LGBT, também criada em 2014, no Rio de Janeiro. (GNRC)

Por aqui, a Rede Nacional de Grupos Católicos LGBT agrega 21 grupos. O primeiro é o Diversidade Católica do Rio de Janeiro, criado em 2007. Os coletivos pastorais católicos, à exemplo da ICM, possuem uma pauta bastante progressista fundamentada em valores cristãos.

Apesar do ativismo católico LGBTQI+ possuir mais de cinco décadas, é durante o papado de Francisco que nascem, pelo mundo, novas iniciativas pela diversidade sexual e de gênero no catolicismo, inclusive, iniciativas tomadas por alguns padres.

“Francisco não se limita a defender uma ‘Igreja em saída’ […]. Ele demonstra o que diz com seus atos ao receber em audiência o homem trans espanhol e sua companheira; ao lavar os pés da travesti numa Quinta-feira Santa; ao dizer para o gay chileno vítima de abuso por sacerdotes que Deus o fez assim e o ama como ele é; ao receber o grupo de católicos LGBT ingleses; entre tantas outras iniciativas”, afirma Cris Serra em entrevista ao Instituto Humanitas Unisinos. (IHU)

Evangélicos LGBTQI+ nas igrejas tradicionais:como os católicos romanos, evangélicos que fazem parte de igrejas mais conservadoras, também estão se organizando em coletivos. Evangélicxs Pela Diversidade, por exemplo, é uma “organização que promove o diálogo entre pessoas LGBTI+ e comunidades de fé evangélicas”.

“Defender a garantia de igualdade de direitos, fomentar o diálogo sobre gênero e sexualidade dentro das igrejas luteranas brasileiras visando a superação de todas as formas de preconceito, discriminação e violação de direitos contra pessoas LGBT+” é a missão do grupo Inclusão Luterana, criado em 2014, como conta Rodrigo Sanches Dias neste texto. (Revista Senso)

Depois de duas décadas de discussão, a Igreja Episcopal Anglicana no Brasil (IEAB), membro da Comunhão Anglicana, aprovou em concílio, no ano de 2018, o casamento igualitário. No mundo, outras igrejas que fazem parte da comunhão também celebram uniões homoafetivas e estão se abrindo para ordenação de mulheres e pessoas homossexuais.

Nem tudo são flores: como mostram pesquisadores, em diferentes partes do mundo e em diferentes momentos, os movimentos pelos direitos das mulheres e das pessoas LGBT influenciam as religiões. Mas, se uma parte das pessoas estão abertas à diversidade, outra parte tem se mostrado bastante conservadora.

Fé e resistência:
religiosos LGBTQI+ sofrem ameaças, ostracismos, censuras, agressões e expulsões. Tudo isso porque acreditam que é possível ser quem são de verdade. Além disso, parte da militância progressista não entende o lugar desses ativistas religiosos, que, em alguns casos, são julgados pela ótica do senso comum.

Outro ponto a ser considerado: dentro do ativismo religioso pela diversidade sexual e de gênero, cada letrinha da sigla LGBTQI+ sofre de forma diferente. Se homens cis e gays têm mais espaço, mulheres e pessoas trans estão mais para trás.

Conquista de direitos: aqui no Brasil, um fator que influenciou no crescimento dos grupos cristãos pela diversidade sexual e de gênero foi a conquista por direitos que garantem a cidadania LGBT, como o casamento igualitário, nome social e outras. Apesar dos percalços, temos ótimas iniciativas que rompem com ideias que ligam à LGBTfobia ao cristianismo, como afirma o antropólogo Marcelo Natividade.

Ecumenismo colorido: o interessante é que muitas dessas iniciativas estão se unindo para construir pautas ecumênicas. Um exemplo disso foi o I Congresso Igrejas e Comunidades LGBTI+, realizado em São Paulo, em junho do ano passado. Um momento marcante do evento foi o Bloco Gente de Fé Contra a LGBTfobia que desfilou a Avenida Paulista em plena Parada do Orgulho LGBT.

Mas você deve estar se perguntando: e as passagens da Bíblia que (supostamente) condenam pessoas LGBTQI+? Tem muitos livros e textos que descontroem a associação entre textos bíblicos e a proibição da homossexualidade. Mas, para ficar mais didático, vamos indicar o vídeo O que a Bíblia (não) diz sobre a homossexualidade, de Murilo Araújo, youtuber gay e católico.

Para ler, ouvir e assistir

Thelma, Babu e o racismo no BBB: falta reconhecer a importância da interseccionalidade entre participantes do programa, em Vozes Pela Diversidade.

Thiago Amparo escreve que transitar entre espaços excludentes para pessoas negras e LGBTQ+ implica a constante necessidade de validação, na Revista Gama.

Para participar

Rede Nacional de Grupos Católicos LGBT promove, em suas páginas nas redes sociais, celebrações da Semana Santa

Vozes Pela Ciência

Observatório do CEMI — COVID 19: a equipe de pesquisadores do Centro de Estudos de Migrações Internacionais da Unicamp, seus colegas e contatos de pesquisa pelo mundo estão produzindo textos riquíssimos sobre a pandemia de Covid-19. Como anunciamos semana passada, vamos divulgar todos por aqui. Agora você pode ler os textos diretamente na página do centro no Facebook. Selecionamos seis depoimentos para esta semana:

Observatório nº 2: “Hiva nimphela ovirela elapo”: outra forma de distanciamento social contra o Coronavírus à moda makua em Montepuez, Norte de Moçambique, por Zacarias Tsambe.

Observatório nº 3: Israel, Covid-19 e Informação, por Denise Monzani da Rocha.

Observatório nº 4:Pandemia, autocracia e memória em Budapest, por Gábor Basch.

Observatório nº 5: Boris and society as seen from afar, por Joao Pina-Cabral — Sintra (Portugal).

Observatório nº 6: “Pandemia e estagnação no Haiti”, por Rodrigo Charafeddine Bulamah.

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