‘Somos uma ponte entre nossa comunidade e empresas’, afirma Maira Reis, fundadora de startup que busca incluir pessoas LGBTI+ no mercado de trabalho

Jeferson Batista
Vozes Pela Diversidade
8 min readAug 27, 2020

Com 24 anos, depois de ser “vítima de lesbofobia de um pai de uma ex-namorada”, Maira Reis, 36 anos, trocou Campanha, no sul de Minas, pela capital paulista. A cidade grande oferecia mais possibilidades, oportunidades e, de um certo modo, liberdade. Jornalista, começou a utilizar o LinkedIn para produzir e compartilhar conteúdos sobre mercado de trabalho e profissionais LGBTQI+. Do contato com as pessoas, passou a receber currículos. O que fazer com eles? Organizar e estruturar a camaleao.co, uma startup que ajuda pessoas com sexualidades e identidades de gênero dissidentes a encontrarem empregos. Neste mês de agosto, dedicado à Visibilidade Lésbica, conversamos com a empreendedora. Vem conferir!

O que vem antes da fundação da camaleao.co? De onde surgiu a ideia em criar a startup?

Maira Reis: “Não só conectamos currículos coloridos com as vagas abertas das empresas como também fazemos todo um trabalho de inclusão após contratação para que as empresas tenham um ambiente acolhedor”. Imagem: Divulgação

Vem da Reversa Magazine, um portal de cultura com foco em noticiar artistas independentes que atuava produzindo obras que conversavam com o universo LGBT+. O Reversa não está mais no ar, mas mantenho um canal no Youtube chamado reversamag.tv em que eu falo sobre obras LGBTs que eu curto, gosto e/ou acredito que merecem ser criticadas de alguma forma. Já camaleao.co surgiu da minha atuação no LinkedIn em que LGBTs me viam falam na plataforma e acabavam me enviando os seus currículos. Então, resolvi organizar tudo isso e depois veio a ideia de se estruturar como uma startup.

Como a startup ajuda pessoas LGBTQI+ e empresas interessadas em acolher a diversidade?

Somos uma ponte entre a nossa comunidade e as empresas. Não só conectamos currículos coloridos com as vagas abertas das empresas como também fazemos todo um trabalho de inclusão após contratação para que as empresas tenham um ambiente acolhedor para que possamos dar o nosso melhor no trabalho.

Quantos currículos a camaleao.com tem em seu banco hoje? Quantas empresas são clientes? Poderia citar algumas?

Temos, hoje, três mil. Em relação às empresas que contratam não podemos abrir o nome de algumas delas, pois há algumas que temos contrato confidencialidade. Posso citar aquelas que eu já palestrei, ou seja, não só falei do meu trabalho como também ajudei a se conscientizarem sobre o nosso universo. São elas: Ambev, Merck Brasil, Airbnb, UnitedHealth Group, Microsoft, Algar e Avon.

Sabemos que muitas empresas estão interessadas mais no chamado Pink Money do que te fato em construir políticas efetivas de diversidade. Como consumidoras e consumidores podem diferenciar marcas que respeitam as pessoas LGBTQI+ daquelas que fazem apenas por marketing?

Eu acredito que é preciso começar a olhar as ações das empresas ao longo do ano, saindo um pouco da questão LGBT+. Por exemplo: agora, com o coronavírus, a gente consegue ver um monte de empresas que estão demitindo sem pensar nos direitos trabalhistas. Daí chega julho e essa mesma empresa está fazendo uma baita campanha para LGBT+. Tem algo errado aí… Nós também somos trabalhadores, então pensa o tanto de LGBT+ que foram demitidos nessa época e depois vem com campanha?

A questão é que agora temos a oportunidade de analisar mais as empresas e cobrar delas posições e ações que são humanistas, saindo também da questão LGBT+. Se ela não me respeita como ser humano, como vai me respeitar como LGBT+ e vice-versa. E aqui eu não estou falando para a gente colocar aquele discurso tosco que: somos todos humanos. Não somos!! Somos todos diversos e cada um com a sua especificação. O que eu estou querendo dizendo é a empresa tem que me ver também como LGBT+, colaborador, pai ou mãe (se eu quiser ser!), consumidor e muito mais. Somos uma pluralidade de coisas e ser LGBT+ é uma das mais importantes, mas não podemos ficar só no discurso de ser LGBT+ porque vamos nos prender só em julho e existimos 365 dias no ano. Eu quero uma campanha LGBT+ no Dia das Mães, outra no Natal e mais uma no Dia do Trabalhador. E uma empresa pode e deve fazer isso. Então aproveite tudo isso para começar a analisar e cobrar mais das empresas.

Por onde e como começar um projeto de diversidade em uma empresa? Mudanças pequenas já fazem diferença?

Analisando o seu ambiente interno para ver qual é diversidade inata ali. Sim, fazem, mas não pode contentar com elas e elas tem que fazerem parte de um projeto global de longo prazo.

Qual a importância das empresas dispostas a trabalhar com diversidade e inclusão entender as diferentes identidades que fazem parte da sigla LGBTQI+?

Importância máxima. Como disse acima, somos uma pluralidade de “frentes”, então é necessário entender cada uma delas e saber como respeitá-las. Empresas de qualquer porte podem adotar estratégias de diversidade? Pode, desde que realmente queria mudar e não queria fazer de qualquer jeito ou só com o foco no pink money. Se for assim, recomendo que nem comece porque vai fazer uma lambança.

Você tem falado sobre a importância de uma linguagem inclusiva no ambiente corporativo? Comente sobre isso. Como as empresas podem tornar seus anúncios de vagas, comunicados internos e outros conteúdos mais inclusivos?

“Somos uma pluralidade de “frentes”, então é necessário entender cada uma delas e saber como respeitá-las.” Imagem: Divulgação

Simone de Beauvoir diz, em Segundo o Sexo, que o masculino é global e o feminino é local. Transferindo isso para a realidade da linguagem, temos as línguas latinas em que o masculino é sempre abrangente, todo mundo se encaixa: Por exemplo, precisa-se de engenheiro. Mulheres cis e trans, por exemplo, são “encaixadas” ali. Se você escrever, precisa-se de engenheira, os homens vão achar ruim, pois vão dizer que a vaga é só para mulheres. Mas é engraçado que quando está escrito ENGENHEIRO, as mulheres mandam currículos, não é?

E quando é o contrário, os machos piram? Não tem nexo isso.Então precisamos achar um meio termo em que a gente não tenha que ser encaixadas. Isso eu estou falando só na questão das mulheres e quando a gente leva para o universo trans em que há pessoas que não querem ser representadas por um artigo e/ou negam a existem de serem encaixadas em um padrão de gênero. Como transferimos isso para linguagem? Então é aí que eu acredito que a linguagem neutra de gênero é importante ser usada pelas empresas que realmente querem ser inclusivas. E para começar a usar é começar a pensar melhor na forma como as empresas estão se comunicando com as pessoas, a começar pelos seus conteúdos online até os anúncios das vagas.

A oferta de emprego para pessoas LGBTQI+ fora das capitais tende a ser menor. Quais as dicas que você daria para essas pessoas?

Acredito que sim, mas também acredito no que as pessoas querem viver. Por exemplo: tenho uma ex-namorada que é muito feliz, morando no interior e trabalhando em uma clínica veterinária pequena. Isso porque ela tem um currículo exemplar e poderia ser uma profissional que gerencia um hospital veterinário de São Paulo se ela quisesse…Então a primeira dica que eu dou é descobrir qual é a carreira que você quer seguir, pois, às vezes, o interior te fará feliz, às vezes não…

Eu mesmo passei por muita coisa, muitas experiências profissionais diversas, no interior e na capital, até decidir montar minha empresa e estar morando no meio do mato.E eu podia morar em qualquer outra parte do Brasil. Então a questão é que um emprego resolve a sua vida agora, mas é necessário pensar na questão de carreira. Não adianta achar um emprego para você continuar sendo infeliz e pagando os boletos. A longo prazo você vai pedir demissão e querer achar outra coisa, então que tal evitar isso e começar a pensar já no que deseja para daqui 1 ou 2 anos da sua vida? Onde gostaria de trabalhar? Qual é o seu sonho profissional? Qual é a empresa dos sonhos que gostaria de entrar?

A camaleao.co pretende expandir sua atuação para áreas do interior?

Pretendemos, mas já temos alguns clientes que estão com oportunidades mais no “interior”. Já tivemos vagas em Arujá, Santos, ABC Paulista e Baixada Fluminense. Mas desejamos cada vez entrar mais no interior, principalmente em empresas que têm fábricas espalhadas pelo Brasil. Acho que só uma questão de tempo.

Vivemos em um momento em que pessoas LGBTQI+ são constantemente atacadas, inclusive por representantes públicos. Como tem sido trabalhar com inclusão e diversidade neste cenário atual no ambiente corporativo? Quais os desafios e dificuldades?

É verdade, mas agora temos uma lei contra LGBTfobia. Ou seja, mesmo a questão de sermos atacadas, agora resulta em denúncia e processos. Acho que algumas empresas não entendem disso ainda e vão começar a se tocarem quando os processos chegarem. Outra estão mais cautelosas e pensando também em uma questão de criar um ambiente inclusivo e receptivo para LGBT+, que, ao meu ver, é o melhor caminho.

Muitas pessoas sofrem discriminação por diversos motivos no ambiente de trabalho. Como elas podem se proteger?

Arrumar provas, mudar de emprego e depois fazer boletim de ocorrência para abrir um processo contra essa empresa. Não tem como se proteger da discriminação em um ambiente em que a empresa demonstra que não quer mudar. E, geralmente, a pessoa é a ponta fraca da história. Então não lute contra o sistema, vá atrás de um espaço melhor para você, mas arrume provas porque essa empresa merece um processo e você uma bela grana por ter sofrido o que sofreu lá dentro.

Você é uma voz de destaque do LinkedIn, uma rede social voltada ao mundo corporativo. Como tem sido sua trajetória na rede?

Imagem: Divulgação

Na verdade, estou como LinkedIn Top Voice esse ano, que aí acaba dando destaque ao meu trabalho. É legal, mas também é muito pesado. É um saco ter que debater com gente com mentalidade pequena, que acredita em meritocracia e, principalmente, apoia esse desgoverno. Então é desde 2016 nesse embate, sendo muitas vezes atacadas e já tentaram tirar o meu perfil do ar umas 4 vezes. Mas a gente não desiste, ou… Só desiste se o próprio LinkedIn deletar o meu perfil, o que hoje acredito ser meio impossível. E a cada vez que o perfil mais cresce muitas mensagens legais também chegam, mas isso que eu falei também aumenta absurdamente. Dá um pouco de medo, mas é aquele ditado: Tá com medo? Vai com medo mesmo!

Gostou desta entrevista? Siga o Vozes Pela Diversidade no Instagram e assine nossa newsletter pelo Whatsapp ou e-mail!

--

--