Gênero Neutro em Interfaces de Voz — Problema de Usabilidade ou Preconceito Linguístico?

Francesco Crisci 🏳️‍🌈
VUI.BR
Published in
21 min readAug 10, 2021
Imagem de Missangas quadrada, com letra. cada bloco é uma letra. Ao centro da imagem está a união das caixas formam a palavra Non Binary (não-binário). São muitas caixas, que ficam desfocadas, conforme somem na imagem.

NOTA DO AUTOR: Estudo aplicado em Design Conversacional de Voz e CX — Customer Experience (Experiência do Cliente). As referências citadas foram usadas como embasamento e não representam a opinião dos (a/e) autores(a) citados sobre o tema explorado neste artigo.

No texto trato de uma experiência personalizade de gênero neutro para pessoas que se identificam, como se fosse um filtro a ser utilizado para a necessidade da Persona em questão. Como estamos falando de acessibilidade, não poderia faltar o principal: a acessibilidade. Então coloquei imagem-descrição no artigo.

Introdução 🏁

A linguagem neutra é um assunto que gera polêmica em pleno 2021. Uns se opõem com base em algum preconceito enraizado. Outros não acham a pragmática viável em um sistema operacional. Isso porque algumas palavras e expressões não são acessíveis nos leitores de tela, como a palavra “Todes”, por exemplo. Você acabou de ler “tôdes”. No caso do leitor de tela, a leitura é feita como “tódes” ficando inacessível para quem escuta, principalmente em caso de neuro divergentes. Independente dos cenários descritos acima, acredito que tal discussão merece ser levantada a fim de promover maior inclusão, contemplando principalmente pessoas não binárias e membros da comunidade LGBTQIAP+, que até o presente momento são invisíveis para as interfaces de voz.

Isso de certo modo mexeu comigo, porque trabalhando em um projeto me deparei com a dificuldade de usar “bem-vinde” numa navegação de bot personalizada para uma persona não binária. Por boas práticas e por acessibilidade, a linguagem inclusiva é usada para comunicar, como esses exemplos de aplicação em frases:

SEM APLICAÇÃO: Bem-vindo!

COM APLICAÇÃO: Boas-vindas!

Em um grupo de estudos do curso focado em design conversacional de voz da Janaína Pereira na Let’s Bot, surgiu a discussão de acessibilidade e diversidade, que me motivou a investigar sobre esse problema de usabilidade.

Tudo que está escrito aqui é uma construção de conhecimentos. Não sou dono da verdade, apenas compartilhando com a comunidade o meu estudo sobre o tema. Como a construção é sempre colaborativa, também te convido a participar deste texto, para que possa ser um material de utilização e referência para toda a comunidade.

Minha jornada de aprendizado 👨‍💻

Iniciei minha jornada de designer de experiência do cliente, e designer conversacional de voz e inteligência artificial com a Mídia Ninja (veículo de comunicação Brasileiro). Para quem não sabe, eles são uma inteligência coletiva incrível. Neste mês de agosto, completo 1 ano desde que iniciei minha jornada com eles através da rede de podcast.

Quem me inseriu nesse mundo foi a minha mentora de Ux Writing, Natália Favrin Kerin que me apresentou à comunidade de VUI. Comecei então a me aprofundar em experiências, interfaces de voz e NLU (Natural Language Understanding), através da oficina do Billy, do curso Cappacitadev e Hackathon Hanave promovido pela Smarkio D1. Recentemente tive a oportunidade de conhecer e fazer uma parceria com João da Iara.digital e de concluir o curso da Janaína Pereira sobre o tema.

Papel do Designer ✍️

“O papel de designer é o de uma pessoa anfitriã boa e atenciosa, antecipando as necessidades de seus convidadoes.” — Charles Eames, designer americano.

Sobre VUI — Interfaces de Voz 🎤

Quando pensamos em VUI, estamos falando de uma experiência direcionada à partir de uma interação entre a pessoa e um sistema de voz. Assim como a nossa querida Alexa!

Imagem do console da Alexa. Ele é rendondo, médio, do tamanho de um prato de sobremesa. Possui 4 botões e está com a luz azul acesa, que significa que ela está pronta para atender.

Mas não estamos falando só da Alexa. Estamos falando de muitas interfaces disponíveis como o Google Assistant ou até mesmo um leitor de tela em que a interação do usuário pode ser guiada por mais de uma forma. O comando de voz mudou o comportamento das pessoas e isso é fato. A consultoria de voz Iara.Digital mapeou alguns dados:

  • 230 milhões de smartphones com assistentes de voz no Brasil;
  • 60% de pessoas no Brasil já controlam os celulares com a voz;
  • 90% enviam mensagens por voz;
  • 1,6 bilhões de crianças nascendo nessa nova realidade;
  • 27% da população mundial utiliza voice search no celular;
  • 40% de consumidories usarão uma assistente de voz em 2022;
  • 25% do total de buscas por voz são buscas por produtos nos EUA.
Imagem ta linha do tempo envolvendo a revolução tecnologica. Texto: “A voz é uma comunicação muito mais natural e fluida, menos propensa a distrações e é uma forma de interação mais eficaz quando se busca confiança, empatia e conforto”. Na linha do tempo: Interfaces de linha de comando, interfaces gráficas, interfaces touch, e voz.
Copywrite Iara.Digital 2021

Segundo o Billy Garcia (profissional de VUI) essas experiências são baseadas em micro momentos de interação entre você e a Inteligência Artificial. Cada momento conta na conversa. O tom de voz, o conteúdo, o contexto, a intenção e as partes que se comunicam. É importante lembrar que a pausa e o silêncio também tem algo a dizer.

Como exemplo, trouxe o conceito “Ma” em japonês. Descobri essa pérola graças à maravilhosa Mariana Sogabe (UX Designer na Cielo na área de Ura/WhatsApp).

“A gente tem uma palavra pra isso em japonês. É chamada de Ma (Vazio). Isto está lá intencionalmente” — Hayao Miyazak — A Viagem de Chihiro.

No vídeo “Hayao Miyazaki: A Importância do Vazio” do canal “Entre Planos”, é feita uma análise detalhada e minuciosa dos filmes: “A Viagem de Chihiro”, “Castelo Animado”, entre outros.

A interação começa com a pessoa acionando uma conversa e o sistema pronto para atender. Como exemplo vamos pensar na Alexa: você fala “Alexa” e ela está pronta para te atender.

Além de ser acessível, a interação com voz possui uma curva de aprendizado baixa, afinal basta você conversar com a interface. No caso de plataformas voice first (console da Alexa sem tela para navegação), a voz é o único recurso oferecido para interação.

Funciona mais ou menos assim:

Você chega e apresenta sua intenção (pergunta) e o sistema te atende (resposta), pensando sempre em um Ping Pong, igual uma conversa.

Para exemplificar: Imagine agora que você está conversando com alguém.

  • Oiii, td bem com VC?
  • Oiee!!! Eu tô boa e VC!? 😺
  • Td bem.
  • ADIVINHA O QUE ACONTECEU!? 😻

Para entender melhor, vamos aproveitar o seu mapa mental, caso você goste de arte, design, fotografia, áreas correlacionadas e curioses.

No livro “O mundo codificado” o filósofo Vilém Flusser compara uma leitura linear e uma leitura de uma pintura:

“O que significa que a diferença entre ler linhas escritas e ler uma (pintura) é a seguinte: precisamos seguir o texto se quisermos captar sua mensagem, enquanto a pintura podemos aprender a mensagem primeiro e depois tentar decompô-la. Essa é então a diferença entre a linha de uma só dimensão e a superfície de duas dimensões: Uma almeja chegar a algum lugar e a outra já está lá, mas pode mostrar como já chegou. A diferença é de tempo, e envolve o representa, o passado e o futuro.” — Viém Flusser em “O mundo codificado”

A voz representa a leitura linear, enquanto a navegação de voz funciona como A voz representa a leitura linear, enquanto a navegação de voz funciona como ler uma pintura.

Através de sintaxe falamos de maneira linear para que sejamos compreendides no sentido e na forma de falar.

Exemplo:

Deu certo!! 👍👍

Como leitor de tela lê: ‘’Deu certo! Dedão para cima dedão para cima, ’’

👍👍deu certo!!

Como leitor de tela lê: ‘’Dedão para cima dedão para cima, Deu certo!’’

Dica: Por isso o ideal é utilizar os emojis sempre no final.

Exemplo perfeito do professor Águino Oliveira.

Os emojis servem para humanizar uma conversa e como vimos, é importante usar com muita sabedoria, caso contrário pode se tornar uma experiência desaradável ou não usar o sentido puro da palavra no contexto em que ela está inserida.

No caso da conversa, a comunicação se inicia de um ponto de partida, mas a navegação é fluída e dinâmica. Podemos falar e também interromper qualquer assunto a todo momento.

“O diálogo está em nossa composição genética. Os seres humanos se revezam na fala e na resposta de maneiras que ultrapassam idiomas, continentes e culturas” Dialogar é algo muito mais antigo do que responder a pixel em interfaces e a sons em alto-falantes; por tanto, ainda governa a forma como respondemos a esses estímulos” — Torrey Pod Majersky

Acessibilidade 👨🏿‍🦯

Quando falamos de voz, a primeira coisa que precisamos falar é em acessibilidade. Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), pelo menos 45 milhões de pessoas têm algum tipo de deficiência, quase 25% da população do país. Somam mais de 6,5 milhões de pessoas com deficiência visual, sendo 582 mil cegas e 6 milhões com baixa visão.

Imagem descrição: Mulher adulta, branca, loira a frente em destaque, seguida de outros personagens, que vão ficando desfocados conforme imagem se vai se aprofundando. É visível homem adulto branco, de cabelo castanho, homem idoso, negro, com tapa olho e homem jovem, cabelo castanho. Demais personagens estão desfodando, não sendo possível definir quando estão na imagem. É possível notar também uma criança, porém desfocada.
Imagem do filme Ensaio Sobre a Cegueira foi dirigido pelo Fernando Meirelles, baseado no livro do Saramago.

É importante lembrar que as experiências de voz são acessíveis para necessidades além da deficiência, como por exemplo: pessoas que não sabem ler ou possuem alguma dificuldade de ler e/ou escrever.

Acessibilidade é um assunto que merece ser tratado com mais respeito e urgência. Segundo Steve Krug em seu livro “Não me faça pensar — Atualizado” sobre usabilidade em web e mobile, o autor aponta que Acessibilidade é um assunto que preocupa Designers e Desenvolvedories por duas razões:

Dá mais trabalho: A acessibilidade pode ser algo novo para muita gente, logo existe uma curva de aprendizado necessária, que na maioria dos casos fica impossível de adaptar ao Cronograma do projeto.

Design comprometedor: Um design bom, que atenda as necessidades especiais de todas, todos e todes parece ser um desafio inalcançável. Agregar a acessibilidade pode significar projetar uma experiência menos útil e atrativa para o grande público.

Graças a Krug tive conhecimento desse artigo incrível falando sobre acessibilidade. Compartilho com vocês o “Guidelines for Accessible and Usable Web Sites: Observing Who Work With Screen Readers” de Mary Theofanos e Janice (Ginny) Redish:

“As pessoas usuárias de leitores de tela a examinam com seus ouvidos. A maioria diles é tão impaciente quanto a maioria dos usuáries que podem enxergar. Iles querem obter as informações de que precisam com a maior velocidade possível. Iles não escutam todas as palavras da página — da mesma forma que usuáries que podem enxergar não leem todas elas. Iles “examinam com seus ouvidos” escutando apenas o suficiente para decidir se seguem em frente ou não. Muites configuram a voz para falar incrivelmente rápido.

Iles escutam as primeira palavras de um link ou texto. Se não soar relevante, passam adiante com rapidez, seja para o próximo link, linha, cabeçalho ou parágrafo. Usuáries que enxergam podem encontrar uma palavra-chave se examinar a página inteira; usuáries com deficiência visual pode não ouvir essa palavra-chave se ela não estiver no início de um link ou texto.” — Mary Theofanos e Janice (Ginny) Redish

Stevie Krug finaliza o capítulo de acessibilidade publicada em 2008 revisitada na versão atualizada de 2014:

“Espero que em cinco anos eu possa, simplesmente remover este capítulo (sobre acessibilidade) e usar o espaço para algo diferente devido ao fato de diretrizes, leitores de tela, navegadores e ferramentas para desenvolvedories terem amadurecido a estarem interligades até o ponto onde as pessoas criem (experiências) acessíveis sem pensar nisso.”

Sejamos otimistas pelo menos, vai.

Podemos tentar agora mesmo!

Algumas Boas Práticas da utilização de linguagem inclusival em leitores de tela: 📕

1. Prefira utilizar nomes coletivos sem demarcação de gênero:

SEM APLICAÇÃO: Senhoras e senhores, Falo com Todos, Bem vindo

COM APLICAÇÃO: Caro público! Fala com todo mundo, Boas-vindas

2. Prefira utilizar adjetivos sem demarcação de gênero:

Ele/ela/ile — Responsável Forte Amigável Altruísta Capaz

3. Substitua nomes marcadores de gênero por pronomes inclusivos:

SEM APLICAÇÃO: Aquele que acabar primeiro, ganha / Ela caiu

COM APLICAÇÕES: Quem acabar primeiro / Aquela pessoa caiu

4. Sempre analise as possibilidades de reorganizar as estruturas frasais:

SEM APLICAÇÃO: Estou preocupado com isso / Obrigado pelo aviso

COM APLICAÇÃO: Isso está me preocupando / Agradeço o aviso

(Referência: Palestra UX Writing & Design Conversacional Por: Águino Silva)

Linguagem Neutra x Linguagem Inclusiva.

Esse parágrafo surgiu a partir da oportunidade que tive de conversar com Pri Bertucci, editore desse Dossiê. Artista social, educador e diretor de documentários, identificando-se como pessoa não branca, transgênero não binário gender queer . É CEO da [DIVERSITY BBOX] consultoria especializada em diversidade e fundador do instituto [SSEX BBOX], projeto pioneiro no tema de justiça social que atua em San Francisco, São Paulo, Berlim e Barcelona. Também é idealizador e produtor executivo da Marcha do Orgulho Trans de São Paulo.

Pri me contou que sua consultoria foi responsável pela criação do manual de linguagem neutra utilizada pela HBO da América Lantina e de outros países. Nós falamos um dia antes dile ir pra Paris e Lisboa para apresentar seu dossiê sobre linguagem neutra que será lançado em setembro. Tive o prazer de saber que esse artigo estará presente no dossiê e fiquei muito feliz em poder contribuir. O estudo é feito em parceria com linguistas da Alemanha, França, Portugal e EUA.

Pri Bertucci foi co-criador da linguagem inclusiva no Brasil (Foto: Arquivo Pessoal)

Nessa entrevista concedida para a Vogue Brasil sobre gênero não binário, é possível imergir e entender melhor sobre o tema:

Pri apontou que existe muita confusão dentro da comunidade LGBTQIAP+ na utilização da linguagem neutra e na identidade de gênero não binária. O debate está acontecendo, mas ainda existe uma real necessidade de formalizar essas formas de linguagem e identidade.

Nos EUA o gênero neutro foi o assunto mais buscado pelo Babylon Dictionary em 2019. No país, é utilizado dessa forma:

“They / Then”
“Ze / Zer”

Aqui no Brasil a discussão é recente. Existem alguns guias como o “Manual Prático de Linguagem Neutra” de André Fischer que reforçam ainda mais o preconceito:

“A gente sabe que ‘x’, ‘@’ e o ‘e’ não são uma solução para que o idioma fique menos machista. Você não consegue pronunciar muitas destas palavras, tem que mudar regras gramaticais” — André Fischer em: https://gq.globo.com/Cultura/noticia/2020/06/andre-fischer-lanca-manual-pratico-de-linguagem-inclusiva.html acesso 29/08/2021.

Acredito que ele possa não estar muito bem informado. Quando falamos de linguagem neutra, estamos nos referindo a uma linguagem destinada a, por exemplo, uma pessoa não binária. Diferente de uma linguagem inclusiva: quando nos referimos a todas as pessoas de maneira não sexista.

“Na comunicação inclusiva o guarda-chuva é maior. Incluímos questões raciais, Sexismo, PCDs e outros grupos minorizados. É sobre não utilizar expressões capacitistas como: “Nossa equipe não tem braço pra fazer isso”. Ou em não utilizar palavras racistas como: “denegrir”. — Explica Pri Bertucci.

O assunto piora quando estamos falando de abrangência. Em 2021 ao menos 14 estados, Bolsonaristas querem proibir uso de linguagem neutra nas escolas. É isso mesmo que você leu.

https://extra.globo.com/noticias/educacao/em-ao-menos-14-estados-bolsonaristas-querem-proibir-uso-de-linguagem-neutra-nas-escolas-25120902.html

O assunto é urgente. Como guia sobre linguagem neutra, inclusiva e simples, trouxe essa recomendação incrível do Pri Bertucci. É um artigo do Ux Writing Robinson Alves que foi uma das referências deste tópico.

“É daqui pra frente, não dá pra retroceder. Estamos todes aprendendo.” Pri Bertucci

Sistema Binário

No mundo da programação o nosso sistema é baseado em códigos binários:

0 = Número Par

1 = Número Ímpar

Numa visão simplista, os códigos se baseiam em variações de 0 e 1, através de alfabeto e sintaxe. Ex: 01001110101110010011010

Na nossa sociedade, não é diferente. Se compararmos o código binário com a lógica de identidade de gênero simplista atual no Brasil, funciona assim:

0 = Masculino

1 = Feminino

É importante ressaltar que não somos números ou códigos, mas vou te propor um teste. Abra o teclado do seu computador, celular ou tablet. Quantos tipos diferentes de códigos, números, letras, símbolos e emojis você encontrou?

O teclado evoluiu e está além de números. São em média de 90 a 130 de teclas e variações. Quando adicionamos outras variáveis ao código, como letras e símbolos, formamos novas formas de comunicar.

Quando falamos de pessoas e na comunidade LGBTQIAP+, segundo o correio brazilense, são pelo menos 52 tipos de gêneros:

Eu tentei… 👨‍🔬

Fui pesquisar e testar leitores de tela para entender como é feita a leitura da Linguagem Neutra, utilizando o “E”, como por exemplo: bofe.

Como previsto, houve dificuldade de leitura, principalmente “Todes”. O Sistema lê “tódes”.

Uma solução… 💡

Resolvi fazer uma simulação customizada no voiceflow para o Google Assistant de como é possível fazer essa experiência de voz.

Gravei um vídeo aqui para compartilhar: 📹

Vídeo 1:

Vídeo 2:

Ou seja… 👨‍🏫

Para experiências de voz, é possível fazer essa adequação e personalização de como é dito. Essa personalização pode ser feita pela Alexa, Google Assistant e qualquer outra ferramenta de voz.

Entretanto… 🤔

Para leitores de voz, ainda não funciona como deveria. É preciso fazer uma curadoria e fazer a adequação necessária.

Um pouco sobre a luta da comunidade LGBT + 🏳️‍🌈

Acessibilidade e inclusão são assuntos que caminham a passos lentos no Brasil e no mundo. Outra comunidade que sofre com a falta de inclusão são as pessoas da comunidade LGBTQIAP+

Trouxe 5 fatos:

  • Faz apenas 30 anos que a OMS reitou a Homossexualidade da lista de doenças — Algumas pessoas tentam reviver esse absurdo até hoje.
  • 2010: Inicia oprocesso cirúrgico de redesignação sexual na rede pública — SUS.
  • 2018: Começou a ser aceito a alteração do nome social para pessoas trans e travestis.
  • 2019: Criminalização da Homofobia.
  • 2020: O fim da proibição da doação de sangue por homens gays.

O Orgulho LGBTQIAP+ comemora a revolta de Stonewall que levou a conquista de direitos pela comunidade.

Imgem de bandeira LGBT+ em destaque no céu. É possível a cidade ao fundo, com prédios antigos.
Imgem de bandeira LGBT+.

Estudo sobre Heurísticas e a tríade de design conversacional 🕵️‍♂️

Resolvi investigar as heurísticas e a tríade do design conversacional que atrapalham essa falta de acessibilidade. Vamos apenas relembrar das heurísticas porque vou aprofundar apenas as que entram em conflito.

Heurísticas do Design Conversacional 🤖

1 - Visibilidade do Sistema;
2 - Encontro entre sistema e mundo real;
3 - Controle a liberdade do usuário;
4 - Padrão e Consistência;
5 - Prevenção de Erros;
6 - Natureza efêmera da fala;
7 - Flexibilidade e eficiência de uso;
8 - Design Minimalista;
9 - Ajude os uss com reconhecimento, diagnóstico e recuperação dos erros;
10 - Informações focadas nas tarefas do usuário.

Tríade do Design Conversacional

  • Converse com o sistema; 👥
  • Conteúdo; ✅
  • Controle o sistema. 🕹️

Na tríade do Design de Voz, não incluir o gênero neutro é estar em conflito entrar em conflito com o principal: “Converse com o sistema”, uma vez que, o sistema não é pensado para essas pessoas da comunidade LGBTQIAP+

Para haver uma boa comunicação, é preciso ter cooperação entre as pessoas participantes da conversa, assim define o Princípio Cooperativo. ( Que é linguagem da Natureza proposta por pri nesse Dossiê) Nas leis de Jakob aplicadas na Experiência do Usuário aprendemos principalmente a importância de entendermos nossa persona e seus mapas mentais.

“As personas visam promover a empatia e servir como auxiliar da memória, além de criar um modelo mental comum dos traços, necessidades, motivações e comportamentos de um tipo específico de usuárie” Jon Yablondki — Leis da Psicologia aplicadas a UX (2020)

Como boas prática de interfaces de voz a profissional Janaína Pereira em sua contribuição incrível para a comunidade, recomenda 28 dicas maravilhosas sobre interfaces de voz e eu trouxe duas aqui para vocês:

“Tanto na forma de falar no vocabulário, observe as interações humanas para reproduzi-las ao máximo.”

“A conversação propriamente dita deve usar o vocabulário do usuárie.”

É preciso perder o preconceito linguístico, afinal a:

“A língua é um rio que se renova” — Marcos Bagno

(Agradeço a Jana por essa descoberta!💙).

Nie Eyal em Hooked nos ensina no método do gancho como manter a pessoa engajada em um produto ou serviço digital. Consiste em um passo-a-passo de como manter usuáries engajades.

O modelo do gancho consite em 4 passos: O gatilho (interno ou externo), a ação, a recompensa variável e o investimento. Este ciclo se repete.

O modelo do gancho consiste em 4 passos: O gatilho (interno ou externo), a ação, a recompensa variável e o investimento. Este ciclo se repete.

Em recompensa, o autor abre o tema com alguns insights fantásticos:

“Somos uma espécie em que dependemos uns dos outros. Recompensas de tribo, ou recompensas sociais, são impulsionadas por nossa conexão com outras pessoas. Nossos cérebros são adaptados para buscar recompensas que nos fazem sentir aceitos, atraentes, importantes e incluídes.” — Nie Eyal em Hooked

Em outras palavras, funciona mais ou menos assim: 🧑🏾

Pessoa não binária, negra, loira, cabelo curto, veste camisa social e jaqueta de couro. Possui brinco, uma falha na sobrancehla direita e uma expressão forte.

Ariel é uma pessoa não binária que se identifica com a comunidade de pessoas não binárias. Alguns têm histórias parecidas com a delu/dile, além de alguns gostos parecidos. Dentro dessa comunidade, elus/iles possuem o próprio dialeto formados de palavras e expressões terminadas com “e”, como por exemplo: “bem-vinde” e “todes”

Quando deixamos de incluir essas formas e expressões, estamos impedindo uma conexão com Ariel, ou mesmo privando elu/ile de conhecer e se reconhecer dentro de sua tribo.

Uma frase para completar :

“We need to design machines less like interfaces and more like humans.”

Dialetos da comunidade LGBT+ 🌈💬

Dialetos são uma forma de comunicação e expressão entre uma ou mais comunidades. Por exemplo, o Pajubá pode ser definido como o repertório vocabular e performativo de certa parcela da comunidade LGBTQIAP+, constituída em Expressões, Gírias, Verbos, Pronomes Precidados. O dicionário vem de origem de grupos étnicos-lingüísticos africanos por conta das religiões, como o candomblé.

O Pajubá nasce da resistência em meados dos anos 60 e 70, época que o Brasil enfrentava a ditadura militar e a censura. Era uma forma de se comunicar e de se proteger e de proteger a comunidade, considerando que é uma comunicação específica para essa tribo em um momento de violência, perseguição e grande repressão à liberdade de expressão.

Alguns exemplos de palavras e expressões do Pajubá:

Amapoa — (do bajubá) 1 vagina; órgão sexual feminino; 2 termo usado para designar mulher [variantes: amapô, mapô];

Aqué — Dinheiro;

Bofe — heterossexual ou homossexual ativo (gênero neutro);

Aquendar — Esconder o pênis para fazer a montação. Ficou famoso no meio Drag.

Fazer a Egípcia — Fingir que não viu.

Separei esse vídeo da Lorelay Fox para quem quiser explorar esse conteúdo incrível.

Da mesma forma, a linguagem neutra é utilizada na comunidade LGBTQIAP+ com gênero neutro terminados em “e”, como por exemplo: Todes, bem-vinde e menine. Separei um vídeo bem didático com Rita Von Hunty no “Põe na roda” do influencer Pedro HMC à partir de 9m28s:

A fala da Drag Queen é bem explicativa, porém preciso discordar de que alguns termos não vão pegar. Para o filósofo Checo-brasileiro Vilém Flusser, que fugiu para o Brasil durante o nazimo, nós vivemos em uma sociedade cheia de códigos e através deles formalizamos o nosso mundo.

“Os códigos (e os símbolos que os constituem) tornam-se uma espécie de segunda natureza, e o mundo codificado e cheio de significados em que vivemos (o mundo dos fenômenos significativos, tais como o anuir com a cabeça, a sinalização de trânsito e os móveis) nos faz esquecer o mundo das “primeira natureza”. E essa é, em última análise, o objetivo do mundo codificado que nos circunda: que esqueçamos que ele consiste num tecido artificial que esconde uma natureza sem significado, sem sentido por ela representada. O objetivo da comunicação humana é nos fazer esquecer de contexto insignificante em que nos encontramos — completamente sozinhos e incomunicáveis” — ou seja, é nos fazer esquecer desse mundo em que ocupamos uma cela solitária e em que somos condenados a morte — o mundo da “natureza”.

Ou seja, somos seres sociais e vivemos em comunidade para evitar a solidão. Segundo Cathy Pearl em seu livro Designing Voice User Interfaces (2016), “Não há dicionários ou outras ferramentas autoritárias, o jeito certo de usar uma palavra é determinado pelo como está sendo usada neste momento”.

É preciso lembrar que nosso vocabulário brasileiro o masculino é mandatório, ou seja, a maioria das palavras são masculinas e poucas são neutras (que servem para mais de um gênero ou tipo).

O gênero neutro ainda não está totalmente incorporado em em nosso idioma, como acontece em outros idiomas como o alemão (“das”) e inglês (they/then) que possuem palavras que fazem a representação.

No VUI, nós escrevemos para o ouvido e não para o olho. Partindo do princípio da Cathy Pearl de que:

“(…) todo conhecimento é social e vive na nossa memória. (…) A comunidade detém o conhecimento, não é individual.” — Cathy Pearl — Designing Voice User Interfaces (2016) — Tradução livre.

Não incluir a linguagem neutra ou não binária, o Pajubá ou qualquer outro dialeto por limitação tecnológica, é uma forma de excluir essa comunidade e qualquer outra que acesse: códigos, tribos, formas, expressões, sons e de personalizar interações. Afinal, o sistema não fala como a pessoa fala.

Problemas no reconhecimento de voz ⚠️

Precisamos lembrar que existem vários relatos de pessoas que não conseguem utilizar assistentes de voz, como a Alexa porque ela não reconhece sotaque de algumas regiões. Isso acontece principalmente com pessoas negras.

Ex: Alguns assistentes de voz tem dificuldade em compreender pessoas com sotaque da região norte, porque é pensado para as pessoas da região sudeste do Brasil.

Exemplo:

Isso acontece porque o sistema ainda não está mapeando as diferentes formas de falar. O sistema é pensado para uma pessoa banca binária com o sotaque “puro” do idioma. Afinal, esse é o público-alvo.

ACONTECEU NA MINHA FAMÍLIA: A Alexa não reconhece o que meu pai diz!

Por quê? Provavelmente ele não é o público da Amazon. Uma experiência frustrante. Infelizmente isso acontece, não só com os assistentes de voz, como também nos diversos produtos e serviços comercializados em nosso país.

Sistema Binário.

Um Futuro possível 🔮

Acredito que é preciso fazer uma curadoria e adequação de palavras para linguagem neutra e inclusiva para que seja acessível nas interfaces de voz. É importante também sempre disponibilizar a opção convencional como saída.

Como visto no teste, se a escrita for customizada da maneira que falamos, o sistema faz a leitura correta no melhor dos mundos. Porém essas palavras não foram mapeadas para se tornarem acessíveis.

  • E se ficar inacessível para outra pessoa?
  • Resolvemos o problema!

Por exemplo: João possui algum tipo de dislexia que o impede de compreender o que foi dito pelo sistema. Neste caso, João pode pedir para que a assistente virtual acesse as configurações e acione o filtro que atenda à sua necessidade previamente mapeada. A pessoa tem o controle da navegação e não o contrário. Se a pessoa tiver dificuldade de entender o que está sendo dito (exceto por preconceito), crie uma solução baseada nos mapas mentais existentes.

Imagem de dois losangos um do lado do outro: o verde e o amarelo. São divididos ao meio horizontalmente, representando o processo do Double Diamond do Design Thinking. O processo consiste e partirmos da consciência ao impacto do processo. É preciso divergir para conseguir convergir. Fazemos isso em 5 etapas: Losango verde: 1 -  Descoberta (pesquisa/persona), 2 — Definição / Losango Amarelo: 3 — Ideação, 4 - Prototipação, 5 — Validação. Esse ciclo é constante e se repete.
Modelo adaptado do processo de descoberta do Design Thinking.

Assim como no Double Diamond do Design Thinking, é preciso divergir para convergir. Caminhamos abrindo caixas e ressignificando termos. O idioma é vivo, fluido e está em constante construção. Palavras são incorporadas a todo momento, como: Online, e-mail e etc.

Quem precisa falar a necessidade, é quem está com a dor. Isso a gente descobre com pesquisa e conversando com a nossa persona. Sabemos que a comunidade LGBT+ vem sobrevivendo, apesar da perseguição que continua. A dor de uma pessoa pode ou não ser a sua. Afinal, cada um tem a sua história de vida. Não sentir a dor da pessoa, não é motivo de desqualificá-la, muito pelo contrário. Estamos aqui para encontrar as soluções dos problemas.

“Faça que o sapato caiba, não o pé.”

Finalizo com esse vídeo da cantora P!nk, contando sua experiência com a filha Willow sobre expressão de gênero e preconceito.

Considerações finais 👨‍🏫

Considero que Acesso, Educação, Direitos Civis/Sociais e respeito são os primeiros passos para essa transformação. A mudança é um processo natural. Finalizo: a acessibilidade é para todas, todes e todos, como propõe Pri Bertucci neste dossiê.

Para pensar… 🤔

1 — O problema está nos leitores da tela, ou estamos lidando com o preconceito linguístico contra pessoas não binárias e comunidade LGBTQIAP+?

2 - Estamos criando saídas para evitar falar o gênero neutro em VUI?

Abro a discussão (com muito respeito) para pessoas trans não binárias, toda a comunidade LGBTQIAP+ e também profissionais de áreas correlacionadas.

Agradeço a leitura.

Agradecimentos 🙏

Em especial aos profissionais de voz e escrita:

Águino Oliveira (Professor de Ux Writin aplicado em chatbots);

Billy Garcia (Profissional de VUI);

Janaína Pereira (Profissional de VUI);

João Paulo Alqueres (Profissional de VUI);

Natália Favrin Keri (Professora de UX Writing e Design Lead);

Vitor Paranhos (Diretor de Dublagem e Dublador);

Gostaria de fazer um agradecimento especial ao Pri Bertucci por toda ajuda, ensinamentos e pela adaptação da linguagem neutra para português há uma década atrás.

Também agradeço a todos (a/e) que se identificam.

Todos (a/e) que se identificam.

E não menos importante…

Minha Família, Amigos, a comunidade LGBTQIAP+ e a toda inteligência coletiva da Mídia Ninja.

Para criar empatia 💙

Filme obrigatório

Imagem da capa do filme “Dançando do Escuro: A cantora Bork está à esquerda com a cabeça para cinema, com olha de satifação, como se estivesse contemplando algo. Ela está sem cor e sua imagem compõe o funcdo branco.
Dançando no Escuro (Dancer in The Dark) é estrelado pela cantora Bjrok. Sinopse: Selma é uma imigrante tcheca e mãe solteira que trabalha em uma fábrica no interior dos Estados Unidos. Sua salvação é a paixão pela música, especialmente os musicais clássicos de Hollywood. Selma está perdendo a visão e seu filho Gene pode sofrer o mesmo destino se ela não conseguir economizar dinheiro suficiente para fazer uma operação.

Série obrigatória

Na imagem estão as 3 fases de transição de Cristina La Veneno, Jovem, Adulta e mais velha nesta sequência. A jovem é loira, está com a mão na sintura, está de lado, veste uma roupa de latex e bota laranja. A adulta, tem cabelo castanho, usa vestido amarelo, está ao meio de frente, com com uma das pernas aparente no vesito longo, assim como seu salto prta. A mais velha, possui cabelos castanhos, está de costas com o rosto virado para a camera. Ela usa vestido verde, transparente com detalhes.
Veneno é uma série disponível na HBOMax sobre Cristina, La Veneno, mulher trans famosa na Espanha. Recomendação essencial para falar sobre identidade de gênero.

Referências 🔎

Artigo “Linguagem Neutra. Linguagem Inclusiva, Linguagem Simples e UX Writing com isso tudo — Robinson Alves — Link: https://brasil.uxdesign.cc/linguagem-neutra-linguagem-inclusiva-linguagem-simples-e-ux-writing-com-isso-tudo-68eb550f628f — Acesso em 29/08/2021

Designing Voice User Interfaces — Cathy Pearl — Editora Novatec 2016.

Jornal Extra notícia: “Em ao menos 14 estados, Bolsonaristas querem proibir uso de linguagem neutra nas escolas”: https://extra.globo.com/noticias/educacao/em-ao-menos-14-estados-bolsonaristas-querem-proibir-uso-de-linguagem-neutra-nas-escolas-25120902.html acesso em 29/08/2021

Leis da Psicologia Aplicadas a UX — Yablonski — Editora Novatec 2020.

Hooked — Como Construir Produtos e Serviços Formadores de Hábitos — Nir Eyal com Ryan Hoover — Editora Alfacon 2019.

O mundo Codificado — Por uma filosofia do Design e da Comunicação — Vilém Flusser — Ubu Editora 2017.

Não me Faça Pensar Atualizado — Uma abordagem de bom senso à usabilidade na Web e Mobile — Steve Krug — Editora Alta Books 2014.

Preconceito lingüístico: o que é, como se faz — Marcos Bagno — 1999.

Pajubá: http://tensu.blogspot.com/2009/06/dicionario-bajuba-pajuba.html

Redação estratégica para UX — Torrey Podmojersky — Editora Novatec 2019.

Vogue Brasil notícia “Entenda o gênero não binário” https://vogue.globo.com/atualidades/noticia/2021/06/entenda-o-genero-nao-binario-e-importancia-de-usar-pronomes-neutros.html — Acesso em 29/08/2021

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Francesco Crisci 🏳️‍🌈
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