Omnichannel, Customer Experience e Interoperabilidade

VUI.BR
VUI.BR
Published in
10 min readDec 2, 2021

O perfil do consumidor, hoje, pode ser tanto analógico quanto digital ou até mesmo híbrido. O que também existe é o aumento das plataformas digitais para vender ou dar assistência a esse usuário quando necessário. Seja pelo perfil digital estar em crescente ascensão, seja por estar em alta o interesse das empresas em automatizar seus processos com o objetivo de reduzir custos. O que é certo é o impacto que essas decisões tomadas refletem na percepção que esses usuários terão sobre a marca. Ou seja, teoricamente, temos recursos tecnológicos para suportar a demanda.

Mas as pessoas estão interessadas na automatização das coisas e dos serviços? Se sim, esses serviços estão oferecendo jornadas 100% integradas?

Nos últimos meses, estive prestando consultoria de Customer Experience para uma grande empresa de telefonia, TV e banda larga que atende o país todo. Logo no início do projeto, decidimos reunir a equipe de CX da empresa em que trabalho e a equipe do cliente que nos contratou a fim de levantar as dores e necessidades que os assinantes possuíam ao passarem pelo processo de agendamento de visita técnica.

Essas “dores” (problemas) foram apresentadas em uma dinâmica de co-criação, que resultou em 59 soluções a serem implementadas futuramente, com o intuito, claro, de resolver e sanar essas questões, melhorando a experiência do consumidor e também, de aperfeiçoar, consequentemente, a percepção sobre a marca e o seu NPS.

No entanto, após o squad do cliente escolher uma das soluções como a primeira a ser implementada, decidimos resolver em paralelo a parte de pesquisa com os assinantes, a prototipação da ideia sugerida e a validação da ideia proposta para solução. A ideia sugerida como solução era bem simples, e consistia basicamente em validar — durante uma ligação feita para Unidade de Resposta Audível (URA) –, se a pessoa que estava ligando para agendar, reagendar ou cancelar uma visita técnica, era de fato a pessoa assinante ou o responsável por determinada assinatura, e não um fraudador.

Há casos em que bandidos se passam por técnicos dessa empresa para terem acesso ao interior das residências (ou condomínios), e realizar assaltos. Então a solução se propunha melhorar a experiência desse serviço e garantir a segurança desses assinantes.

A solução, ainda questionável, consistia em enviar um código para o celular do assinante durante uma chamada para URA, para que o assinante digitasse o número em tempo real na mesma ligação através de Dual-Tone Multi-Frequency (DTMF), confirmando, assim, ser a verdadeira pessoa cadastrada na base, com o número da Ordem de Serviço (O.S), gerado e vinculado a quem estava agendando ou cancelando tal visita técnica, porém, ainda acessível por muitas pessoas e áreas.

Assim que me deparei com essa solução e, mesmo que sua implementação me soasse possível, tive dúvida sobre a viabilidade e sucesso da integração entre URA e App/celular, a pretensa comunicação em tempo real, alinhamento técnico, temporal, e usabilidade envolvida. Ou seja, muitas questões em jogo.

Em parte, me soava possível porque no mercado existem exemplos de jornadas que exigem do usuário uma saída do suporte atual para outro. Por exemplo, quando se precisa logar no Gmail utilizando um outro dispositivo que não seja o do IP cadastrado, o software dispõe a opção de enviar um código para o celular cadastrado, para uma confirmação. Esse tipo de alternativa, geralmente está atrelada a questões de segurança e proteção de dados e acesso.

Não muito distante dessa relação entre ligação e envio de SMS, eu mesmo cheguei a desenhar um Assistente Virtual por reconhecimento de fala para Europ Assistence, que presta serviço para segurados do Bradesco, que pode recorrer ao emprego do SMS. Se, ao interagir com os segurados, o robô detecta que não se trata de um caso grave, como acidentes, mas sim de algo mais trivial que necessita apenas da ajuda de um mecânico para troca de bateria, pneu ou chave, ele dispara um SMS com um link para coleta de localização, prossegue dando instruções de como acessar o link, recebe a localização e, em seguida, valida essa captura para, por fim, enviar o profissional ao local do veículo.

Mas voltando ao caso da consultoria sobre visita técnica e sua solução de tentativa de integração entre URA e celular do assinante… Esqueci de dizer que essa solução envolvendo o App seria utilizada pelos assinantes que tinham o aplicativo da empresa, e que representavam 12,6% da base de 8 milhões de assinantes que abriam O.S de visita técnica. Enquanto 12,4% pelo autoatendimento da URA e os outros 75% resolviam essa questão falando com humanos. Uma informação relevante dizer é que essa URA recebe 9 milhões de ligações a cada mês.

Foi a partir dessa volumetria acima que pensei no peso do conceito de Omnichannel. Pois, quando lidamos com a experiência do usuário em determinada jornada que acontece fim-a-fim, devemos nos preocupar com a coerência entre as informações passadas através dos canais da marca que o consumidor/cliente tem o potencial de transitar. E lembrando que 75% da base digita o 9 na URA para falar com um humano. O desafio era grande e as decisões deveriam ser tomadas com responsabilidade.

Agora um panorama sobre esse primeiro conceito:

No Brasil, as grandes marcas já pensam em jornadas dos usuários em que os mesmos possam começar em um canal e finalizar em outro. Como exemplo atual e mais comum, temos a opção de comprar através de determinado e-commerce e retirar em alguma loja física, como é o caso da Riachuelo que, desde 2017 disponibiliza essa função, ou a Magazine Luiza que, não só permite essa função de comprar pelo site e buscar na loja física, como também encaminha pelo WhatsApp informações sobre o recebimento do pedido e seu código, confirmação do pagamento e envio pela transportadora; sempre compartilhando links para demais informações. Vale ressaltar que, mesmo que o WhatsApp não permita uma interação de mão dupla entre o bot da Magalu e o usuário, pois o mesmo não é preparado para reconhecer perguntas e oferecer respostas a partir delas, ainda assim é uma das que mais proporciona uma experiência interessante nesse cenário.

Outra loja de departamento que se preocupa com esse acompanhamento é a Renner, que envia um SMS ou WhatsApp com um link para acompanhar o entregador através da Loggi, a quantidade de entregas que serão realizadas antes, e o tempo que falta para o entregador chegar. A perfumaria O Boticário, através de suas campanhas, lançou ações para coletar informações básicas dos clientes e indicações de amigos, preenchendo um formulário e indicando a loja mais próxima para retirada de brindes. Com a chegada dos clientes para essa retirada, as vendedoras ainda ofereciam descontos em novos produtos.

Pois, no momento atual, vimos que essa noção de Omnichannel ainda está muito atrelada à venda, retirada ou troca de produtos, como é o caso da Centauro (uma das maiores redes de artigos esportivos da América Latina), que dispõe aos seus clientes a opção de comprar pelo site e trocar em qualquer loja física.

Fora do Brasil, a varejista de móveis IKEA, em sua jornada para se tornar o principal varejista multicanais do mundo, aumentou o seu foco na integração do comércio físico e digital para permitir (através de inteligência de dados), que os clientes comprem e recebam seus produtos, de maneira que satisfaça suas necessidades. Através de localizadores, consciência do suporte mais utilizado pelos clientes, e foco na experiência, a IKEA pilotou um aplicativo de realidade virtual que permitia aos seus consumidores visualizar cozinhas com estilos diferentes, além de ter o alinhamento do atendimento digital com o presencial. Ou seja, ela administra os universos online e off-line de forma integrada.

Mas… É só isso?

A gente deu todo esse passo e decidiu que o impacto das novas tecnologias no consumidor seria apenas para comprar em sites e poder levar o comprovante na loja para retirar o produto? Pelo que parece, essas empresas oferecem a liberdade de o cliente transitar entre o online e o off-line, muitas vezes com o intuito de vender, gerar lucro ou reduzir custos, sem considerar a preocupação em relação à experiência do usuário. Tudo bem que existem ainda algumas vantagens nos exemplos citados. Mas poderia estar melhor.

Se a gente pensar que experiência Omnichannel é algo relacionado à continuação de um atendimento através de outras plataformas e lugares, temos, sim, essa espécie de experiência, conforme os exemplos citados. Porém, se uma jornada precisar ser efetivada de forma automatizada tendo um canal conversando com o outro, não. Não temos experiência digital Omnichannel no Brasil.

Na indústria cinematográfica existe a profissão do continuísta, profissional responsável por ficar atento entre os planos e tomadas dentro da narrativa imagética e sonora, com a finalidade de evitar falhas e cuidar para que exista uma linha estético-narrativa coerente. E no seguimento de Contact Center, para atendimento ao cliente, você acha que é possível aplicar esse mesmo conceito?

Eu nunca vejo isso implementado de forma satisfatória. Na verdade eu nunca vi um case desse implementado. O que entendo por Omnichannel é a possibilidade de acompanhamento contínuo desde o momento em que se adquire um produto ou serviço ou se deseja atendimento para atender suas necessidades. O Omnichannel pressupõe uma plataforma onde esse cliente possa manter a mesma conversa e interagir por todos os canais sem ter que explicar do zero a cada troca de canal ou atendente.

Ouvi relatos de amigos que disseram entrar na plataforma de streaming dessa grande empresa de TV, pagar pelo filme e não conseguir assistir. Eu mesmo já perdi uma série que aluguei pelo canal e não consegui acesso à todos os episódios de uma temporada, por problemas na distribuição do streaming. Mas uma amiga foi além, ela ligou na central de atendimentos e após passar pela URA, conversou com um atendente que disse não poder fazer nada por ela, pois constava no sistema o aluguel do filme. Ora, não havia integração, log nem marcação dizendo que o filme não havia funcionado nem rodado um único minuto na TV dela. Ou seja, não havia uma visão única entre a plataforma de streaming e o atendente da mesma empresa, e provavelmente o App também não estaria em sintonia com essa questão.

Precisamos agora entender um conceito relevante nesse cenário: a Interoperabilidade.

Com a variedade de plataformas e formas de atendimento ao cliente, chat, FAQ, chatbot, URA, Call Centers ativos e receptivos, App, site, dentre outras opções, fica fácil entender a complexidade de alinhamento de discurso e narrativa em cada um desses suportes, representando o mesmo objetivo, valor e visão. O fluxo de informação é imenso, e geralmente o diálogo e integração entre os diferentes sistemas não ocorre de forma integrada e segura.

A interoperabilidade trata da capacidade de dois ou mais sistemas se comunicarem de forma eficaz, se preocupando com a integridade dos dados. Tendo, claro, em todos esses sistemas, os padrões abertos e flexíveis. Só assim para ver funcionando a codificação dos dados, a descrição das informações, os processos e compartilhamentos informacionais em um resultado de sucesso.

Acabamos a complexidade por aqui?

Ainda não.

Para essas plataformas e suportes de contato com o cliente funcionarem, é preciso haver uma implementação de vários projetos, áreas envolvidas e dezenas de fluxos de trabalhos realizados e monitorados constantemente. No exemplo da consultoria em que estive para melhorar o atendimento e a percepção do usuário quanto à visita técnica, essa visão fica melhor ilustrada.

Em Customer Experience, nossa preocupação inicial era com o usuário, garantir que sua necessidade fosse atendida. Além disso, garantir que ele tivesse segurança e que sua percepção em relação ao serviço prestado fosse positiva.

Mas, ao passo que íamos nos aprofundando na consultoria, descobríamos que nosso usuário não era apenas a pessoa que estava em casa esperando o técnico aparecer. E o próprio técnico precisava ser nosso objeto de estudo e, portanto, um usuário de um serviço dentro de uma cadeia de suportes envolvendo a visita que ele faria. Por exemplo, esse técnico necessitava consultar e interagir com 3 Apps diferentes para realizar a visita, às vezes ligar para URA ou para seu supervisor na base. Ele necessitava de determinados atendimentos para que prestasse o seu serviço. E esses atendimentos nem sempre eram satisfatórios.

Da mesma forma a atendente na central de atendimento que, ao receber a ligação de um usuário em estado alterado de humor, por não receber o técnico no horário marcado e ao ver no sistema que alguém havia remarcado a visita técnica sem informar ao usuário, não pode fazer muito a não ser se desculpar e tentar contornar a situação. Essa atendente também passou a ser nossa usuária e começamos a mapear suas dores e ferramentas e processos dos quais necessitava ou era refém.

E assim por diante, a área Jurídica foi entrevistada, a área de Anti-Fraude, Digital, Ouvidoria, Segurança da Informação (corporativa e técnica), dentre outras, mapeamos suas dores e limitações nos seus respectivos processos para liberar, contribuir ou barrar questões relacionadas à visita técnica. Descobrimos que, muitos problemas eram causados por metas relacionadas à cada área.

A comercial tinha suas metas mensais e, para cumpri-las, executava ações que impactavam diretamente a espera e a percepção do usuário quanto à visita. Ou o próprio técnico, por ter uma meta e pontuação a atingir, direcionava seu empenho e atividade a partir da meta e não da visita que deveria fazer. Empreiteiras terceirizadas demandando O.S para justificarem verbas para contratação de técnicos para atender demandas fantasmas que seriam canceladas após o pedido. Operadores de retenção não agendando visitas de desconexão quando próximo ao fechamento do mês e não tendo alcançado a meta.

Mas o desafio em parte era: Como dar autonomia ao técnico, mas também evitar casos de assédio como, por exemplo, impedir o acesso e, em consequência, casos extremos de envio de nudes para o número do celular das assinantes? Entrevistamos a área responsável por questões atreladas a segurança de dados e LGPD.

Diante disso, entendo que, apesar de estarmos em 2020, e a integração, comunicação e comunicabilidade entre os sistemas parecer ser obrigação mínima entre as grandes empresas, aceito ser quase impossível a realização de um atendimento Omnichannel. Visto que todo o fluxo técnico e de comunicação entre áreas, plataformas e suportes precisa estar alinhado e disposto ao usuário de forma transparente.

Na consultoria, vimos que estávamos muito distante do usuário final, e havia muita coisa a ser resolvida até a gente ir a campo captar as percepções das pessoas. Felizmente, para esse projeto, encontrei uma solução que resolveria todo o problema. A solução não consistia em um atendimento Omnichannel. Porém, se implementada, resolverá a questão de fraude, quebra de agenda e, consequentemente, irá elevar o índice de satisfação do usuário final por esse serviço prestado.

Considerando o custo da solução e os prejuízos relacionados à fraudes em agendamento, que resultam em perdas de dinheiro por parte da empresa, acredito que vão considerar a implementação dessa solução. Em breve, e se implementada, pretendo compartilhar por aqui o resultado, índices e métricas de sucesso.

Publicado em 5 de fevereiro de 2020, por Sueliton Ribeiro

--

--