O que deixaremos para depois da pandemia?
No meio de todas as nossas incertezas, algo é certo: seja em questão política, econômica, cultural ou afetiva, o mundo nunca será o mesmo.
Ainda que o vírus seja controlado, deve ficar o fantasma de uma possível nova infecção, uma possível nova crise. Deve ficar o luto mal elaborado e o afeto do medo e do ódio contra o outro: o estrangeiro, aquele que trouxe a ameaça, que carrega a ameaça; o outro que se torna, em si mesmo, em seu corpo, uma ameaça.
A imagem terrível do “infectado” pode emergir como uma justificativa biológica para o ódio. Tal como o nazismo tratava os judeus como ratos, ou como a eugenia animalizava povos negros e indígenas (e o racismo ainda o faz), ou como o patriarcado trata as mulheres como “naturalmente” loucas-emotivas. Todos esses sistemas de sentido, por mais irracionais que pareçam, estão sempre (falsamente, ideologicamente) justificados pela ciência, pela técnica, pela razão.
De outro lado, o valor da solidariedade. Nesses dois ou três meses que temos pela frente essa será uma bandeira central na disputa de narrativas. Mais do que nunca, está escancarado o fracasso do capitalismo como projeto e a mentira que carregam todos os seus valores: o individualismo, a competição, o “cada um por si”, a “guerra de todos contra todos”. E, mais do que nunca, está escancarado o fator coletivo da organização humana. “United we stand, divided we fall”, unidos venceremos, divididos cairemos. A importância do apoio mútuo para a sobrevivência da própria espécie, como demonstrou Kropotkin.
Tudo depende do que for construído desde já. Por isso é importante que, sempre que tivermos a oportunidade, lembremos da importância da solidariedade para contornar crises como essa. Mas a luta deve ir além da disputa de narrativas.
É preciso aproveitar o tempo para revisar nossos objetivos e estratégias. Se não podemos nos encontrar, podemos criar documentos compartilhados e reuniões por videoconferência. Quando a pandemia passar o Brasil estará destruído. Algo novo sairá disso. Fascismo ou socialismo? Medo ou solidariedade? A ver, a construir.