Racismo como Cosmovisão: uma metáfora e uma resposta cristã

Hudson Araujo
vulgo H.A.S opina
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6 min readSep 21, 2021
Fuller, White Dog

Usando o conceito de cosmovisão como ponto de partida e o filme “White Dog” (1982) como metáfora, podemos afirmar que o racismo pode ser considerado uma cosmovisão, exigindo assim uma resposta cristã para tal visão de mundo.

A inevitabilidade e importância do conceito de Cosmovisão:

No meio evangélico brasileiro, o conceito de “cosmovisão” tem sido cada vez mais discutido. Porém, qual é sua real importância? Podemos dizer que, em primeiro lugar, cosmovisão é algo não apenas essencial, mas inevitável para qualquer ser humano. Afinal, todos nós possuímos afirmações e crenças sobre a realidade como um todo.

Como Kuyper diz: “Tão certo como cada planta tem uma raiz, um princípio subjaz a cada manifestação da vida (…) se desenvolve lógica e sistematicamente todo o complexo de ideias e concepções governantes que perfazem visão de mundo e de vida.” (2017, p. 46). Também é importante dizer que, para nós cristãos, a cosmovisão tem algo mais: não se trata apenas de afirmações ou opiniões, mas de algo mais profundo, isto é, uma batalha espiritual real entre a verdade de Cristo e o reino da mentira.

“Um choque de cosmovisões também assume um papel crucial na batalha oculta, espiritual, entre o Reino de Deus e o reino de Satanás, onde a própria verdade das coisas está em jogo” (NAUGLE, 2017, p. 18). Por isso, a cosmovisão nos ajuda não apenas a subjugar nossa cosmovisão à visão de mundo Bíblica, mas também nos auxilia a identificar visões errôneas, maléficas e, de certa forma, diabólicas. Uma dessas visões de mundo nocivas que podemos identificar com a ajuda do conceito de cosmovisão, certamente, é o racismo.

O Racismo como Cosmovisão:

Tratar o racismo como visão de mundo é, no mínimo, desafiador. Portanto, vamos focar em alguns de seus aspectos, usando um artefato artístico para exemplificar o racismo e como ele pode ser traçado, de certa forma, como uma cosmovisão ou aspecto dela.

“White Dog” (1982), dirigido por Samuel Fuller, é um filme, como aponta o New York Times, “baseado em uma história de revista por Romain Gary, sobre um cão treinado por brancos preconceituosos para atacar negros”. Além do filme funcionar como um terror convencional sobre animais assassinos, ele é, segundo o portal The Criterion Collection, “uma metáfora para o racismo socialmente doutrinado”, um profundo comentário sobre a injustiça racial e a formação dele.

O cão é treinado não apenas para odiar e temer um grupo específico, mas também para destruir ativamente qualquer pessoa negra que encontra. Sendo assim, está é uma ótima alegoria para nossa construção coletiva sobre como vemos homens e mulheres negras, formando uma cosmovisão sobre os seres humanos e sua natureza: negros são temíveis e deveriam ser destruídos.

Por mais que esse aspecto não defina uma visão do cosmos como um todo, ela define uma parte importante dela: “o que é um ser humano?”, sendo esta uma das perguntas deixada por Sire, “propondo que as cosmovisões são respostas fundamentais de uma pessoa” (NAUGLE, 2017, p. 446) de certas perguntas. O filme, por sua vez, defende a ideia de que o racismo não é apenas uma escolha individual e pessoal, mas algo ensinado e repassado na sociedade, como o cão é treinado, nós também somos ensinados a ter tal comportamento.

Aqui, o portal The Criterion Collection nos ajuda novamente, apontando que “a metáfora central de White Dog é perturbadora porque afirma que o racismo — e seus terríveis efeitos psicológicos — não desapareceram da experiência social e cultural americana, e não sairão sem um esforço consciente.” Sobre o aspecto social do racismo, desta vez no contexto brasileiro, William Douglas também afirma que:

“A verdade é que nós, enquanto sociedade, temos ensinado, por ação ou omissão, racismo aos meninos e meninas, e precisamos corrigir isso. Como disse Nelson Mandela, ‘ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele’”.

A principal questão ao final da história é, como nos indica a crítica do portal de Roger Ebert, a dúvida: o racismo “pode ser desaprendido? Ou aprisiona para sempre aqueles em que cravou seus dentes?”. Para responder isso, vamos precisar recorrer à visão de mundo cristã.

Cosmovisão Cristã como resposta para o racismo:

Mesmo que o filme “White Dog” possua uma metáfora poderosa e eficiente, podemos considerar sua análise, de certa forma, limitada. Por mais que o aspecto social e histórico seja importantíssimo para a formação do racismo, ele não é o único fator na formação da cosmovisão ou filosofia. Como diria Jacob Klapwijk:

“Dooyeweerd não conclui que toda a filosofia e toda a teoria são necessariamente pré-condicionadas pela herança histórica e cultural de alguma cosmovisão. Em vez disso conclui que a única (e necessária) precondição da filosofia e da teoria são as condições e compromissos últimos do coração humano” (2017, p. 54)

Portanto, quando discutimos visões de mundo e teorias tão nocivas, não estamos apenas discutindo contextos históricos e construções sociais, estamos analisando o âmago do ser humano: o coração. E deste, podemos dizer que temos apenas dois tipos: os que nasceram de novo e são novas criaturas, e os corações não regenerados espiritualmente. Como Kuyper afirma: “Não somos demasiadamente enfáticos, portanto, quando falamos de dois tipos de pessoas. Ambas são humanas, mas uma é interiormente diferente da outra.” (2017, p. 49)

Dentro disso, como isso afeta na cosmovisão e o que faz o racismo ser uma visão de mundo não bíblica ou não regenerada? Na visão bíblica, do seu início ao seu fim, as escrituras afirmam que todas as pessoas, de qualquer tribo ou nação, possuem a imagem e semelhança de Deus, atribuindo assim valor intrínseco a todos os seres humanos mesmo com a presença do pecado. Como diz John Piper:

“Não importa qual a cor da pele, ou as feições do rosto, ou a textura do cabelo, ou outros traços genéticos; todo ser humano em todo grupo étnico possui uma alma imortal à imagem de Deus”.

Portanto, não há dúvidas que qualquer visão de mundo que inferiorize algum povo ou grupo etinico só pode ser antibíblico, para não dizer diabólico, sendo um fruto de um coração não regenerado. Como podemos, então, combater tal visão de mundo? Segundo Kuyper, só há uma forma de combater as cosmovisões reducionistas e não bíblicas, ele diz: “Vós, cristãos, não podeis defender com sucesso seu santuário a não ser colocando em oposição a tudo isso sua própria visão de mundo e de vida.” (2017, p. 47)

Sendo assim, devemos tratar e considerar a raiz do mal do racismo: corações não regenerados e com inclinação para a mentira. E para os que nasceram de novo, resta a missão de opor a todo tipo de preconceito ou racismo com qualquer etnia ou povo através de um trabalho ativo e consciente, sempre apontando para o Evangelho e mostrando nossa visão de mundo como resposta para todos, defendendo publicamente o valor intrínseco de cada ser humano a partir da cosmovisão cristã.

“Não tem o cristianismo uma história muito melhor para contar que o pós-modernismo — de fato, uma história verdadeira -, especialmente ao anunciar as boas novas da existência de Deus, o significado e a natureza sacramental do cosmo, a dignidade das pessoas humanas como imago Dei e a esperança de uma redenção abrangente na obra de Jesus Cristo através do Espírito Santo?” (NAUGLE, 2017, p. 244)

Conclusão:

Há várias razões para considerarmos a cosmovisão um conceito importante, com ele podemos encontrar e detectar visões de mundo que vão contra as verdades da revelação ou que até prejudicam ou atacam pessoas.

Podemos identificar, portanto, o racismo como uma visão de mundo a partir da sua visão seletiva e errônea do ser humano, reduzindo a realidade e não tratando homens e mulheres negras (principalmente) com sua real dignidade: imagem e semelhança de Deus. Só seremos capazes de combater tal visão de mundo quando oferecermos para a sociedade uma visão sólida e coesa do evangelho e da cosmovisão cristã, direcionando corações não regenerados para a obra de Cristo em toda a criação, mas principalmente na humanidade.

Referências bibliográficas:

NAUGLE, David K. Cosmovisão: a história de um conceito / David K. Naugle, tradução Marcelo Herberts — Brasília, DF: Editora Monergismo 2017.

Janet Maslin — Review/Film; A White Dog as a Metaphor for Racism. New York Times. Disponível em: https://www.nytimes.com/1991/07/12/movies/review-film-a-white-dog-as-a-metaphor-for-racism.html. Acesso em: 5 Mar. 2021.

Armond White. White Dog: Fuller Vs. Racism. The Criterion Collection. Disponível em: https://www.criterion.com/current/posts/848-white-dog-fuller-vs-racism. Acesso em: 5 Mar. 2021.

William Douglas. Pequenos e grandes racismos Racismo existe e precisa, sim, ser objeto de providências, e não apenas por parte do Estado. Gospel Prime. Disponível em: https://www.gospelprime.com.br/pequenos-e-grandes-racismos/. Acesso em: 5 Mar. 2021.

Michael Mirasol. White Dog: Video essay about a trained racist. rogerebert.com. Disponível em: https://www.rogerebert.com/far-flung-correspondents/white-dog-video-essay-about-a-trained-racist. Acesso em: 5 Mar. 2021.

John Piper. 8 motivos bíblicos para dizer: “Racismo não!”. Voltemos ao Evangelho. Disponível em: https://voltemosaoevangelho.com/blog/2014/11/8-motivos-biblicos-para-dizer-racismo-nao/. Acesso em: 5 Mar. 2021.

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Hudson Araujo
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Estudante de Letras, (inglês português), Redator, Escritor e outras coisas mais.