Redescobrindo o Catecismo: uma ferramenta histórica e bíblica para ajudar a romper o dualismo entre teoria e prática.
Introdução:
Com o presente cenário das igrejas cristãs brasileiras reduzindo o evangelho como simplesmente prático ou teórico, podemos encontrar no Catecismo, tanto os antigos históricos quanto nas novas formatações, uma ferramenta poderosa para formação espiritual da igreja, auxiliando, assim, em uma visão menos fragmentada do evangelho.
Nosso cenário atual em relação à doutrina:
Quando se trata de nosso contexto evangélico brasileiro atual, é evidente que nossas ideias sobre doutrina estão, no mínimo, confusas e desorganizadas.
Muitas vezes a doutrina é dada como algo rígido, ultrapassado, ou até um empecilho para uma verdadeira espiritualidade. Já que é comum encontrar líderes cristãos que usam das verdades propositivas, ou seja, afirmações e ideias, como o único parâmetro para fé, empobrecendo a visão de fé praticada nas Escrituras.
Por outro lado, vemos igrejas que focam na prática, na espiritualidade e na subjetividade, a fé como uma experiência individual e totalmente solta de regras, acreditando que essa seja a resposta definitiva para a religiosidade meramente propositiva.
Porém, essa visão é igualmente limitada e reducionista, uma vez que considera apenas a prática e aplicação do evangelho, sem valorizar as verdade imutáveis deixadas na Palavra, verdades essas que direcionam a essência da ação da igreja.
Como afirma Vanhoozer: “Estamos presos a uma falsa ideia de doutrina” (2016, p. 19). Não entendemos sua autoridade e temos “uma dicotomia deliberante entre teoria e prática” (VANHOOZER, 2016, p. 19).
Diante disso, qual seria a real importância da Doutrina para a igreja, e como ela pode responder a essas ideias extremas entre si? Vanhoozer diz que a “doutrina diz respeito ao que a fé em busca de entendimento alcança quando a busca é bem-sucedida”. (2016, p. 20)
Uma definição ainda mais completa de doutrina seria: “A doutrina cristã é a recompensa que a fé recebe no final da busca pelo sentido do testemunho apostólico acerca do que Deus estava realizando no evento de Jesus”. (VANHOOZER, 2016, p. 20)
Portanto, a doutrina não é apenas uma afirmação fria, sem ação. Mas é a verdade que vai direcionar, de fato, a igreja de Cristo para a ação. Desta forma, quebramos a ideia de que ação e teoria tem alguma distinção. Na doutrina Bíblica, a prática é uma resposta direta da revelação de Deus, Ele fala e nós respondemos. E se decidirmos seguir ao evangelho, nossas ações vão seguir os padrões, direções deixadas por Cristo reconhecidos nas Escrituras.
“O principal objetivo da doutrina é equipar os cristãos para compreender e participar da ação dos principais agentes (a saber, Pai, Filho e Espírito).” (VANHOOZER, 2016, p. 33)
Por isso, precisamos de ferramentas que apresentem a doutrina de forma que seja tanto proposição (teoria e verdade) quanto reação (prática e resposta). Dito isso, quais são as ferramentas, formas de ações e recursos que podemos usar para esse feito?
Certamente há vários modos de tornar a doutrina algo realmente prático e concreto na vida da igreja. Porém, um recurso muito utilizado na história da igreja e esquecido nos dias de hoje é o Catecismo.
Em defesa do uso do Catecismo para os tempos atuais:
Por que o catecismo como ferramenta para formação Cristã? Antes de responder essa pergunta, é necessário dar uma breve definição. Tim Keller afirma que esses recursos “eram escritos em forma de perguntas e respostas, e denominados catecismos (do grego katechein, ou seja, ‘ensinar oralmente ou instruir com palavras da boca’)”. (2017, p. 7)
Entre os catecismos protestantes mais conhecidos, podemos citar: Catecismo Menor e Maior de Westminster (1648) e o Catecismo de Heidelberg (1563). Certamente, a apropriação do termo pela igreja Católica Romana assustou boa parte da igreja evangélica quanto a esse recurso. Porém, ele pode ser uma ótima ferramenta para ensinar as verdades bíblicas.
Vanhoozer nos auxilia novamente, apontando que: “aprender o catecismo é ser instruído na substância da fé (viz. reflexão) e na forma como o próprio catecúmeno deve participar dessa substância e com ela se envolver (viz. prática)”. (2016, p. 118)
Portanto, a função tanto do catecismo quanto da doutrina é “capacitar a pessoa a ser uma participante competente”. (VANHOOZER, 2016, p. 118).
Ou seja, o catecismo não apenas ajuda no entendimento e na memorização das doutrinas, mas direciona nossa resposta e prática na vida comum. “Podemos participar da forma correta no drama da redenção só se tivermos uma ideia clara da forma geral da ação”. ( VANHOOZER, 2016, p. 118)
Por último, é válido dizer que essa prática não apenas é desejável, mas tem profunda base bíblica, levando às origens da igreja cristã.
Tim Keller afirma:
Em sua carta aos Gálatas, Paulo escreve: “E o que é instruído na palavra reparta de todos os seus bens com aquele que o instrui” (Gl 6.6). A palavra grega para “o que é instruído” é katechoumenos, aquele que está sendo catequizado. Em outras palavras, Paulo está falando sobre um corpo de doutrina cristã (catecismo) que foi ensinado a eles por um instrutor (aqui a palavra é catequizador). (KELLER, 2017, p. 12)
Há diversas formas de utilizar o catecismo e há diversos catecismos, tanto antigos quanto novos sendo feitos em novos contextos. Esses estudos podem ser feitos em pequenos grupos, como devocionais, ou até como formas de pregação. O “como” tem diversas opções, desde que o conteúdo deste catecismo seja mantido: a Doutrina Bíblica que respeita os principais pontos e eventos do Grande Drama Bíblico.
“O critério supremo do conhecimento, da bondade, da beleza e da verdade é a adequação cristodramática.” (VANHOOZER, 2016, p. 272)
Catecismo como teoria e prática:
Portanto, o catecismo não é apenas algo restrito para os Católicos Romanos, mas é uma ferramenta criada pela a igreja de Cristo desde o seu início, sendo uma forma eficiente de romper o dualismo e o enorme abismo que há entre prática e teoria.
Desta forma, ajudaremos a formar uma igreja que nem caia na tentação de apenas praticar nem da pura teoria, mas uma igreja que realmente encena, encarna e vive o Drama das Escrituras.
“Creio para entender; entendo para colocar em prática; coloco em prática para crescer no conhecimento e na fé”. (VANHOOZER, 2016, p. 272)
Referências bibliográficas:
VANHOOZER. Kevin J. O drama da doutrina: uma abordagem canônico-linguística da teologia cristã / Kevin J Vanhoozer; tradução Daniel de Oliveira — São Paulo: Vida Nova, 2016.
KELLER. Tim. Devocional do catecismo nova cidade: a verdade de Deus para nossos corações e mentes / introdução de Tim Keller; Collin Hansen, organizador; tradução Elizabeth Gomes — São José dos Campos, SP: Fiel, 2017
