Uma contraproposta ao racismo estrutural

Hudson Araujo
vulgo H.A.S opina
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7 min readJan 24, 2022
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Introdução

Diante da popularidade do termo racismo estrutural, Bob Goudzwaard oferece uma visão robusta e cristã sobre economia, visão essa capaz de dar bases para algumas das possíveis raízes e soluções do racismo.

Racismo estrutural e seus motivadores

Se há um forte candidato para causador dos males da nossa sociedade, esse é o capitalismo. Vivemos em constantes crises e diversos problemas de ordem social e coletiva. Problemas esses que parecem muitas vezes insolúveis. O desemprego, o colapso ambiental, a violência urbana, entre outros, são constantes e presentes na sociedade contemporânea. Na tentativa de se encontrar um motivador para esses problemas, o capitalismo é colocado muitas vezes como o principal causador. Em outras palavras: “o caráter específico (desses problemas) é definitivamente vinculado ao sistema econômico no qual vivemos” (GOUDZWAARD, 2019, p. 21). Entre essas questões, uma das mais debatidas publicamente é o racismo, principalmente se referindo ao povo negro. Diversos movimentos sociais dizem que o ato de discriminar alguém por sua cor de pele é um resultado direto de nosso sistema econômico, apontando que o racismo existe hoje por causa do sistema econômico em que vivemos, que usa o outro, incluindo o negro, como mero objeto. Essa visão de racismo tem sido difundida a partir da expressão racismo estrutural.

Esse posicionamento tem sido amplamente difundido e aceito, principalmente no contexto brasileiro. Alguns dos autores que desenvolvem o termo popularmente são Djamila Ribeiro e Sílvio Almeida. Sobre o racismo estrutural, ambos apontam que, por causa do nosso sistema econômico e nossa história com a escravidão, os negros de todo o país ficam em desvantagem econômica e social. Siílvio Almeida diz que:

“A discriminação sistemática, processual e histórica cria uma estratificação social que se reverte em inúmeras desvantagens políticas e econômicas aos grupos minoritários, vivenciadas na forma de pobreza, salários mais baixos, menor acesso aos sistemas de saúde e educação, maiores chances de encarceramento e morte” (ALMEIDA, 2020).

Nesta perspectiva, o racismo não seria apenas o ato discriminatório direto, verbal e consciente, mas seria também o resultado de anos de injustiça causada pela exploração do sistema capitalista. Djamila aponta, inclusive, que estes sistemas são partes fundamentais do nosso país. Ela diz: “É preciso entender que o racismo é uma estrutura. Quando a gente fala sobre racismo estrutural, é sobre entender que o racismo faz parte da estrutura da sociedade brasileira, assim como o capitalismo” (RIBEIRO, 2020). Esses autores acreditam que o racismo e seus males só serão superados quando mudarmos nosso sistema econômico. Almeida nos esclarece novamente:

“A busca por uma nova economia e por formas alternativas de organização é tarefa impossível sem que o racismo e outras formas de discriminação sejam compreendidas como parte essencial dos processos de exploração e de opressão de uma sociedade que se quer transformar” (ALMEIDA, 2020).

Porém, seria essa a abordagem mais efetiva contra o racismo? Ou melhor: essas propostas realmente atingem o cerne da questão?

A fé no progresso e racismo

Bob Goudzwaard, pesquisador em política contemporâneo, nos ajuda a responder essa questão. Ao identificar essa ânsia de encontrar um culpado, Goudzwaard refuta a ideia de um único causador. Colocar a culpa no sistema econômico seria ingênuo e ineficaz, já que ele não é o único responsável por esses problemas sociais. Por exemplo: esses problemas são encontrados também em países que não adotam o sistema capitalista. Goudzwaard desenvolve que: “Nos iludimos na crença de que ficaremos completamente livres de punição ao enviarmos o “bode expiatório” para o deserto” (GOUDZWAARD, 2019, p. 22). Não que haja um problema em buscar mudanças em nossas relações econômicas. Uma manutenção constante é necessária. Portanto: “nada acerca de nossa democracia participativa deveria nos prevenir de buscarmos sair de uma disposição disfuncional e nos mover em direção a algo melhor; aliás, o nosso sistema precisa disso” (HUNT). A discussão, porém, deve ser de outro nível. Não em uma perspectiva simplista e reducionista da economia, mas através de uma perspectiva mais profunda dos pressupostos e dos compromissos profundos do coração. Em outras palavras: “esse segundo nível profundo só pode constituir nos motivos religiosos centrais que fundamentalmente direcionam a cultura da sociedade” (GOUDZWAARD, 2019, p. 23).

Essa análise só é possível, pois, falar de sociedade e economia, tangencia questões basilares de um sistema de crença, como a fé no futuro, a descrição da realidade e suas soluções. Essas visões sobre a sociedade “incluem a esperança no futuro, a fé em Deus ou no homem, e o amor por si ou pelos outros” (GOUDZWAARD, 2019, p. 23). O ponto não é questionar o livre mercado ou o capitalismo como um todo, mas questionar corretamente. Na perspectiva de Goudzwaard, o capitalismo deve ser considerado uma religião (ou motivo religioso), uma visão de mundo tão definidora que é capaz de moldar e ditar os aspectos mais profundos de nossas convicções. Através de uma fé no progresso e no desenvolvimento humano, o capitalismo pode oferecer respostas religiosas para os corações: “O capitalismo deve ser visto como uma religião, isto é, o capitalismo está essencialmente a serviço das mesmas preocupações, aflições e inquietações a que outrora as assim chamadas religiões quiseram oferecer resposta” (RAMOS, MARQUES, 2019).

Nossos desdobramentos ficam claros: existem, sim, problemas decorrentes do capitalismo, e esse sistema econômico pode e deve ser questionado. Porém, essa crítica não deve ser reducionista. Não podemos colocar todos os problemas da sociedade contemporânea nas costas do sistema econômico. Isso não seria o suficiente. Devemos investigar as crenças profundas de nossa sociedade (neste caso, sendo a fé no progresso), para só depois disso identificar as raízes dos males sociais. Podemos dizer que: “nossos problemas mais essenciais podem ser resolvidos somente quando o próprio lugar do progresso na sociedade for discutido” (GOUDZWAARD, 2019, p. 201).

Como essa discussão se encaixa no assunto do racismo estrutural? Seria insuficiente dizer apenas “a culpa do racismo é o sistema econômico” ou até dizer “o racismo reside apenas na responsabilidade pessoal”. Mas, a partir dos argumentos já levantados, podemos apontar que só podemos discutir as raízes e as soluções para o racismo a partir da discussão dos pressupostos. Nesta perspectiva, o racismo seria resultado dos compromissos religiosos e das consequências duradouras desses compromissos. Isso, certamente, não facilita a discussão, mas nos dá novos horizontes.

Abertura da sociedade aplicada no racismo

Com essa nova análise, Goudzwaard propõe uma nova abordagem de solução, ao invés de simplesmente trocar o sistema econômico. O autor propõe uma sociedade aberta, mas o que ele quer dizer? Ao invés de uma vida focada no progresso e no crescimento numérico, como um túnel, o foco seria em uma sociedade aberta, onde múltiplos interesses são desenvolvidos. “Esse termo é intencionado para expressar uma direção da vida humana totalmente diferente daquela da sociedade túnel” (GOUDZWAARD, 2019, p. 201). Uma sociedade que não está apenas preocupada pelo avanço, progresso e desenvolvimento, mas está preocupada no ser humano em todas suas esferas.

Qual seria a diferença da abordagem de Goudzwaard para a de Silvio Almeida e Djamila Ribeiro? A primeira diferença está nos pressupostos. Enquanto as filosofias de transformação do racismo estrutural defendem que a mudança virá da troca de sistemas econômicos, Goudzwaard defende que o que deve ser mudado não é apenas o capitalismo, mas a forma de lidar com os pressupostos básicos de sociedade desta economia. Pois, se o sistema econômico for mudado, mas não houver uma transformação nos pressupostos, não haverá mudança real. É necessário uma sociedade aberta, onde cada esfera de soberania (seja o Estado, a economia, família ou escola) tem sua parcela, preocupação e desenvolvimento, e dentro dessa visão, o cristianismo é a visão de mundo que suporta essa pluralidade, trazendo um valor humano intrínseco. “Numa sociedade aberta, a pessoa não é mais obrigada a existir como um objeto anônimo, um receptáculo ou joguete do progresso econômico” (GOUDZWAARD, 2019, p. 202).

Por fim, como essa ideia de sociedade aberta se aplica em uma solução sólida do racismo? A ideia de sociedade aberta tem a proposta extremamente oposta à do racismo estrutural: ao invés de existir um único causador dessas questões, essa culpa do bode expiatório é substituída por uma responsabilidade mútua. Respeitando a agência de cada esfera, uma sociedade aberta trabalharia em prol de um coletivo menos racista responsabilizando cada esfera.

Aplicando, podemos dizer que a responsabilidade não é apenas do capitalismo e da fé no progresso. A escola tem o dever de educar as crianças sobre a diversidade étnica. A família deve formar indivíduos que não perpetuam o racismo, e, não menos importante, o sistema econômico deve tratar pessoas negras não como objetos, mas como seres humanos complexos e diversas necessidades para além do econômico. O termo racismo estrutural não é necessariamente um problema, já que existe um racismo arraigado em certas estruturas, mas o problema são seus pressupostos já apresentados. Um bom termo para substituir o racismo estrutural seria falar de um combate aberto ao racismo. Todas as alas e esferas da sociedade lutando em prol desta nova realidade, do cuidado e da preservação de pessoas negras. “Aqui, um contraponto à ideia de túnel seria a ideia de árvore frutífera, ou seja, uma sociedade cujo foco não seria o progresso, mas a fertilidade, a preservação e o desenvolvimento dos potenciais da sociedade como um todo. (RAMOS, MARQUES, 2019). Essa visão desencadeia em uma visão complexa, mas plausível e possível de mudança. Não ficamos mais reféns de mudanças revolucionárias hipotéticas, mas contamos com transformações que podem acontecer de forma local e partir para o coletivo.

Conclusão

A partir da base teórica de Goudzwaard, é possível contornar uma nova visão sobre a luta contra o racismo. Não mais se apoiando na culpa do capitalismo colocado com o racismo estrutural, mas abrindo novas possibilidades de cuidado e serviço através de todas as esferas. Concluímos que: “os cristãos não deveriam apenas se dar à tarefa de condenar a cultura e nem de copiar a cultura. Pelo contrário, deveríamos estar criando cultura” (HUNT).

Referências bibliográficas:

GOUDZWAARD, Bob. Capitalismo e progresso: um diagnóstico da sociedade ocidental; tradução Leonardo Ramos. Viçosa: Ultimato, 2019.

RAMOS, Leonardo; MARQUES, Tiago Rossi. Bob Goudzwaard e a contribuição neocalvinista para a Economia Política. Associação Brasileira Cristãos na Ciência. Disponível em: https://www.cristaosnaciencia.org.br/bob-goudzwaard-e-a-contribuicao-neocalvinista-para-a-economia-politica/. Acesso em: 02 Set. 2021.

HUNT, Arthur W.. Oikos: Uma defesa do reavivamento da economia doméstica. Tú porém. Disponível em: https://tuporem.org.br/oikos-uma-defesa-do-reavivamento-da-economia-domestica/. Acesso em: 02 Set. 2021.

BASILIO, Ana Luiza. Djamila Ribeiro: “Somos um país que nunca aboliu materialmente a escravidão”. Carta Capital. Disponível em:

https://www.cartacapital.com.br/sociedade/djamila-ribeiro-somos-um-pais-que-nunca-aboliu-materialmente-a-escravidao/. Acesso em: 02 Set. 2021.

ALMEIDA, Sílvio. Estado racista e crise do capitalismo. Outras palavras. Disponível em:https://outraspalavras.net/outrasmidias/silvio-almeida-estado-racista-e-crise-do-capitalismo/. Acesso em: 02 Set. 2021.

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Hudson Araujo
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Estudante de Letras, (inglês português), Redator, Escritor e outras coisas mais.