Só amor não é o suficiente

Paulo Silveira
wabi-sabi
Published in
8 min readJan 24, 2018
Fonte: Flickr

Em 1967, John Lennon escreveu uma canção chamada “All You Need is Love” (O amor é tudo o que você precisa, em tradução livre). Ele também agredia as duas esposas que teve, abandonou um de seus filhos, abusava verbalmente do seu empresário gay e judeu com injúrias homofóbicas e antissemitas, além de colocar uma equipe de gravação para filmá-lo pelado na sua cama por um dia inteiro.

Trinta anos depois, Trent Reznor da banda Nine Inch Nails escreveu uma canção chamada “Love is Not Enough” (Só amor não é o suficiente, em tradução livre). Reznor, apesar de ser conhecido por suas performances chocantes no palco e por seus vídeos grotescos e perturbadores, se livrou das drogas e álcool, casou-se com uma mulher, teve dois filhos, e então cancelou álbuns e turnês inteiras para que pudesse ficar em casa e ser um bom pai e marido.

Um desses dois homens tinha um entendimento claro e realista do amor. Um deles não. Um desses homens idealizava o amor como solução de todos os seus problemas. O outro não. Um desses homens provavelmente era um cuzão narcisista. O outro não.

Na nossa cultura muitos de nós idealizam o amor. Nós o vemos como um super remédio para todos os problemas da vida. Nossos filmes e histórias (fictícios ou não) celebram-no como o objetivo supremo da vida, a solução final para toda a nossa dor e sofrimento.

Quando acreditamos que “o amor é tudo o que você precisa”, então como Lennon, estamos mais propensos a ignorar valores fundamentais como respeito, humildade e comprometimento com as pessoas que importam para nós.

Afinal se o amor resolve tudo, porque nos importar com todas as outras coisas — todas as partes difíceis?

Mas se, como Reznor, nós acreditássemos que “só amor não é o suficiente”, então compreenderemos que relacionamentos saudáveis requerem mais do que pura emoção ou paixões ardentes. Entenderemos que há coisas mais importantes em nossas vidas e relacionamentos do que simplesmente amar. O sucesso dos nossos relacionamentos depende desses valores profundos e mais importantes.

Três duras verdades sobre o amor

O problema com a idealização do amor é que ela causa o desenvolvimento de expectativas irreais a respeito do que o amor é, na verdade, e o que ele pode fazer para nós. Essas expectativas irreais então sabotam os mesmos relacionamentos a princípio tão queridos por nós. Deixe-me ilustrar:

  1. Amor não é igual à compatibilidade. Só porque você ama alguém não necessariamente essa pessoa é uma boa parceira no longo prazo. O amor é um processo emocional; a compatibilidade é um processo lógico. E os dois não se misturam muito bem.

É possível amar alguém que não nos trata bem, que nos faz sentir pior com nós mesmos, que não nos respeita da mesma forma que o respeitamos ou que tem uma vida tão disfuncional a ponto de ameaçar nos levar para o buraco junto com ele.

É possível amar alguém com diferentes ambições ou objetivos de vida contraditórios aos nossos, alguém com diferentes crenças filosóficas ou visões de mundo conflitantes com o nosso próprio senso de realidade.

É possível amar alguém ruim para nós e nossa felicidade.

Isso pode soar paradoxal, mas é verdade.

Quando penso em todos os relacionamentos que vi ou contados a mim por email, muitos (ou a maioria deles) começaram com base na emoção — eles sentiram aquela “faísca” e pularam de cabeça. Esqueça que ele era um cristão renascido alcoólatra e ela uma bissexual necrofílica usuária de ácido. Parecia ser certo.

E seis meses depois, quando ela jogar as merdas dele na calçada e ele estiver rezando pela salvação dela doze vezes por dia, eles olham ao redor e pensam, “Deus, onde foi que deu errado?”

A verdade é, deu errado antes mesmo de começar.

Quando estiver ficando e procurando por um parceiro, você deve usar não só seu coração, mas também sua mente. Sim, você quer encontrar alguém que balança o seu coração e peida com cheiro de rosas. Mas você também precisa avaliar os valores dessa pessoa, como ela trata a si mesma, aqueles próximos a ela, suas ambições e visões de mundo, em geral. Porque se você amar alguém incompatível com você… bom, assim como o instrutor de ski do South Park disse, you’re gonna have a bad time.

2. O amor não resolve seus problemas de relacionamento. Minha primeira namorada e eu nos amávamos loucamente. Também vivíamos em cidades diferentes, não tínhamos dinheiro para nos ver, nossas famílias odiavam uma à outra, e passávamos por rodadas semanais de drama sem sentido e brigas.

Todas as vezes que brigávamos, voltaríamos para os braços um do outro no dia seguinte para reconciliar e lembraríamos o quão loucos éramos um pelo outro e como nenhuma daquelas coisinhas importavam porque “Meu Deus, nos amamos tanto” e vamos achar um jeito de resolver e tudo ficará bem, espere e verá. Nosso amor fazia com que pensássemos estar resolvendo nossos problemas quando, na prática, absolutamente nada havia mudado.

Assim como pode imaginar, nenhum dos nossos problemas foi resolvido. As brigas se repetiram. As discussões pioraram. Nossa inabilidade em nos entender era um peso constante nas nossas costas. Éramos tão cheios de nós mesmos ao ponto de não conseguirmos nos comunicar efetivamente. Horas e horas falando no telefone com nada realmente dito. Olhando para trás, não havia esperança de que iria durar. Ainda assim continuamos por três fodendos anos!

Afinal, o amor tudo supera, certo?

Sem surpresa alguma, aquele relacionamento entrou em chamas e virou cinzas assim como palha pegando fogo. O término foi feio. E a grande lição aprendida foi isso: enquanto o amor te faz sentir-se melhor sobre seus problemas de relacionamento, ele realmente não soluciona qualquer problema de relacionamento.

É assim que um relacionamento tóxico funciona. A montanha russa de emoções é intoxicante, cada alta é mais importante e válida que a anterior, mas a menos que haja um alicerce estável e prático sob seus pés, essa maré alta de emoções eventualmente virá e levará tudo embora.

3. Nem sempre vale a pena se sacrificar por amor. Uma das características definidoras ao amar alguém é a possibilidade de pensar para além de si próprio e do interesse próprio para ajudar a cuidar de outra pessoa e dos interesses dela.

Mas a questão nem sempre feita é exatamente o que você está sacrificando, e vale a pena?

Nos relacionamentos amorosos, é normal para ambas as pessoas ocasionalmente sacrificarem desejos próprios, o próprio tempo pela outra. Argumentaria que isso é normal e saudável e uma grande parte do que faz um relacionamento tão bom.

Mas quando se trata de sacrificar autorrespeito, dignidade, integridade física, ambições e propósito de vida, só para ficar com alguém, então esse mesmo amor se torna problemático. Um relacionamento amoroso supostamente deveria suplementar nossa identidade individual, não danificá-la ou substituí-la. Se nos encontrarmos em situações onde estamos tolerando comportamentos abusivos ou desrespeitosos, então é essencialmente isso que estamos fazendo: permitindo com que o amor nos consuma e nos negue, se não tivermos cuidado, ele deixará somente a casca da pessoa que éramos antes.

O teste da amizade

Um dos conselhos mais antigos sobre relacionamentos que já foi dito é, “Você e seu parceiro devêm ser melhores amigos.”

A maioria das pessoas olha pra esse conselho apenas pelo lado positivo: Devo passar meu tempo com meu parceiro, assim como faria com meu melhor amigo; Devo me comunicar abertamente com meu parceiro, assim como faço com meu melhor amigo; ou ainda, devo me divertir com meu parceiro assim como me divirto com meu melhor amigo.

Contudo, essa frase deveria ser encarada pelo lado negativo também: Você toleraria o mesmo comportamento negativo do seu parceiro se fosse seu melhor amigo?

Surpreendentemente, quando nos fazemos essa pergunta honestamente, na maioria dos relacionamentos não saudáveis e codependentes, a resposta é “não”.

Conheço uma jovem que acabou de se casar, ela estava loucamente apaixonada pelo marido. E apesar do fato que ele estivera “pulando de emprego em emprego” por mais de um ano, não demonstrar interesse algum no planejamento do casamento, frequentemente a dispensava para ir à viagens de surfe com seus amigos, e os amigos e familiares dela criaram uma impressão “não muito positiva” sobre ele, ela se casou do mesmo jeito.

Mas, tão logo a euforia do casamento passou, a realidade deu as caras. Um ano naquele casamento, ele ainda continua “pulando de emprego em emprego”, ele bagunça a casa toda enquanto ela está no trabalho, fica zangado se ela não cozinha o jantar para ele, e quando ela reclama acaba chamada de “metida” e “arrogante”. Ah, e ele ainda dispensa ela para ir às viagens de surfe com os amigos.

Ela entrou nessa situação porque ignorou todas as três duras verdades sobre o amor destacadas acima. Ela idealizou o amor. Independentemente de ter levado um monte de tapas por todos os alertas sinalizados durante o namoro, ela acreditava que o amor deles significava compatibilidade. Mas não. E agora quando tudo se transformou um monte de merda fumegante, ela se aproximou dos amigos para pedir conselhos sobre como poderia sacrificar a si mesma ainda mais para fazer tudo dar certo.

E a verdade é, não vai dar.

Por que toleramos certos comportamentos nos relacionamentos amorosos, que nunca, nunca, nunca mesmo, poderíamos tolerar em uma amizade?

Imagine se o seu melhor amigo viesse morar com você, sujasse toda sua casa, se recusasse a encontrar um emprego para pagar o aluguel, exigisse que você cozinhasse o jantar, e ficasse bravo e gritasse toda vez que você reclamar. Essa amizade teria acabado mais rápido do que a carreira de atriz da Paris Hilton.

Ou outra situação: a namorada de um cara que é tão ciumenta que exige as senhas de todas as contas dele e faz questão de acompanhá-lo em todas as viagens de trabalho para ter certeza que ele não vai ser tentado por outra mulher. Essa mulher era tipo a NSA. A vida dele estava sob vigilância 24/7 e isso prejudicava sua autoestima. Seu valor próprio caiu pra zero. Então ele parou de confiar em si mesmo para fazer qualquer coisa.

E mesmo assim ele continua com ela! Por quê? Porque ele a ama!

Lembre-se disso: O único jeito de aproveitar completamente o amor é escolher tornar alguma coisa da sua vida mais importante do que o amor.

Você pode se apaixonar por uma variedade imensa de pessoas durante a sua vida. Você pode gostar de pessoas que são boas pra você e que são ruins pra você. Você pode se apaixonar de jeitos saudáveis ou não saudáveis. Você se apaixona quando é jovem, mas também quando é velho. O amor não é único. Não é especial. Não é escasso.

Mas o seu respeito próprio é. Assim como a sua dignidade. A sua habilidade em confiar. Podem existir muitos amores em potencial durante a sua vida, mas uma vez que você perdeu seu respeito próprio, sua dignidade ou sua habilidade em confiar, elas são difíceis de reconquistar.

O amor é uma experiência maravilhosa. É uma das maiores experiências que a vida tem pra oferecer. E é algo que todo mundo deveria aspirar sentir e aproveitar.

Mas como qualquer outra experiência, ela pode ser saudável ou não. Como qualquer outra experiência, isso não deve ter a permissão para nos definir, definir nossas identidades ou nosso propósito de vida. Não podemos deixar isso nos consumir. Não podemos sacrificar nossas identidades ou valor próprio por isso.

Porque no momento em que o fizermos, perderemos o amor e perderemos a nós mesmos.

Mas só amor não é o suficiente.

Texto original escrito por Mark Manson.

Traduzido por Isabela Silva e Paulo André Silveira Jr.

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