Pingue-pongue Wayra: Livia Brando, nova Country Manager da Wayra no Brasil

Wayra Brasil
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11 min readAug 12, 2020
“Temos um ecossistema mais maduro, que concorre em nível internacional. Quero aproveitar esse bom momento para incentivar sinergias entre as startups e as grandes companhias”, promete Livia Brando, nova Country Manager da Wayra no Brasil.

Imagine uma profissional que trabalha a própria carreira como se fosse uma startup. Livia Brando, nova Country Manager da Wayra Brasil, transformou a paixão por inovação e tecnologia em profissão, “pivotando” seus passos a cada nova oportunidade. Natural do sul de Minas Gerais, ela conta ter “virado a chave” para a atuar com inovação quando se mudou para a São Paulo, sete anos atrás. “Tenho essa capacidade de me adaptar rapidamente, principalmente porque percebi que ia aumentar meu potencial de aprendizado”, reflete Livia em entrevista ao blog da Wayra.

A executiva assume a liderança do hub de inovação aberta da Vivo no Brasil depois de quase uma década atuando com pesquisa de mercado e inovação nas indústrias de petróleo & gás, biocombustíveis e energia. “Sou apaixonada por inovação e tecnologia, talvez por isso tenha me encontrado tanto nessa área”, completa.

Formada em administração pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) e com MBA em gestão empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), Livia nunca parou de aprender, seja com cursos como o de Private Equity e Venture Capital que fez na Insper e na Bocconi ou com as experiências do dia a dia, que incluíram criar e liderar as iniciativas de Corporate Venturing da multinacional de energia EDP no Brasil.

Animada com a chegada à Wayra, Livia apenas lamenta que a estreia tenha que acontecer de forma socialmente distanciada, por conta da pandemia. “Esse novo desafio tem tudo a ver com o meu propósito pessoal de gerar impacto no sistema empreendedor. Já avaliei e engajei com muitas startups, sei quais são suas principais dificuldades e os desafios da relação delas com as corporações, e quero trazer essa minha experiência para ajudar a reduzir o atrito dessa relação”, promete.

Relembrando as mudanças substanciais das iniciativas de inovação aberta no Brasil nos últimos anos, Livia destaca o grande amadurecimento das startups e das grandes empresas. “Hoje temos um ecossistema mais maduro, que concorre em nível internacional, como podemos ver pelos dados de valuations, investimentos, IPOs e unicórnios. Estamos surfando uma boa onda e quero muito aproveitar esse bom momento para incentivar sinergias entre as startups e as grandes companhias, como a Telefônica/Vivo”, avisa a country manager.

Confira abaixo mais detalhes da nossa entrevista com a Livia Brando:

Wayra: Você foi responsável por criar um programa de aceleração de startups na EDP, sua última parada antes da Wayra. Pode contar quais foram seus principais aprendizados?
Livia Brando: Estruturei toda a área de inovação, que ainda não existia. Foi como ganhar uma folha em branco: pude usar minha experiência de gestão em um ambiente aberto para criar e trazer novas ideias. Foi um processo muito interessante, que envolveu muito estudo e pesquisa, época em que a Wayra foi inclusive um dos benchmarks. Também investiguei muito o cenário de startups de Portugal, onde há bastante desenvolvimento em termos de políticas públicas e privadas de inovação.

“Um dos meus principais aprendizados é que é preciso ter uma estratégia muito clara do motivo para investir em inovação.”

Inovar se tornou uma questão de sobrevivência e sustentabilidade para os negócios, e muitas empresas têm percebido o mesmo, me procurando em busca de referências para os primeiros passos na inovação aberta também.

Da minha experiência, uma parte primordial dessa definição de estratégia de inovação aberta inclui analisar as tendências globais de comportamento do consumidor e observar atentamente o que está acontecendo no setor de atuação para definir macro temas e subtemas de oportunidades. Isso ajuda a encontrar parceiros que possam se encaixar em duas vertentes: 1) buscar oportunidades para novos modelos de negócios capazes de gerar novas fontes de receita; e 2) buscar soluções que possam otimizar as operações, ativos, reduzir custos ou melhorar qualidade ou experiência do cliente.

Tendo isso claro, o desafio final acaba sendo comunicar isso ao mercado e testar as soluções, porque tem muitas startups com soluções que não são o core do negócio da corporação, mas que podem ser adaptadas aos negócios e ao mercado e ter fit entre as startups e as corporações.

Os programas de inovação também vão pivotando, ajustando e se adaptando para encontrar o formato adequado de parcerias. Lembro que em 2017, rodamos um programa de aceleração, voltado para startups em estágios iniciais, mas observamos que muitas delas não tinham robustez para atender uma grande empresa. Foi um grande aprendizado, e a partir da segunda edição ajustamos nossa tese para nos engajar com startups mais maduras, com mais potencial de geração de negócios. Com isso, nosso diagnóstico tinha mais qualidade, com um programa mais curto, a partir do qual já direcionávamos claramente como fazer a parceria entre startup e empresa. Alguns casos viravam fornecedores, outros iam para P&D, ou até para um aprimoramento e desenvolvimento conjunto de roadmap e discussões de investimento. Só que em 2018, eu ainda não tinha instrumentos adequados para essa etapa final da cadeia que pode se utilizar de investimento em equity. Foi então que que vi a clara oportunidade de desenvolver um Corporate Venture Capital local. A corporação utilizava o M&A para grandes projetos e parcerias, o que não é o ideal para startups. Por isso, sempre digo que não existe receita de bolo — toda estratégia de inovação aberta depende do estágio de maturidade da empresa e do desenvolvimento de instrumentos de corporate venture adequados aos seus objetivos estratégicos.

W: Você se lembra da primeira vez que teve contato com o tema de Corporate Venture Capital? Qual era a sua impressão naquela época?
LB:
Eu conhecia a metodologia, porque a matriz da EDP, em Portugal, tinha fundos operando globalmente, mas sem uma equipe dedicada ao mercado local era difícil conhecer os empreendedores e complicado conseguir investimentos no Brasil. Quando percebi essa lacuna e a dificuldade de usar o CVC internacional, pensei em criar um CVC no Brasil, focado em iniciativas brasileiras e latino-americanas. Toquei esse projeto em paralelo aos programas de aceleração e fui entender os desafios de criar um veículo de investimento em capital de risco. Com o apoio da matriz, definimos uma tese de investimento alinhada com os objetivos estratégicos de inovação, propondo tickets médios de investimento em startups em fase de tração (investimentos de R$ 500 mil a 3 milhões, com possibilidade de follow on, o que permitia investimentos de Seed até Series A). Foi assim que fundei a EDP Ventures Brasil em dezembro de 2018, sendo o primeiro Corporate Venture Capital focado no setor de energia no Brasil. O funil que tínhamos criado por meio das iniciativas de engajamento com startups já gerava um pipeline natural de investimentos, além de mantermos uma busca ativa no mercado, bem como um bom relacionamento com fundos de Venture Capital e de Corporate Venture Capital, com os quais tivéssemos sinergias entre as teses. Foi nessa época que eu virei a chave e pensei: “É isso, quero me dedicar à Corporate Venture Capital”.

W: Pra você, qual a importância dos processos de inovação aberta para as grandes companhias?
LB:
Inovação aberta é um conceito amplo, que remete a se relacionar para além das fronteiras corporativas e fazer parcerias com fornecedores, corporações, instituições de pesquisa acadêmica, consultorias, startups, fundos de investimento, formando uma rede de inovação que combina o conhecimento interno com externo e abre novas oportunidades. Essa dinâmica é mais atual, porque hoje ninguém faz nada sozinho. Se antes as empresas se preocupavam em manter em segredo o que estavam desenvolvendo, buscando patentes e usando metodologias pautadas em P&D, hoje a dinâmica é outra, muito mais colaborativa e dinâmica.

"A inovação aberta é uma alavanca que se alinha muito mais com o que está acontecendo hoje no mercado, em uma busca por sinergias."

As startups, nesse cenário, complementam elos específicos das cadeias corporativas. Elas já nascem digitais, voltadas à dados, que é o que as corporações estão buscando. Criar um novo setor dentro da corporação para adquirir essa expertise e desenvolver uma solução seria muito demorado. É a necessidade de velocidade do mercado que faz com que empresas mais avançadas — como a Vivo, Microsoft, Embraer e outras — usem iniciativas de Corporate Venturing para evoluir de forma mais ágil. São feitas apostas em várias soluções e então evolui-se para um tiro mais certeiro: investir pouco em muitas, analisar resultados e hipóteses, acompanhar a capacidade de execução da startup e seus empreendedores e, se ela se tornar estratégica, há a possibilidade de participação na empresa como um parceiro estratégico, além de uma potencial opção compra lá na frente. Essa é a grande vantagem para ambas as partes.

W: Nesses últimos quatro anos que atuou na área de inovação, o que sente que mudou na relação entre grandes corporações e startups?
LB:
Poucas empresas tinham processos de inovação aberta bem estruturados há quatro anos, podia contar nos dedos. Hoje, mais empresas apostam em inovação aberta. Lembro de quando você apresentava uma startup para uma corporação e existia muito receio, porque a empresa via a startup como um ataque, um risco de ser substituída ou de ter seu mercado canibalizado ao fazer uma parceria.

"Felizmente, agora estamos em um outro nível de maturidade dos players e do próprio ecossistema. O alinhamento de interesses entre investidores e startups está mais claro e as relações mais equilibradas."

Existe bastante dinheiro e liquidez disponível no mercado, apesar da crise que vivemos. Por isso, as startups devem escolher bem quem serão seus parceiros estratégicos, buscando pelo smart money, aquele que vai realmente agregar valor ao negócio, além do investimento financeiro. Ambas as partes tem seus interesses, por isto, o alinhamento e transparência são fundamentais ao se estabelecer uma relação de parceria, especialmente se puderem consolidar uma estratégia clara dos motivos para investir. Isso vai gerar um ecossistema cada vez mais favorável.

W: O que as startups precisam ficar de olho para conseguir interagir com clientes e parceiros de grande porte?
LB:
É importante analisar qual é a melhor porta de entrada e avaliar se a corporação já entende inovação aberta de uma forma mais madura. “Da porta para dentro”, o que eu sugiro é se preparar. Ao falar com uma grande empresa, é preciso conhecer sobre o negócio dela e propor a aplicabilidade do seu produto em determinado processo ou negócio. Digo isso porque às vezes apenas apresentar a solução da startup não deixa clara a aplicação, como ela resolve a dor daquele cliente. Ou seja, é importante ser claro, explicar que entende o problema do setor, que tem uma chance de trazer soluções e deixar aberta a oportunidade de trabalharem juntos.

Sempre que possível, também costumo aconselhar realizar um teste, uma prova de conceito ou um projeto piloto, porque isso demonstra qual impacto a solução pode gerar, além de tratar sobre os requisitos mínimos, que recursos ou capacidades seriam necessários por parte da empresa até destacar os desafios que podem existir, em termos de tecnologia ou outros quesitos. Nesse momento, é crucial definir quais as métricas de sucesso a serem perseguidas com o teste. Nem sempre deve-se ter foco somente sobre o retorno sobre o investimento (ROI), porque muitas vezes é difícil validar esta métrica encima de uma prova de conceito, mas sim ter um roadmap claro de como evoluir até alcançá-la. Esse seria meu conselho.

W: O que você espera poder fazer pela inovação aberta no Brasil nos próximos anos?
LB:
Pretendo fomentar o empreendedorismo local e ajudar empresas de tecnologia a crescerem tendo por trás o apoio de uma grande corporação como o Grupo Telefónica, capaz de gerar inúmeros benefícios na relação com as startups. Com a minha bagagem e experiência espero contribuir nas parcerias de inovação aberta, tendo como objetivo gerar negócios e novas aprendizagens entre corporações e startups. Além disso, poder passar conhecimento adiante e gerar conexões faz parte do meu propósito pessoal — sempre me dedico a participar de mentorias, de palestras, em trazer diferentes perspectivas sobre temas que eu possa ajudar e também aprendo muito nestas trocas. Acredito que existe aqui uma relação de ganha-ganha e give back que são muito importante de serem mantidas para um círculo virtuoso.

W: Você será a primeira mulher Country Manager da Wayra, depois de 8 anos de existência da iniciativa no Brasil. Como você enxerga isso?
LB:
Já era hora! Vejo isso também como um movimento natural, porque estamos em um momento das mulheres.

"A presença feminina no mercado nunca foi tão falada, e vejo as empresas engajadas com esse tema, comprometidas por meio de programas de diversidade e inclusão. Afinal, já está provado que mais diversidade gera mesmo mais valor, e eu tenho vivido isso na prática."

Em se tratando de equidade de gênero, apesar de ainda haver um longo caminho pela frente olhando para o mercado de forma geral, as mulheres já têm muitas conquistas a celebrar e as dificuldades atualmente são bem menores do que eram no passado. Ainda temos muitas questões, como conseguir balancear a vida pessoal, maternidade e carreira, mas hoje as empresas estão abrindo espaço para que você possa ser quem realmente é também no trabalho. Vejo isso nos valores e propósito da Vivo, esse olhar para o perfil pessoal, para as competências, para o que se pode agregar.

Na minha trajetória pessoal, muitas vezes, sentei em mesas de reunião sendo a única mulher, e isso não faz tanto tempo assim. Hoje, vejo mais cuidado com esse equilíbrio, até mesmo nos eventos, nos podcasts, nas lives. Quando passamos a conviver com mais diversidade, passamos a perceber a importância de ter acesso a diferentes perspectivas. Por exemplo em comitês ou conselhos executivos que tenham sido formados majoritariamente por membros masculinos no passado e passam a integrar mulheres. Para se atingir uma posição neste nível, a mulher precisa ser tão ou mais competente que os demais e o grupo percebe que ela tem uma perspectiva e um cuidado diferente, e as discussões passam a ser mais ricas. Consequentemente, por meio do convívio todos passam a dar mais valor e credibilidade para a diversidade.

Estou bem feliz em ver esse movimento ganhando força também no ecossistema empreendedor. Apoio essa causa como um propósito pessoal também, mentorando outras mulheres que estão começando, especialmente em posições de liderança feminina. Se apoiar é importante, porque convivemos com as mesmas dificuldades. Fico contente de chegar inclusive depois de uma gestão interina da Carolina Morandini, que fez um belíssimo trabalho gerindo a Wayra, que é um Corporate Venture Capital de referência. Quero contribuir para manter esse nível de excelência e honrar o trabalho que tem sido feito até hoje.

W: Quem te inspira a seguir adiante?
LB:
São muitas pessoas e personalidades, cada uma com um traço ou ponto de personalidade que me inspira. Alguns dos grandes, como Larry Page, por exemplo, tem uma visão de negócios fantástica. Steve Jobs, pela obsessão pelo design, que colocou a Apple em um novo patamar. Elon Musk me inspira ao se dedicar a fazer o que parecia impossível com a SpaceX. No Brasil, a Luiza Trajano é uma liderança feminina que mudou completamente o e-commerce nacional. Agora na quarentena, tenho visto ela sempre otimista, enxergando oportunidades. Gosto do que ela diz que o Magazine Luiza se reinventou realmente quando parou de reclamar e passou a ver nos problemas uma oportunidade de mudar. Tem ainda o Masayoshi Son, fundador do Softbank, que tem uma origem humilde, mas que pode contar com conselhos e networking que mudaram o rumo da sua vida. Isso me lembra que podemos chegar onde quisermos se tivermos bastante esforço e um pouco de sorte.

Pessoalmente, me inspiro muito na figura do meu avô, que se dedicou a começar a faculdade de direito com mais de 40 anos. Ele viajava mais de duas horas por dia para frequentar as aulas e se formou como o aluno mais assíduo da sua turma. Acho que, no final, toda história que acaba me marcando também me inspira de alguma forma.

W: Tem algum conselho para empreendedores, investidores ou parceiros interessados em fazer negócios com a Wayra daqui por diante?
LB:
Quero manter o canal aberto com todos os empreendedores e fundos que se engajam com startups, para que possamos juntos buscar sinergia nos negócios. E se você estiver nesse momento com alguma dúvida sobre seus próximos passos, seja como empreendedor, executivo ou investidor, meu conselho é que você faça planos e tenha metas de vida. É muito difícil saber se você está bem ou o quanto falta para chegar lá se não tiver bons referenciais. Ter isso em mente vai te ajudar a manter a determinação, o esforço e a resiliência que a gente precisa para caminhar adiante. Podemos sempre tentar olhar para as situações desafiadoras como “copos meio cheios”. Uma dose de otimismo não faz mal a ninguém. Não fosse isso, não estava eu aqui, migrando minha carreira bem no meio de uma pandemia e uma crise econômica. A volatilidade sempre traz oportunidade, e eu estou muito animada para ver o que vem por aí.

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