Pingue-pongue Wayra: Rafael Belmonte, da Netshow.me, startup que deslanchou com seu serviço de streaming corporativo

Wayra Brasil
Wayra Brasil
Published in
10 min readJul 20, 2020
"A Wayra foi como uma escola na qual aprendemos conceitos que não conhecíamos, nos questionamos coisas que não havíamos nos perguntado ainda. Essa educação, como empreendedor, foi muito importante, e também tivemos muitas novas oportunidades comerciais, de novos contratos mesmo, inclusive com a própria Telefônica.", comenta Rafael Belmonte.

A ideia de empreender já estava na cabeça de Rafael Belmonte desde cedo. Sempre brincando com jogos que simulavam ter a própria fazenda ou a própria empresa, um dos seus sonhos era construir algo com o próprio esforço e ver a ideia crescer e se expandir. Tanto é que lhe pareceu natural ingressar no curso de administração de empresas na Fundação Getúlio Vargas — afinal, ia precisar saber como gerir seu futuro empreendimento. Entre diversos projetos estudantis, que incluíram a fundação da GVentures, aceleradora de projetos voltada para os alunos da instituição, conheceu o seu atual sócio, Daniel Arcoverde, e tiveram juntos uma ideia que tinha tudo para dar certo: criar uma plataforma de financiamento coletivo de transmissões ao vivo para o mundo da música. Entre uma aula e outra, Belmonte e Arcoverde idealizaram o que viria a se tornar a Netshow.me. “Passei dois anos trabalhando em fundos de investimento, mas abandonei tudo para fundar a startup”, relembra Belmonte.

Com perfis complementares, os fundadores listados pela Forbes como jovens influentes abaixo dos 30, se dividem na liderança da startup. Belmonte fica na linha de frente, tratando do relacionamento com os clientes e a prospecção de novos negócios, enquanto Arcoverde se dedica a gerir os bastidores, cuidando do desenvolvimento de produto, da infraestrutura, do financeiro e do jurídico. “Temos competências parecidas, mas complementares. Brinco que se ele for a ordem, eu sou o progresso, e não adianta um sem o outro: não dá para deixar de avançar, mas o negócio não pode crescer de forma desestruturada”, descreve o empreendedor.

Hoje, com 30 anos e uma sólida carteira de grandes clientes — como Santander, Oracle, Telefônica, Accenture, Leroy Merlin, Discovery Channel e outros — Belmonte está realizado. Chegar até esse momento, contudo, exigiu se dispor a mudar o público dos negócios. Foi dentro do programa da Wayra que a Netshow.me pivotou para atender o mundo corporativo, criando um serviço OTT (do inglês ‘over the top’) que permite que as empresas sejam proprietárias dos seus canais de distribuição de conteúdo digital. “Nos tornamos uma nova empresa. Com o mesmo nome, os mesmos fundadores e a mesma tecnologia, mas um novo público”, reflete Belmonte.

Depois de mudar a estratégia (pivotar), a startup decolou. Com o crescimento da busca por transmissões online por conta da pandemia, a Netshow.me viu um crescimento de 425% em suas oportunidades nos últimos meses. “São muitas as empresas querendo soluções como a nossa”, conta o fundador da startup.

Confira abaixo a íntegra* da conversa com Rafael Belmonte.

Wayra: Como a Netshow.me surgiu? Qual foi a inspiração de vocês para criá-la?
Rafael Belmonte:
Eu e o Daniel Arcoverde [co-fundador da Netshow.me] idealizamos a empresa em 2011, quando éramos alunos da Fundação Getúlio Vargas. Estávamos conversando e elogiando uma matéria do Valor Econômico sobre o crescimento de uma empresa norte-americana chamada StageIt, que existe até hoje, que era uma plataforma de transmissão ao vivo para o universo da música. Essa plataforma ajudava músicos independentes a fazerem apresentações remotas, do sofá das suas casas, monetizando essa transmissão. Ou seja, as pessoas que assistiam podiam pagar um ingresso para assistir aquele show ou até fazer doações diretas para o artista. Na época, pensamos que isso tinha muito potencial para dar certo no Brasil. O que existia naquele tempo, por volta de 2013 ou 2014, era o TwitCam [serviço que transmitia vídeos para o Twitter], e estávamos vendo surgir plataformas de financiamento coletivo, como Catarse, Kickante e similares. Nossa ideia era juntar essas duas tendências — a transmissão ao vivo e esse financiamento coletivo — criando um conceito de “live funding”, que era um financiamento da live. Em 2013, conseguimos operacionalizar a ideia, e ficamos dois anos e meio totalmente focados no universo musical. Fizemos mais de 3 mil shows online ao vivo, e em 2016 começamos a pilotar o que seria um modelo de negócios voltado para o ambiente corporativo, que percebemos que estava sedento de opções de transmissões ao vivo mais profissionais. Quando percebemos a viabilidade, pivotamos o negócio, focando no público B2B e atendendo grandes empresas.

W: Ou seja, o problema que vocês ajudam a resolver acaba sendo exatamente essa profissionalização das transmissões corporativas, certo?
RB:
Exatamente. O que a gente costuma falar é que profissionalizamos a distribuição e o consumo de conteúdos digitais nas corporações.

W: E você se lembra como foi conquistar o primeiro cliente?
RB:
Sim, eu lembro do nosso primeiro cliente como B2B, que foi uma transição muito legal, porque era exatamente uma empresa do ramo da música. Era final de 2015, e o Napster nos contatou. Eles estavam com uma joint venture com a Vivo Música, e por estarmos na Wayra, dentro do grupo Telefônica, conseguimos nos conectar com eles e vender uma licença, fechando nosso primeiro projeto corporativo. Foi nesse momento que pensamos, “opa, é bem legal trabalhar com empresas”. A Napster nos pagou para fazer uso da nossa tecnologia. Foi o que fez com que a gente meio que “destravasse” para trabalhar com o mercado corporativo. Lembro que ficamos super entusiasmados. Quando paramos para avaliar o que tinha dado certo, como tínhamos gerado valor e o motivo da Napster ter nos contratado, percebemos que eles não podiam naquele momento usar outras plataformas do mercado, como o YouTube, e precisavam de uma opção que pudesse ser personalizada. Eles queriam não só conhecer a audiência, mas também monetizar a transmissão. Não existiam outras plataformas que pudessem fazer aquele serviço. Fomos percebendo que outras empresas tinham a mesma dor — o desejo ou a necessidade de criar seu próprio canal de distribuição de conteúdo digital. Assim, decidimos fazer essa mudança.

W: Quando foi que você teve o clique de perceber que a Netshow.me tinha passado de ser apenas uma ideia para se tornar realmente uma empresa?
RB:
Eu tenho muito claro quando foi esse momento. Eu parei e refleti “opa, isso daqui deixou de ser uma brincadeira”. Foi quando passamos a atuar com o setor corporativo, atendendo contas gigantescas. A primeira dessas contas gigantescas foi a Embraer, uma empresa militar, aeronáutica, que fez o lançamento de uma aeronave usando a nossa tecnologia. Foi nesse dia que eu parei e pensei: uau, temos mesmo uma empresa. Fiquei incrédulo por um tempo, pensando como é que tínhamos conseguido assinar aquele contrato. Eu tinha 26 anos, a empresa tinha três anos de vida, e eu estava ali, fazendo o lançamento global de uma aeronave.

W: Qual foi o principal aprendizado que você destacaria nessa sua jornada empreendedora?
RB:
O timing, o momento é muito importante. Imagina, toda essa história que estou contando, desde quando a gente começou, lá atrás, em 2013. Se não tivéssemos tido resiliência, não teríamos chegado onde estamos agora, em 2020, quando uma pandemia que ninguém podia prever acelerou muito o nosso mercado. Nos últimos meses, temos visto transmissões online de grandes nomes da música batendo 4 milhões de visualizações. Tem dias que a gente olha e pensa: caramba, isso que está acontecendo hoje, idealizamos sete anos atrás. Você viu as doações na live da Marília Mendonça? A gente já tinha isso desde aquela época. Por isso, é incrível poder ter a tecnologia correta no momento certo. A gente entende muito as dores de quem está fazendo essas lives hoje em dia. Somos calejados, passamos por muita coisa. Muitos entusiastas que estão chegando nesse ramo de transmissões online agora estão tendo péssimas experiências, porque estão passando pelos desafios do “arroz com feijão”, coisa que superamos lá em 2014, 2015. Hoje temos muito mais experiência, sabemos o que dá ou não certo. Se você soubesse o tanto de entusiasta traumatizado com as suas próprias lives que vem nos procurar… Pessoas que nos dizem que colocaram o CEO global para falar e a transmissão caiu, e nos pedindo ajuda para viabilizar a próxima transmissão que vão fazer. Eu diria que o mercado que nos procura hoje está dividido entre os traumatizados e os inovadores. São pessoas que tentaram fazer a transmissão sozinhas, não deram conta e se traumatizaram com as dificuldades e aquelas que estão dispostas a inovar e querem fazer do jeito certo.

W: O que você sentiu que mudou ao fazer parte do portfólio Wayra?
RB:
Conseguimos destravar muitos contratos e também ganhamos maturidade como empreendedores. A Wayra foi como uma escola na qual aprendemos conceitos que não conhecíamos, nos questionamos coisas que não havíamos nos perguntado ainda. Essa educação, como empreendedor, foi muito importante, e também tivemos muitas novas oportunidades comerciais, de novos contratos mesmo, inclusive com a própria Telefônica. Outra coisa importante é que pivotamos dentro do programa da Wayra. Quando chegamos, éramos um business B2C, ainda começando o B2B. E desde então, somos praticamente outra empresa, que se iniciou em 2016, o ano seguinte da nossa entrada na Wayra. Seguimos com o mesmo nome e fundadores, com a mesma tecnologia, mas agora atendendo a um novo público. Nessa nova toada, estamos crescendo com velocidade: nos primeiros anos [depois de entrar na Wayra] crescemos cinco vezes, depois três vezes e hoje estamos dobrando de tamanho a cada ano. Para 2020, a nossa meta era dobrar de tamanho, mas devido ao impulso que ganhamos com a COVID-19, provavelmente iremos triplicar.

W: Se pudesse voltar atrás, tem algo que faria de diferente?
RB:
Acredito que tomamos as melhores decisões com as informações que tivemos acesso em cada momento. Poderia dizer que teríamos mudado para o formato B2B mais rápido, mas com as informações que tínhamos, ficar dois anos e meio atuando no ramo da música fez parte do nosso processo. Precisávamos ter passado por aquilo para encontrar novas oportunidades e saber nos adaptar. Claro, se eu fosse efetivamente mudar algo, era isso que eu teria feito: teria pivotado antes, porque era difícil conseguir “rampar” no Brasil atuando naquele formato. São raros os casos de sucesso, e talvez a gente tivesse gastado tempo demais tentando fazer virar aquele modelo B2C.

W: Tem alguém, uma personalidade, que te inspire?
RB:
No Brasil, me inspiro em grandes empreendedores, como o Flávio Augusto (Wise Up e Orlando City), gosto muito também do Jorge Paulo Lemann. São caras que me inspiram muito, especialmente pelas suas políticas, formatos de gestão, e capacidades de liderança. Fora do Brasil, gosto muito do espírito de gestão do Richard Branson (Virgin), que também tem uma grande determinação em construir diferentes modelos de negócios no mesmo pilar. O Elon Musk, acho que é um pouco unânime, porque ele está causando uma enorme disrupção no que está fazendo. O nível do desafio que o Musk se propôs a se comprometer a levar o homem para Marte é absurdo. Ele subiu muito a régua do nível de desafio de si mesmo, como um empreendedor.

W: Empreender no Brasil, pra você, é um desafio? Teve alguma barreira que você sentiu que teve que superar?
RB:
Eu costumo pensar que o cenário está aí, é algo que eu não consigo mudar, então sempre tento buscar o que eu posso fazer, em vez de tentar justificar fracassos por conta de governos ou de políticas. Claro, tem dias que a sensação é de tentar subir uma escala rolante que está descendo, mas sempre tento retomar para um pensamento de “o que eu posso fazer para superar isso?”. Mas se fosse citar um desafio, acho que o maior deles é conseguir trazer gente qualificada e talentosa tendo pouco recurso. Não tem desafio maior que esse, que é conseguir tirar profissionais talentosos de boas oportunidades do mercado para vir trabalhar no seu sonho, pagando às vezes um quinto do que ele ganha, porque alguém assim só vem com a gente por acreditar no negócio. Exige uma habilidade interpessoal, uma persuasão e uma paixão gigante para conseguir isso.

W: E olhando para fora do Brasil, a Netshow.me já pensa em atuar internacionalmente? Qual o principal desafio rumo à essa escalada global?
RB:
Pensamos nisso sim. Como muitos empreendedores brasileiros, acreditamos que o mercado nacional é grande o suficiente para ter uma longa jornada por aqui. O que temos que ponderar é se vale dar um passo maior que a nossa perna para assumir uma posição global, sob o risco de talvez desestruturar a operação. Será que não seria melhor focar em fazer bem feito aqui, ganhar espaço e aí crescer? O desafio, para a gente, é encontrar um bom momento para atuar internacionalmente. Será que já estamos na maturidade nacional para sair do país? Em todo caso, está claro para nós que nossa estrutura poderia facilmente ser operacionalizada fora. Tivemos várias oportunidades de trabalho com clientes globais, sendo o contrato nacional, mas a entrega internacional. Por isso, é muito mais uma questão de foco nosso. Ainda temos muito o que fazer para nos tornarmos uma referência no Brasil, e assim que chegarmos neste ponto, estamos prontos para ter representatividade global.

W: E se quem estiver lendo essa entrevista com você fosse uma startup que está considerando se aplicar para uma oportunidade no portfólio da Wayra, que conselhos você daria?
RB:
Recomendo que você tenha bons parceiros ao seu lado. Isso é crucial. Não ter apenas parceiros que fiquem só dando “tapinha nas costas”, mas quem possa colocar mesmo o dedo na ferida, mostrando a você o que você está deixando de lado, ou onde está pecando. É preciso ter também a capacidade de olhar para fora da caixa, sair do viés apenas da operação, que é onde muito empreendedor acaba ficando. Estamos tão comprometidos em entregar que acabamos não vendo outras oportunidades. Por isso, contar com a Wayra ao seu lado, te ajudando a ver oportunidades além do seu cotidiano, além da sua “trincheira”, é muito importante. E, é claro, há o benefício de ser uma organização global, o que dá um respaldo muito grande. Por muitas vezes, falar que eu era uma empresa da Wayra, que eu era parte do portfólio da Telefônica, foi meu argumento de vendas várias vezes. Posso dizer que mais do que isso, a Telefônica é minha cliente, e não apenas minha investidora. Mas certamente, para quem está em um estágio mais inicial, poder dizer isso faz toda a diferença.

*Alguns trechos foram editados para deixá-los mais concisos e com clareza.

--

--