Aprendendo japonês (ou não) com videogames - Castlevania: Symphony of the Night

Nintakun
We Jab You
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22 min readAug 15, 2018

“MORRA, SEU MONSTRO! Você não pertence a este mundo!”

Lançado em 1997 e celebradíssimo até hoje como talvez o melhor jogo da série, “Castlevania: Symphony of the Night” não só é um marco pra história de Castlevania como foi um dos jogos mais aclamados de sua época e traz consigo talvez um dos diálogos mais icônicos da história dos videogames, que está em sua cena de abertura (que na verdade é o final do jogo do qual ele é sequência direta, “Rondo of Blood”, de 1993, originalmente lançado para o PC Engine exclusivemante no Japão).

Porém, dando uma observada na versão japonesa do jogo, notei que esse diálogo é consideravelmente diferente da versão em inglês que a maioria de nós jogou, ouviu e provavelmente recitou de cór até dizer chega. Então o que eu vim fazer aqui hoje é essencialmente comparar as duas versões e mostrar as diferenças e liberdades que tomaram na tradução do jogo para o inglês. Eu não sou fluente em japonês apesar de ter certo conhecimento do idioma, então caso eu cometa algum equívoco nesse texto, por favor, sinta-se à vontade pra me corrigir.

PORÉM, antes da gente começar, só queria tirar isso da frente logo e falar um pouquinho do título japonês do jogo, porque ele é bem interessante. Ele foi lançado no Japão como 悪魔城ドラキュラX 月下の夜想曲, que se lê como “Akumajou Dracula X: Gekka no Yasoukyoku”, que pode ser literalmente traduzido como “O Castelo Do Mal do Drácula X: O Noturno sob o luar”.

Parte 1- O título e simbolismos musicais no castelo do vampirão.

a tela de título da versão japonesa do jogo

Talvez você já saiba dessa informação, mas “Castlevania” no Japão se chama “Akumajou Dracula” e existe uma composição engraçada na palavra “Akumajou” e ela é uma palavra inventada, da mesma maneira como “Castlevania” não é uma palavra de verdade. Akumajou/悪魔城 é composto por três kanjis, e os dois primeiros (悪魔) são a palavra “akuma”, que pode ser traduzida como “demônio”, já o terceiro (城), é o kanji que se refere à ideia de “Castelo”. Quando ele está sozinho, é lido como “shiro” (lembram do filme do Studio Ghibli lá, o “Howl Ugoku no Shiro”?), e já quando está acompanhado de outros kanjis numa mesma palavra, ele se lê como “jou”. Ou seja, temos aí a palavra “Akumajou” nessa loucura toda, que pode ser traduzido como “Castelo Demoníaco”, o que soa bem apropriado pro nome do castelo onde Drácula e seus servos esperam pela família Belmont, não é?

Suponho que eu não precise explicar o “Dracula” (ドラキュラ), mas o “X” logo depois certamente se deve ao fato de que esse jogo é sequência direta de Rondo of Blood, que em japonês também levou o “Akumajou Dracula X” no título, o que deixa bem nítido que esses dois jogos fazem parte de uma “duologia Dracula X” importante dentro da cronologia da série e esse fato, me leva ao próximo ponto, que é o subtítulo do jogo.

Gekka no Yasoukyokyu” (月下の夜想曲)é uma expressão composta por duas palavras, gekka (月下) e yasoukyoku (夜想曲) (o “no”/の é uma partícula que indica a noção de posse no japonês. É basicamente o nosso “do” e similares). “gekka” é composto de dois kanjis, o primeiro deles (月) se refere à ideia de “lua”, e o segundo (下), se refere a ideia de “abaixo”, ou seja, juntando tudo, pode-se dizer que temos “sob o luar” ou sob a luz da lua se preferir. Tudo tranquilo até aqui e sem grandes mistérios, agora vamos pra parte mais interessante desse título…

Yasoukyoku”, é composto por três kanjis. O primeiro deles, 夜 (aqui se lê como “ya”), se refere à ideia de “noite”. O segundo, 想 (“sou”), a “conceito”. E o terceiro, 曲 (“kyoku”), a “melodia”, “composição”.

Pausa rápida para um aviso: quanto ao significado desse último kanji, não confundir com 歌 (“uta”), que pode ser traduzido como “canção”, se referindo nitidamente a músicas cantadas (palavra essa que em inglês vira “song”, e não “music”). Existe uma outra palavra a ser observada nisso também que é 音楽 (“ongaku”), que se refere a “música” de forma geral. 曲 (“kyoku”) é bem específico pra se referir exatamente à composição e à melodia de uma música.

Ou seja, 夜想曲 (yasoukyoku) seria uma “música da noite”? Basicamente, e isso tem um nome bem específico no mundo da música, e este seria “noturno”. que é um tipo de composição musical que se originou no século XVIII e tem como objetivo evocar o sentimento da noite em uma música. Não coincidentalmente, a trilha sonora quase inteira do jogo pode se encaixar nisso, ainda que as faixas sejam muito diferentes dos famosos Noturnos de Frédéric Chopin. E como se não fosse suficiente, na versão do Sega Saturn, lançada exclusivamente no Japão, existe uma música entitulada “Yakyoku” (uma versão encurtada de “Yasoukyoku” que vimos ainda agora) que captura esse exato sentimento.

“Yakyoku”

E não só tem essa noção musical bem específica no título japonês do jogo, como ele meio que tem uma rima temática bem similar à do jogo anterior a ele, Rondo of Blood (eu não vou entrar em muitos detalhes em relação ao título japonês já que ele é praticamente idêntico ao original… provavelmente pelo fato de o jogo nunca ter saído do Japão até pouquíssimo tempo atrás, mas shhhhh, detalhes). No título desse, temos o “Rondó de Sangue”, e o Rondó, assim como o Noturno, também é um tipo de composição musical, mas mais focado na estrutura e na forma dessa composição, do que em evocar um sentimento, e aqui, da forma como o Noturno está associado à luz do luar em SotN, ele foi associado ao sangue, outro ícone bem recorrente dentro do universo de Castlevania. Juntos, esses jogos são duas partes de um mesmo arco de história e o título japonês de ambos deixa isso bem claro.

Uma pena que isso não teve como ser passado para o lançamento ocidental com a mesma ideia e mesmo que, ao pé da letra, se fossem seguir à risca uma tradução literal do nome japonês, teriam lançado como “Castlevania: Nocturne of the Moonlight” ou algo próximo disso, que eu pessoalmente acho um nome bem bonito e elegante. Talvez a Konami Americana não quisesse ter arriscado num nome com uma referência musical não tão popular assim e preferiu optar por algo mais simples com “Symphony of the Night” (A Sinfonia da noite). Não foi uma escolha ruim, nem de longe, mas agora parando pra pensar, o outro nome é mais bonito ainda por ter essa ligação temática ainda mais entranhada com o conteúdo do jogo de fato.

Agora que já falei do título japonês do jogo, que acho interessantíssimo, sem mais delongas, enfim a parte que todos estavam esperando, O FAMOSO DIÁLOGO…

Parte 2- PEREÇA, MONSTRO!

E lá vamos nós ver o desfecho do Rondó de sangue…

Imagino que vocês já estejam carecas de saber do diálogo em inglês e a sua tradução direta para o português, então vamos direto para o diálogo japonês que conforme eu for analisando tudo, vou comparando com a tradução para o inglês.

AVISO: não sei se já ficou claro, mas a versão em inglês que estarei usando como referência aqui é a original do primeiro Playstation (que é a mesma que pode ser encontrada nos PS Classics da Playstation Store do PS3). O jogo teve um relançamento no PSP e lá o diálogo foi redublado e retraduzido e tem um texto ainda mais diferente (!!), mas não vou falar dele aqui nesse texto.

O que eu farei aqui é, usar uma imagem referente a cada fala do diálogo usando screenshots da versão japonesa do jogo, e logo abaixo, irei transcrever o diálogo em japonês com as letras características do idioma, transcrever em japonês com letras ocidentais, a tradução não-oficial em inglês deste texto japonês, e a versão em português dela, traduzida de forma mais ou menos literal sem muita adaptação por mim mesmo direto do japonês para fins didáticos (não é uma versão definitiva, obviamente, escolhi traduzir meio literalmente só pra entenderem mais ou menos quais são as palavras usadas no idioma nipônico). Depois transcreverei o texto da tradução oficial em inglês ea tradução dessa versão oficial em inglês para o português. E logo depois dessas transcrições eu farei comentários a respeito de cada fala. Parece muita coisa, mas garanto pra vocês que vou deixar tudo bem organizadinho pra gente não se perder.

Não vou entrar nas minúcias de explicar detalhadamente a gramática da língua japonesa, apesar de mencionar algumas coisas dela às vezes ao longo do texto e irei me focar mais em vocabulário, porque é a parte que mais interessa aqui.

Ah, e para referência em áudio e vídeo de ambas as versões, clique aqui. E para a tradução sugerida do inglês, estarei usando a legenda desse vídeo do Clyde Mandelin (que também fez uma versão em texto disso só que em inglês e um pouco mais simples do que eu tô fazendo)

  • Japonês: 滅びよ! ここは、お前の住む世界ではない。
  • Japonês Romanizado: Horobi yo! Koko wa, omae no sumu sekai de wa nai.
  • Inglês sugerido: Perish! This isn’t the world where you live.
  • Português sugerido: Pereça! Este não é o mundo onde você vive.
  • Inglês oficial: Die monster. You don’t belong in this world!
  • Português “oficial”: Morra, monstro. Você não pertence a este mundo!

Não temos GRANDES diferenças aqui em questão de sentido. A diferença maior tá nas palavras que foram usadas, principalmente na primeira frase. Richter em japonês grita “Horobi yo!” (滅びよ!). O verbo utilizado por ele, em sua forma do infinitivo é “horobu” (滅ぶ), que numa tradução literal pode ser traduzido como “ser arruinado”, “ser destruído” ou “perecer” e se refere a algo que está em ruínas caindo aos pedaços, e essencialmente, o que Richter faz é usar uma forma imperativa bem ameaçadora contra Drácula, ordenando que ele pereça.

Importante analisar também que ele não disse algo como “Eu vou te destruir!”, pois se esse fosse o caso, ele teria usado o verbo “Horobosu” (滅ぼす), e então ele provavelmente diria algo como “Horobosu yo!” (滅ぼすよ!). Então podemos adaptar isso para “PERISH!” ou, em bom português, “PEREÇA!”.

Isso significa que o “DIE MONSTER.” (Morra, monstro!) da versão oficial que nós tanto vimos ao longo de nossas vidas está errado? De maneira nenhuma! O sentido da frase ainda foi mantido, só usaram outra palavra que evoca o mesmo sentimento. Só me incomoda (além do fato de o vocativo não estar separado pela vírgula) o fato de que na versão japonesa foi usado um ponto de exclamação que deixa evidente que Richter está gritando, enquanto em inglês ficou apenas um ponto final comum e na frase seguinte o inverso aconteceu, e vamos até ela agora.

Na segunda frase, Richter usa a expressão “omae no Sumu sekai” (お前の住む世界), e eu quero que a sua atenção seja voltada a “sumu Sekai” (住む世界). “sumu Sekai” nesse caso pode ser traduzido literalmente como “Mundo onde mora” e é a junção de duas palavras: o verbo “sumu” (住む), que em português é “morar”,“habitar” ou“residir” e a palavra “sekai” (世界), que é o substantivo “mundo”.

O que a tradução oficial pro inglês fez aqui foi basicamente transformar “Este não é o mundo onde você vive.” em “Você não pertence a este mundo!”. A título de curiosidade, o verbo em japonês para “pertencer” é “zokusuru” (属する) e a versão em inglês conseguiu encurtar uma tradução literal da frase usando o mesmo sentido e trocando o verbo que lá estava antes por um que desse um ar mais dramático e épico à frase que lembra o tom usado no texto japonês, que em inglês faz muito mais sentido ser usado dessa forma. Ponto pra Konami americana, mandaram bem nessa adaptação. E então, vamos para a próxima frase, dita por Drácula.

Parte 3- Poder, ambição e ressurreição

(eu só queria comentar que a performance do Drácula na versão japonesa é simplesmente INCRÍVEL, principalmente por conta de ele ser dublado pelo Norio Wakamoto nessa versão, um dos dubladores mais famosos do Japão e conhecido por fazer vários personagens, principalmente vilões, bem icônicos, como o Cell em Dragon Ball, Rugal Bernstein em The King of Fighters 2002 e, um dos meus favoritos dele, Oskar Von Reuenthal em Legend of the Galactic Heroes, entre trocentos outros personagens)

  • Japonês: 私は自らの力で蘇るのではない。欲深な人間共によって蘇るのだ。力が唯一の正義なのだからな。
  • Japonês romanizado: Watashi wa mizukara no chikara de yomigaeru no de wa nai. Yokubukana ningendomo ni yotte yomigaeru no da. Chikara ga Yuuitsu no seigi na no dakara na.
  • Inglês sugerido: It is not by MY power that I am revived. It is because of the greedy humans that I live once more. Might is the one and only justice that exists, after all.
  • Português sugerido: Não foi graças ao meu próprio poder que fui trazido de volta à vida. É por causa de humanos ambiciosos que eu mais uma vez estou vivo. Afinal, poder é a única justiça que existe.
  • Inglês oficial: It was not by my hand that I am once again given flesh. I was called here by humans who wish to pay me tribute.
  • Português “oficial”: Não foi graças às minhas mãos que mais uma vez fui dado entranhas. Fui invocado aqui por humanos que desejavam me louvar.

E é a partir dessa fala que as coisas começam a mudar consideravalmente. Antes de prosseguirmos, só queria me atentar a um detalhe engraçadinho, que é o nome do Drácula estar escrito completo como “Dracula Vlad Tepes” (ドラキュラ・ヴラド・ツェペシュ) ao invés de só “Dracula” como na versão americana (a mesma coisa acontece com o Richter, aliás). Não muda nada, mas é um detalhe engraçado.

Há três frases aqui (duas na versão americana, mas daqui a pouco a gente chega nisso). A primeira delas é pra se referir ao fato de que Drácula não foi revivido sozinho. Gramaticalmente, a maior diferença entre a versão japonesa e a americana nesse caso é que a japonesa está com o tempo verbal no presente e a americana no passado. Não quero focar muito em gramática nesse caso, mas sim a duas diferenças de vocabulário usado, uma delas pequena e outra bem interessante.

A pequena é que na versão japonesa, o meio usado para reviver Drácula é referido como “mizukara no chikara” (自らの力), ou “meus próprios poderes” em português, e em inglês foi usado “my hands” (minhas mãos). Se Drácula fosse falar de suas mãos em japonês, ele provavelmente falaria uma frase como “Watashi no te de yomigaeru de wa nai” (私の手で蘇るのではない), só que a palavra “te” (手, mãos) é muito literal, então falar dos poderes do vampirão faz mais sentido em japonês, apesar de o resto da frase ainda permanecer o mesmo com a palavra “yomigaeru”(蘇る) sendo mantida, e é ela que vamos examinar agora.

Yomigaeru” (蘇る) é um verbo que pode ser traduzido como “ser revivido”. Sim, na voz passiva mesmo, porque se ele ativamente revivesse, o verbo seria “ikikaeru” (生返る), que numa tradução bem literal, seria o verbo “voltar à vida”. A grande graça aqui é o que isso virou na versão oficial em inglês: Given Flesh (“ser dado carne”).

Flesh” é uma palavra em inglês que se refere à carne que compõe seres vivos animais, e o seu equivalente em japonês seria “nikutai” (肉体), mas aqui acontece a mesma coisa que aconteceu na primeira parte dessa frase por “nikutai” ser meio literal demais e nesse caso “Given Flesh” soa mais dramático em inglês. Talvez possamos confundir com o ato de darem carne humana para Drácula, mas se termos em mente a história do lorde dos vampiros ser revivido a cada século junto com seu castelo e lembrarmos que houve até um Castlevania anterior a esse (especificamente Castlevania II: Simon’s Quest, lançado para o NES em 1987) estrelando um dos antepassados de Richter numa missão onde o objetivo dele era juntar vários pedaços do corpo de Drácula para revivê-lo e acabar com ele de uma vez por todas não-tão-por-todas assim já que esse fiadaputa tá vivo de novo, faz sentido o uso de “Given Flesh” e soa até legal assim, num sentido de “tomar a forma de carne” (fora que o verbo original em japonês denota passividade).

E aqui vemos a primeira frase realmente diferente no diálogo. Em inglês, vocês já sabem que Drácula diz “I was called here by humans who wish to pay me tribute” (fui invocado aqui por humanos que desejavam me louvar), mas em japonês, Drácula diz “Yokubukana ningendomo ni yotte yomigaeru no da” (欲深な人間共によって蘇るのだ), que pode ser traduzido literalmente como “Através de humanos ambiciosos, fui trazido de volta à vida”, não contendo nenhuma menção a louvar a imagem de Drácula nessa frase e o foco é na ambição humana. “Yokubukana ningendomo” (欲深な人間共) pode ser literalmente traduzido como “humanidade ambiciosa”, pois “yokubukana” (欲深な) é o adjetivo “ambicioso” ou “aquele que possui avareza, ambição” em japonês e “ningendomo” (人間共) é um plural (共, domo) de “humanos”(人間, ningen). Existe uma outra palavra para “humanidade” em japonês, que é “jinrui” (人類), que é usada da mesma forma como dizemos “raça humana” (ou em inglês, “mankind” ou “humanity”). Podemos dizer que foi “A Ambição Humana” que trouxe Drácula de volta, para dar um ar mais poético à frase.

E agora vamos a um ponto interessante. Lembra que eu disse que na versão em inglês só haviam duas frases nessa fala e na japonesa tem três? Agora vamos ver a tal terceira frase japonesa que aparentemente ficou de fora do texto ocidental, e ela é “Chikara ga Yuuitsu no seigi na no dakara na” (力が唯一の正義なのだからな), e pode ser traduzida como “Afinal, o poder é a única justiça que existe”. Por que essa frase não foi pro diálogo em inglês? Sinceramente, não dá pra saber, mas imagino que por terem mudado a frase anterior, essa aqui provavelmente ficaria meio deslocada se traduzida, então optaram por omití-la. E por conta da alteração anterior, criou-se um efeito dominó que vai resultar em inúmeras diferenças até o fim dessa cena, como veremos a seguir…

Parte 4- Convicção (e também onde as divergências começam)

  • Japonês: それはお前の勝手な言い草だ!人々は同じ信念のもとで求め合い、集い、そして歩んで行く。
  • Japonês romanizado: Sore wa omae no kattena iigusa da! Hitobito wa onaji shinnen no moto de motomeai, tsudoi, soshite, ayundeiku.
  • Inglês sugerido: That’s nothing but your self-centered interpretation! Guided by common beliefs, people seek each other out, gather together, and move forward.
  • Português sugerido: Isso na sua visão egocêntrica! Ao serem guiadas pela fé em comum, as pessoas procuram umas às outras, se juntam e seguem em frente.
  • Inglês oficial: Tribute!?! You Steal men’s souls and make them your slaves!
  • Português “oficial”: Louvar!?! Você rouba as almas dos homens e faz deles seus escravos!

Lendo aí as transcrições já deu pra notar que essa fala aqui é BASTANTE diferente, né? Nem tem muito o que comentar aqui comparativamente aqui, mas é curioso como que o texto japonês dá uma ênfase grande nos bons feitos do progresso da humanidade e o texto em inglês reforça a maldade do Conde Drácula. Por mais que o tom seja quase oposto, a mensagem ainda é a mesma: A humanidade procura o progresso de seus semelhantes e Drácula só quer poder e fazer todos à sua volta de escravos se assim for possível.

Provavelmente diferenças culturais na forma como entretenimento é escrito nos dois países causaram essa diferença e todo esse papo sobre o bem da humanidade e o coletivismo, que é bem frequente em entretenimento japonês (dependendo de quanto de anime/mangá/filmes japoneses você já consumiu, provavelmente já deve ter visto algo do tipo antes) pode soar meio “brega” em inglês, então decidiram tomar esse caminho… que acabou sendo meio brega também só que de outro jeito.

Agora sobre palavras interessantes no texto japonês? Eu particularmente gosto de “iigusa” (言い草), que tá na primeira frase e é literalmente “comentário” ou “observação” (no sentido de fazer uma observação na frase de alguém mesmo) e isso veio acompanhado do adjetivo “kattena” (勝手な), que é “egoísta” ou “egocêntrico”. Tomei a liberdade de traduzir isso na versão sugerida em português como “Visão Egocêntrica”, afinal, Drácula se acha um ser superior aos humanos e deseja dominar todos eles, como Richter muito bem observou na frase dita na versão em inglês.

Na segunda frase não tem nada de muito especial pra comentar, exceto talvez a palavra “shinnen” (信念), que quer dizer “convicção” ou “fé”, e esse conceito de fé será levantado numa das falas seguintes nos dois idiomas. A fé é o que une as pessoas em prol de um objetivo em comum pelo qual todos estão marchando para conseguir, nesse contexto. E tal qual as pessoas movidas pela fé, marchemos para a próxima fala…

Parte 5- Fé, desenvolvimento e controle

  • Japonês: だが、現に人間共は欲望によって発展し, 信仰によって統率されてきたではないか。
  • Japonês romanizado: Daga, gen ni ningendomo wa yokubou ni yotte hattenshi, shinkou ni yotte tousotsusaretekita de wa nai ka.
  • Inglês sugerido: However, is it not true that greed has driven the humans’ development and that faith has led them?
  • Português sugerido: Mas, por outro lado, não é visível que a ambição levou a humanidade ao progresso e que eles foram liderados pela fé?
  • Inglês oficial: Perhaps the same could be said of all religions…
  • Português “oficial”: Talvez o mesmo possa ser dito de todas as religiões…

A fala japonesa do Drácula é tão mais comprida que a americana que eu tive que colar no photoshop as duas frases que aparecem depois da caixa de texto rolar pra baixo.

A mesma dualidade de tom da fala anterior permanece aqui, sendo que dessa vez o mais impressionante é o fato de que é o Drácula falando do progresso da humanidade! Semelhante à fala anterior, não tenho muito como fazer tantas comparações aqui, mas temos algumas palavrinhas interessantes em japonês para observar aqui.

A primeira delas é “yokubou” (欲望), que é bem similar a “yokubukana” (欲深な) que vimos na segunda tela e as duas trazem significados um tanto parecidos, porém com nuances diferentes, e se tem um idioma onde uma palavrinha pode estar completamente carregada de nuances diferentes de outra com ideia parecida, esse idioma é o japonês. As duas compartilham um mesmo kanji, que é 欲 (se lê “yoku” nessas palavras, e quando esse kanji está sozinho, ele pode ser lido de duas formas: a primeira forma é o verbo “Hossuru” (欲する), que significa “desejar” ou “querer”, e a segunda forma, é o adjetivo “Hoshii” (欲しい), que significa “desejado”. O que podemos concluir disso é que esse Kanji remete à ideia do “desejo”, do “querer”. Qual a diferença entre “Yokubou” e “yokubukana” afinal?

Em “yokubou” (欲望), o segundo kanji (望) reforça a ideia do desejo, do querer, ou seja, é algo que você “quer quer” e deseja muito, o que pode levar à “ambição”, que é a palavrinha-chave aqui e acaba sendo um substantivo. Em “yokubuka”, por outro lado, apesar de ter o mesmo significado, o segundo kanji (深) é diferente e remete à ideia de “intensidade” e é algo que se quer muito, porém… “yokubukana” é um adjetivo. Pra simplificar: o primeiro seria “ambição” e o segundo “ambicioso”.

A segunda palavra que eu quero comentar nessa fala é “shinkou” (信仰), que seria fé. Mas qual a diferença disso pra “shinnen” (信念) que vimos na tela anterior?” Enquanto “shinnen” se referia à fé de convicção (ter fé de que algo vai acontecer), “shinkou” se refere à fé religiosa, que é justamente o que Drácula questiona no texto em inglês e me leva à próxima palavra que eu quero comentar, que é “tousotsusaretekita” (統率されてきた), que é uma conjugação do verbo “tousotsu suru”(統率する), que significa “liderar” ou “comandar” (a conjugação, por outro lado, indica que “alguém foi liderado”, na voz passiva no pretérito). Ou seja, a frase diz que as pessoas foram lideradas pela religião, que Drácula questionou ser a causa do progresso humano motivado pela ambição. Da forma como Drácula “rouba a alma dos homens” como Richter aponta na frase anterior e os comanda a fazer o que ele quer, no texto em inglês Drácula questiona se religiões não fazem o mesmo que ele e defende seu ponto. No texto em japonês, a noção de progresso se mantém apesar de questionada, já em inglês há uma ênfase maior na noção de “controle”.

Parte 6- A noção de piedade.

  • Japonês: 人間は力だけでは統率できない。 敬い、慈しむ心があるからこそ統率が出来るのだ。
  • Japonês romanizado: Ningen wa chikara dake de wa tousotsu dekinai. Uyamai, Itsukushimu kokoro ga aru kara koso tousotsu ga dekiru no da.
  • Inglês sugerido: Power alone cannot lead people. Respect and a loving heart are what truly lead humanity!
  • Português sugerido: Pessoas não podem ser lideradas apenas pelo poder. Respeito e amor no coração são o que realmente lidera a humanidade!
  • Inglês oficial: Your words are as empty as your soul! Mankind ill needs a savior such as you!
  • Português “oficial”: Suas Palavras são vazias como sua alma! A Humanidade não precisa de um salvador como você!

E a positividade breguíssima de Richter Belmont continua mais forte do que nunca aqui no texto japonês. Uma boa parte das palavras aqui presentes já foram vistas e comentadas por mim, então quero falar apenas de uma expressão que tem nessa frase: “Itsukushimu Kokoro” (慈しむ心).

Essa expressão pode ser traduzida literalmente como “coração piedoso”. O primeiro Kanji, 慈, tem uma forma verbal que é 慈しむ (Itsukushimu), que é o verbo “ter piedade”, e o significado do kanji dessa palavra remete à ideia de piedade ou misericórdia, e para chegar nesse estado, é necessário amor e compreensão aos seus semelhantes. A segunda parte dessa expressão é a palavra “kokoro” (心), que se você já consumiu bastante cultura pop japonesa, é altamente provável que já tenha passado por ela. “Kokoro” significa “coração”, mas há um porém bem interessante aqui: essa palavra se refere ao coração de um jeito abstrato, mais vinculado aos sentimentos e ao espírito de uma pessoa. Quando japoneses estão falando do que sentem emocionalmente no coração, eles usam “kokoro”, apesar de terem uma outra palavra pra coração, que seria “shinzou” (心臓), que se refere ao órgão do corpo humano que bombeia sangue para todo o corpo, e os japoneses falam “shinzou” quando se referem ao coração de forma clínica ou biológica. Você já deve ter notado que o primeiro kanji de ambas as palavras é o mesmo, e o segundo (臓) de “shinzou” se refere a “entranhas” ou “vísceras”, então o coração que bombeia sangue no seu corpo nada mais é do que a entranha da sua alma. Interessante, não?

Então, um “itsukushimu kokoro” seria um coração onde o perdão e a misericórdia são possíveis de existir, facilitando o convívio com seus semelhantes. E agora, se preparem porque vamos pra melhor parte de todas…

Parte 7- A Miserável Pilha de Segredos

caraio, agora o maluco tá puto, levantou do trono
  • Japonês: くだらん。どちらが正しいか、死をもって解らせてやる。
  • Japonês romanizado: Kudaran. Dochira ga tadashii ka, shi wo motte wakarasete yaru.
  • Inglês sugerido: Foolish drivel. I will prove to you which of us is right… with death!
  • Português sugerido: Tolo! Qual de nós está certo? A morte nos trará a resposta!
  • Inglês oficial: What is a man? A miserable little pile of secrets. But enough talk… Have at you!
  • Português “oficial:” O que é um homem? Uma miserável pilha de segredos. Chega de conversa, prepare-se!

O que Drácula diz em cada idioma é diferente, mas a ideia é a mesma: uma declaração de guerra, decretando o começo da batalha final entre ele e Richter.

Ele já começa falando “Kudaran” (くだらん), que é um insulto direto a Richter. “Kudaran” é uma forma contraída e bem vulgar de dizer “Kudaranai” (くだらない), que é um adjetivo que pode ser traduzido como “estúpido” ou “inútil” (no sentido de “sem valor nenhum) e essa palavra ser tão vulgar, mostra o quão puto Drácula ficou com essa conversa (sendo que ele até joga a taça no chão assim que a diz e se levanta). Logo em seguida, tem a frase “Dochira ga Tadashii ka” (どちらが正しいか), que pode ser traduzido como “Qual de nós dois está certo?”. E isso se encerra com a frase “shi wo motte wakarasete yaru.” (死をもって解らせてやる), que pode ser traduzido como “a morte nos trará a resposta!”.

NOTA DE RODAPÉ TALVEZ INTERESSANTE: “morte” nesse contexto se refere ao que acontece quando uma vida acaba e eu só tô fazendo esse comentário tonto porque no universo de Castlevania existe uma “Morte”, que é uma criatura que carrega uma foice, e é a personificação da morte e nos jogos da série, é chamada apenas de “Death”, que já é a palavra em inglês para morte em ambos os contextos. PORÉM, na versão em japonês dos jogos da série (e na língua em geral, na real), chamam essa criatura de “Shinigami” (死神), que numa tradução ao pé da letra pode ser “deus da morte”, um nome apropriado para a entidade que controla o fluxo de pessoas entre o mundo dos vivos e dos mortos.

Ok, voltando ao que interessa… agora que sabemos o que Drácula falou em japonês, de onde cacetas saiu o famosíssimo “What is a man? A miserable little pile of secrets” (O que é um homem? Uma miserável pilha de segredos) que é provavelmente a frase mais repetida pelos fãs desse diálogo inteiro depois do “DIE MONSTER. YOU DON’T BELONG IN THIS WORLD!”) e que, nitidamente, não estava no texto original em japonês? De onde saiu isso?

Segundo o já citado artigo de Clyde Mandelin, essa frase veio do prefácio de um livro francês de 1967 chamado “Antimemóires”, escrito por André Maulraux (1901–1976). Infelizmente, entendo bem pouco de francês, mas procurando informações sobre o tal livro, me deparo com um EXCELENTE vídeo em inglês feito pelo Ian Hinck, do canal Easy Allies, e quero trazer aqui algumas das informações que ele disponibilizou após ter encontrado o bendito livro em uma biblioteca de sua cidade e tê-lo lido e que podem talvez nos dizer algo a mais sobre essa cena. O vídeo tem bastante informação interessante, mas vamos ao contexto de onde veio a tal frase no contexto, traduzida do inglês por mim mesmo graças ao vídeo do rapaz:

“Rejeitar grandes fatos sobre um homem através de desprezo pela convenção pode levar a uma preocupação exclusiva com os menores. Admitidamente a verdade sobre um homem se encontra, acima de tudo, no que ele esconde. Uma observação de um de meus personagens foi atribuída a mim: “Um homem é aquilo que ele faz”. Mas é claro que ele não é só isso; o personagem em questão estava respondendo outro que acabara de dizer: “O que é um homem? Uma miserável pilha de segredos.” O burbúrio fornece o formigamento que esperamos do irracional; e com ajuda da psicologia do subconsciente, o que os homens escondem, que frequentemente recebe mera piedade, é facilmente confundido com o que eles não sabem sobre si mesmos.”

Com “Admitidamente a verdade sobre um homem se encontra, acima de tudo, no que ele esconde”, podemos supor que aqui ele esteja se referindo à “miserável pequena pilha de segredos”. Dá pra falar muita coisa sobre a frase de Maulraux além disso, mas não quero me extender muito nisso, e deixo aqui aberto à discussão junto com o vídeo do Ian Hinck. Lá tem bem mais detalhes ainda que alguns não venham muito a caso pro foco do que eu vim fazer aqui, mas, puta merda, que história fascinante é a que existe por trás de uma das frases de joguinho que mais repetimos na vida.

Parte final- O QUE PODEMOS CONCLUIR DISSO TUDO?

Dá pra tirar algumas coisas dessa dissecação linguística toda que eu fiz…

  • Talvez não seja mera coincidência a trilha sonora de SotN ser uma das coisas que mais lembramos dele de tão entranhado que é a aura de suas músicas em seu contexto.
  • Mais pessoas tinham que jogar Rondo of Blood. É um jogo bom demais pra passar batido por tanta gente e complementa lindamente o contexto da existência de SotN (e é particularmente meu terceiro Castlevania favorito, atrás apenas de Aria of Sorrow e SotN).
  • Norio Wakamoto é o Conde Drácula que nós precisamos mas talvez não merecemos.
  • Língua japonesa é cheia de nuancezinhas bem interessantes em sua escrita e estrutura.
  • e em decorrência do fato anterior, vemos que traduzir jogos japoneses pra qualquer idioma não é moleza. VAMO VALORIZAR O TRAMPO DOS TRADUTORES AÊ, CARAI
  • André Maulraux provavelmente morreu sem ter a menor noção de que uma de suas frases entraria pro Hall da Fama de citações mais famosas da história dos videogames.
  • Ensinei (?) mais de 40 palavras em japonês pra vocês que muito provavelmente não lhe vão ser muito úteis para passar o dia-a-dia no Japão. (fato discutível)

Material usado:

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Nintakun
We Jab You

Aspirante a piadista de meia-tigela e nas horas vagas entusiasta de videogame, quadrinhos, e iguarias nipônicas num geral (principalmente mangá/anime/tokusatsu)