Engenharia de software e o fardo do intelecto

Cazuza Neto
wearejaya
Published in
4 min readSep 1, 2023
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Embora não atue como um profissional da área de ciências humanas, minha experiência como engenheiro de software na última década me permitiu observar inúmeros desafios nas relações interpessoais dentro dos ambientes de trabalho por onde passei. Hoje, posso afirmar com convicção que a área de desenvolvimento de software não é um santuário de segurança psicológica. Antes que você diga que nenhuma outra área profissional está isenta dos desafios interpessoais, quero afirmar que esse texto não trata de um problema exclusivo da engenharia de software, mas de um padrão que nela se repete. Naturalmente, onde há interações humanas, desafios surgirão — um reflexo de nossas diferenças e potencial para crescimento e aprendizado mútuos.

Medo de rejeição como uma constante

Atualmente, como coordenador técnico na Jaya Tech — empresa focada na propagação da Engenharia de Software Consciente, conceito que se sustenta em quatro pilares: autoconhecimento, decisões baseadas em ciência, relacionamentos saudáveis e conexão com o impacto — tenho a responsabilidade de fazer one-on-one com todas as pessoas do meu time, um momento onde procuro auxiliá-las na construção de suas habilidades e crescimento profissional. Nessa jornada, identifiquei um padrão constante: o medo da rejeição. O receio de não ser suficientemente bom e a ansiedade de ser superado por alguém melhor, são sentimentos comuns que observo entre os profissionais da área.

Quando orgulho e vaidade impactam a segurança psicológica

Ao observar uma certa recorrência nesse comportamento passei a refletir sobre possíveis fatores que colaboram para a erupção desse sintoma. Neste processo de pesquisa deparei-me com o termo “síndrome do impostor”. Ao conseguir nomear esse estado psicológico, fui capaz de identificar sua presença tanto em mim quanto nos traços manifestados por outros colegas. Entretanto, surge a pergunta: por que a insegurança psicológica e outras manifestações tais como a síndrome do impostor são tão prevalentes na engenharia de software?

Acredito que em qualquer área onde o esforço cognitivo está no cerne do trabalho, a insegurança psicológica surge em uma parcela importante das pessoas que partilham desse ambiente. Mas, por que? O fato é que não é tão comum que a inteligência intelectual coexista com a humildade; quando isso acontece, é de fato algo admirável. No entanto, na maioria das vezes, orgulho e vaidade parecem ser companheiros mais frequentes desta inteligência. Colegas da área jurídica confirmaram que este fenômeno também ocorre em sua rotina profissional. Portanto, sustento a ideia de que, nas áreas onde o esforço cognitivo é o produto principal, sempre serão encontrados significativos desafios humanos, atrelados quase sempre ao estado de ego super inflado de algumas das pessoas mais experientes.

Pessoas muito inteligentes, sabem que são inteligentes. Bons programadores, sabem que são bons naquilo que fazem. Programar é uma arte criativa. Criar um código complexo muitas vezes nos dá a sensação que possuímos super poderes, é uma experiência ímpar. Esse sentimento descuidadamente pode causar uma impressão de superioridade, de estar muito à frente das outras pessoas. Daí o orgulho e a vaidade tornam-se companheiras leais. O resultado é certo: essa pessoa oferecerá uma relação tóxica. A forma como ela fará um code review tenderá a não ser educativa, os seus feedbacks tenderão a não ser os mais construtivos e com isso não demora para a sua presença se tornar insuportável.

É neste contexto onde as pessoas com níveis mais baixos de senioridade são impactadas negativamente. Para essas pessoas, trabalhar ao lado de bons programadores que — na maioria das vezes inconscientemente — se comportam como profissionais inalcançáveis, torna-se uma experiência muito intimidadora. Quando o desenvolvedor iniciante abre um pedido de merge para uma branch main, pode acreditar, ele está muito inseguro. Ele está com medo de ser julgado, de ter o tempo gasto na demanda questionado e de ter seu código avaliado como ruim.

Para relações saudáveis é importante utilizar uma comunicação mais empática

Os desenvolvedores mais experientes precisam ser sinceros, não se trata de “passar o pano” no dia a dia de trabalho, mas de ter a sensibilidade para enxergar melhores formas de influenciar positivamente dentro do time. Devemos sempre falar a verdade, mas a verdade apresentada com uma dose de empatia, faz uma grande diferença na vida de todas as pessoas.

Sem dúvida, a inteligência intelectual é uma ferramenta poderosa que nos trouxe inovações tecnológicas revolucionárias. No entanto, ela não deve eclipsar outras formas cruciais de inteligência, como a emocional e a social. A gestão eficaz das nossas emoções não é apenas um “extra”; é um componente vital para a criação de ambientes de trabalho saudáveis e produtivos. Para gestores e profissionais da área, a recomendação é clara: investir em treinamento emocional e práticas de gestão consciente pode não apenas reduzir a insegurança psicológica, mas também melhorar a qualidade do trabalho que produzimos. Ignorar essa dimensão da experiência humana em um campo tão intelectualmente rigoroso como a engenharia de software é negligenciar um elemento fundamental que nos faz humanos: nossa capacidade de sentir, empatizar e crescer emocionalmente.

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