3 práticas para entrevistas com pessoas usuárias em UX design

Como começar a organizar o seu roteiro e quais perguntas evitar.

Lilian Corrêa
WhatsGood Dev
5 min readSep 29, 2021

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Ilustração: pessoa planejando com bloco de notas e lápis gigantes — por Cezar Berger.

Este é um texto de uma estudante iniciante de UX design que ficou deslumbrada com os resultados das primeiras entrevistas que realizou e que viu o milagre da pesquisa se desenrolar na sua frente.

Mai que milagre é esse, mulher? É que nas entrevistas eu obtive respostas mesmo para as perguntas que eu não fiz diretamente, e eu fiquei muito feliz. Mas calma que não existe milagre não, eu estava brincando.

Na verdade, eu vim contar as práticas que apliquei para que esse resultado fosse alcançado. E mais uma vez, calma: entendo também que mesmo aplicando técnicas, muitas vezes perguntas ficam sem respostas, dúvidas ainda pairam no ar, principalmente quando estamos lidando com pessoas.

Aprendi também que as não respostas, a refutação de hipóteses, também são respostas. Os desafios estão presentes em cada etapa do processo e, na verdade, são eles que trazem o trabalho para a mesa do escritório, não é mesmo?!

Molhando meus pézinhos

Eu fiquei tão deslumbrada com o que deu certo, que resolvi vir aqui escrever, com o pensamento de que essas informações e reflexões podem ser úteis para quem está começando e também para quem já está avançado na sua carreira, que queira lembrar dos bons tempos de estudante e designer júnior. Quem sabe até mesmo para dar uma refrescada na memória, visto que algumas funções entram no automático e por vezes nem sabemos mais o porquê disso ou daquilo.

Por fim, escrevo também para mim: alô eu do futuro, este foi seu primeiro texto publicado! Além de contribuir com o aprendizado de outras pessoas, escrever é uma ótima maneira de estudar e também de colaborar participando ativamente da comunidade.

Aliás, um rápido comentário à parte, isso é uma coisa muito legal da área da tecnologia: a gente tem muitas oportunidades de mergulhar na comunidade, mesmo sem necessariamente atuar em alguma empresa.

Duas ressalvas:

  1. Aqui eu não estou abordando outros aspectos de uma entrevista como: abordagem ética, apresentação, anotações e gravações — que sem dúvidas são aspectos tão importantes quanto as práticas citadas, mas que não são objetivo principal deste texto.
  2. Certamente não fui eu quem criou as 3 práticas, mas fui aprendendo-as através do conteúdo consumido na minha jornada até aqui, sendo esses conteúdos alguns cursos da Alura, artigos, podcasts (sou fã do Papo de UX, já deixo a indicação) e outros conteúdos audiovisuais gratuitos.

As 3 práticas:

1. Levantar quais perguntas queremos responder

Antes da preparação para a entrevista, a gente realiza alguns levantamentos sobre o projeto, incluindo os desafios/problemas que queremos resolver e o objetivo do produto. Queremos também colocar no papel o que já conhecemos a respeito do produto e da pessoa usuária, além das nossas suposições e o que queremos conhecer, ou seja, quais as dúvidas que queremos sanar.

Nessa primeira parte do processo, além de outras técnicas, podem ser realizadas sessões de brainstorm e análise de concorrência, e para organizar essas informações um bom exemplo de ferramenta é a matriz de certezas, suposições e dúvidas (matriz CSD). A partir disso, conseguimos organizar as perguntas em um roteiro de entrevista e é aí que devemos tomar cuidado, pois nem todas as perguntas podem ser feitas diretamente.

Para roteirizar as perguntas da entrevista, utilizei as práticas dos tópicos 2 e 3.

Mas antes…

Tabela com resumo do tópico 1. Imagem própria com ilustração “Brazuca” de Cezar Berger.

2. Não utilizar conjugações verbais e frases que denotam uma situação hipotética

Perguntas com palavras como “faria/usaria/se tivesse” denotam um tempo que não existiu no passado e que não existe no presente, ou seja, a pessoa usuária não pode responder embasada em sua própria experiência, com todas as informações e emoções que uma experiência real traz.

Como exemplos, utilizo o projeto fictício que estou desenvolvendo a partir das aulas da Alura. O projeto consiste em um aplicativo de práticas customizáveis de yoga.

Com base nisso, abaixo seguem exemplos do que não coloquei no roteiro de entrevista:

- Você usaria um aplicativo para praticar yoga?
- O que você faria se pudesse praticar sem sair de casa?

Aqui também podemos dizer que a pessoa entrevistada pode se sentir compelida a dar uma resposta que ela acredita que a pessoa entrevistadora queira ouvir: “sim, eu usaria esse aplicativo”, conferindo assim, um resultado não muito assertivo para a pesquisa. Queremos que as respostas da pessoa entrevistada estejam o mais próximo possível da realidade dela. Para isso, as perguntas devem refletir uma abordagem mais humana, individual e emocional.

Então, decidi perguntar:

- Você pratica ou já praticou yoga? Online ou presencial?
- Quais motivos a/o levou a decidir praticar online? (caso a resposta seja online).
- Quais fatores a/o levou a interromper a prática?

Assim, estamos mais próximos do nosso objetivo de criar produtos que sanem dores reais das pessoas usuárias, baseados nas suas realidades.

3. Evitar perguntas enviesadas

Uma das minhas suposições é que as pessoas podem se sentir inseguras em praticar yoga sem o acompanhamento de um instrutor ou de uma instrutora.

No entanto, eu não poderia perguntar na entrevista:

- Você se sente inseguro(a) em praticar sem um(a) instrutor(a)?
- Quais as desvantagens em praticar sem supervisão?

Nestes exemplos, as perguntas já vêm com o viés de uma potencial insegurança e invariavelmente declaram que ali existem desvantagens, não deixando espaço para que a pessoa entrevistada manifeste sua própria experiência.

Então, decidi perguntar:

- Como é a sua experiência em praticar sem um(a) instrutor(a)?

Sendo uma pergunta neutra, que não assume nem uma resposta positiva e nem negativa, a pessoa entrevistada se sente mais livre em responder de acordo com sua própria experiência. Depois, a partir das respostas, torna-se possível desenvolver maneiras de melhorar a experiência da pessoa usuária e fazer com que a segurança seja a maior possível.

E antes de finalizar…

Tabela com resumo dos tópicos 2 e 3. Imagem própria com ilustração “Brazuca” de Cezar Berger.

Para finalizar

É essencial que na conversa se fale mais das vivências da pessoa entrevistada e não tanto sobre o produto em si.

Também é importante que se ouça o máximo possível, deixando que a pessoa que está sendo entrevistada fale mais livremente. Apesar do planejamento e do roteiro, a entrevista não precisa ser uma conversa engessada e pode tomar mais um tom de bate-papo.

Deixo também a indicação desse pequeno vídeo, para entender um pouco melhor sobre alguns dos tópicos que falo neste texto.
Deixo duas opções do mesmo vídeo, já que o vídeo com legendas em português pode se tornar confuso por possuir as legendas das falas e também das informações que aparecem escritas no próprio arquivo de vídeo.

The mom test — com legendas em português

The mom test — sem legendas em português

Obrigada por ter ficado até aqui, espero que você tenha gostado e que este texto tenha contribuído de alguma maneira na sua formação :) fico à disposição para continuar essa conversa e receber perguntas e/ou sugestões.

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