Comunicação é relacionamento e também gera experiências

Lilian Corrêa
WhatsGood Dev
Published in
6 min readFeb 23, 2022

Uma boa comunicação estreita relações: a linguagem como ferramenta de aproximação para gerar experiências acessíveis e inclusivas.

Nuvem de palavras transmitindo a ideia de que UX (experiência da pessoa usuária) engloba assertividade, linguagem, facilidade, relacionamento, empatia, inclusão, acessibilidade, contextualização, comunicação, simplicidade, tradução, aprendizagem, clareza e interpretação.
Nuvem de palavras transmitindo a ideia de que UX (experiência da pessoa usuária) engloba assertividade, linguagem, facilidade, relacionamento, empatia, inclusão, acessibilidade, contextualização, comunicação, simplicidade, tradução, aprendizagem, clareza e interpretação.

Eu amo como o design de experiência da pessoa usuária (UX design) está presente em tantos aspectos da nossa vida, e como é possível associar os conceitos dessa área a tantas vivências do nosso dia-a-diae não somente quando estamos de frente a uma interface digital.

Amo como o UX, por lidar com a subjetividade das pessoas, dá tanta abertura pra gente gerar conexões.

E há algum tempinho atrás, eu me coloquei a refletir sobre como UX se relaciona com aprendizados, relacionamentos e acessibilidade na comunicação.

O conteúdo deste artigo tem bastante a ver com UX writing (a parte que cuida da escrita e linguagem para melhorar a experiência da pessoa usuária). Mas, quero expandir essas reflexões para além do universo do design e considerá-las em todas as nossas relações e maneiras de nos comunicar do dia-a-dia, sendo que podemos sempre pensar em maneiras de melhorar a forma com a qual nos comunicamos.

Afinal, algumas pessoas dizem que a morte é a única certeza da vida, mas os relacionamentos e a comunicação também são outras certezas.

Melhorando a experiência na comunicação

Se fazemos o design pensando na pessoa usuária, por que não nos comunicamos pensando na pessoa com quem estamos nos relacionando?

Se facilidade de uso tem a ver com facilidade de aprendizado daquela interface, uma boa comunicação tem a ver com a facilidade de entendimento daquela mensagem.

Antigamente, eu tinha um pensamento de que a partir do momento em que eu dizia a mensagem, a responsabilidade do entendimento estava com a outra pessoa. E eu não me orgulho disso. Hoje entendo que é nossa responsabilidade adaptar e estruturar a nossa comunicação, para que ela fique o mais clara possível, para o maior número de pessoas.

Assertividade é a menor distância entre a mensagem que eu passei e a mensagem que eu desejava passar — Escola Conquer.

Conseguimos tornar a comunicação mais clara, acessível e inclusiva…

1 — Optando por palavras em português: sempre que possível podemos trocar aquelas palavrinha em inglês (ou em outro idioma) por palavras da nossa língua. Quando não for possível, explicar entre parênteses a tradução ou ideia a ser transmitida, é uma solução para que todas as pessoas possam entender nossa mensagem.

2 — Optando por palavras simples e bastante usadas: podemos pensar em palavras que substituam outras que são pouco conhecidas. Uma boa estratégia aqui é procurar por palavras sinônimas (semelhantes). Termos técnicos e específicos também merecem atenção: evitamos quando não há necessidade do uso e, se houver, podemos verificar a possibilidade de dar uma pequena explicação a respeito.

3 — Optando pela linguagem neutra (e também acessível e inclusiva): vimos a difusão do uso do “X” ou o “@” para neutralizar gêneros e incluir mais pessoas. Mas depois percebemos que a interpretação fica difícil para os leitores de tela e para os tradutores digitais de Libras, tornando o acesso àquela mensagem mais restrito para as pessoas cegas (ou com pouca visão) e para as pessoas surdas. Depois adotamos o “e” ao final das palavras, mas a compreensão pode se tornar bastante complicada para as pessoas idosas, pessoas com baixo grau de escolaridade ou pessoas neurodivergentes, por exemplo. Pensando nisso, podemos substituir as palavras, sem necessariamente torná-las de difícil compreensão. Abaixo deixo alguns exemplos de possíveis substituições:

Tabela com exemplos de palavras e possíveis substituições para gerar maior inclusão, acessibilidade e neutralização de gênero.

*Adicionar a palavra “pessoa” na frente é uma excelente saída para quando nos encontramos em dúvida da substituição mais adequada.

4 — Falando o mais importante primeiro: é importante pensarmos em qual resultado queremos atingir com a nossa comunicação: qual ação desejo que a pessoa tome? O que eu espero que ela pense ou sinta? Se essa informação está no início da nossa mensagem, a comunicação fica mais clara e conseguimos atingir nosso objetivo com muito mais assertividade. Além disso, a atenção da pessoa leitora é captada logo no início da mensagem, economizando o tempo que ela leva para saber qual é o nosso objetivo.

Como exemplo, trago uma mensagem que eu precisei enviar esses dias para uma amiga. O contexto: eu estava vendendo uma rifa para castrar quatro gatinhos de rua, ela contribuiu com o valor da rifa, mas não quis escolher um nome para que eu pudesse vender mais. No fim, como ainda restavam muitos nomes, pedi pra ela escolher um:

Quadro com exemplo de mensagem mais direta, comunicando primeiro a ação que desejo ser tomada em contraste com uma mensagem menos direta, onde primeiro explico a situação, para só depois comunicar a ação a ser tomada.

Note que informo o que é mais importante primeiro, em seguida explico e por fim chamo para uma ação.

Frases diretas também simplificam a comunicação: “Eu terminei de vender a rifa” é mais familiar e é mais facilmente compreendida do que “A rifa eu terminei de vender”.

Imagem do Yoda de Star Wars, personagem que é conhecido por falar frases na voz passiva, como no exemplo, “A rifa eu terminei de vender”.

5 — Apontando a solução e não o problema: quando eu comecei a escrever esse texto, ao invés de escrever, por exemplo, “Optando por palavras em português”, eu estava escrevendo “Não use palavras em inglês”. Ao fazer essa modificação, já ofereço uma sugestão de ponto de partida para a pessoa. Além de que me parece também, que a justificativa e argumentação para tal sugestão fica mais clara e fluida.

6 — Estruturando a sua mensagem: até agora, falamos muito de conteúdo da mensagem. Quero agora trazer uma sugestão mais visual em textos e mensagens escritas: fazer uso de hierarquias (pontos de maior destaque vs. pontos de menor destaque) e uso de padrões (por exemplo: títulos com o mesmo tamanho e peso de fonte), ajudam a pessoa leitora a se localizar e receber a mensagem com muito mais clareza. Essa parte me lembra bastante as Heurísticas de Nielsen.

É claro que tudo isso vai depender de contexto, audiência e quantidade de detalhes que precisamos passar para que a nossa comunicação seja efetiva. Mas, no caso de dúvidas, é sempre bom utilizarmos uma linguagem mais acessível e inclusiva.

Falar difícil pode se distanciar bastante de uma comunicação efetiva. Comunicação é relacionamento e, se ela é falha, há um distanciamento naquela relação. De um ponto de vista mais prático, por exemplo, uma pessoa pode até desistir de ler aquele e-mail importante se ele estiver desorganizado e complexo demais.

Isso tudo também tem bastante a ver com nos desprendermos (o quanto pudermos) dos nossos vieses, do nosso contexto e verdade. Como Paulo Freire nos ensinou, assim, partimos do que a outra pessoa sabe e de como ela pensa e processa as informações. E aqui temos mais um ponto em que a comunicação anda junto com princípios de UX.

Não importa o quanto você sabe sobre algo. O que importa é a facilidade com que o outro consegue te entender — Simon Sinek.

Para concluir

Uma boa comunicação consiste em muita revisão e muito tempo investido, quando nos preocupamos em incluir o maior número de pessoas. O tempo investido em melhorar a nossa comunicação é o tempo e esforço poupado das outras pessoas na compreensão da nossa mensagem, e assim, nossa relação se estreita.

Sabemos também que o contrário é verdadeiro, dependendo do uso da linguagem, ela também causa segregação e afastamento. E isso muitas vezes é feito propositalmente.

A ideia deste artigo é causar sensibilização à necessidade de uso de uma linguagem mais empática, levando em consideração o contexto, subjetividade e vivências da audiência.

Sendo a linguagem uma ferramenta poderosa para aproximar ou afastar as pessoas, enxergo como uma responsabilidade social compartilhar este tipo de conteúdo.

Obrigada por ficar até aqui. Qualquer dúvida ou sugestão, é só deixar um comentário aqui ou entrar em contato pelo Linkedin ✌️❤️️

Referências

Em português:

  1. Boas práticas em UX e Antropologia que podem melhorar suas relações
  2. Linguagem inclusiva, neutra ou acessível?
  3. Estamos prontes para o gênero neutro?
  4. Linguagem Neutra de gênero: o que é e como aplicar
  5. Alê Periard (perfil do Linkedin)
  6. O que é linguagem clara?
  7. Podemos aplicar conceitos de Paulo Freire ao UX Design?
  8. Emojis e acessibilidade: como usá-los adequadamente

Em inglês:

  1. Vídeo: Blockchain Expert Explains One Concept in 5 Levels of Difficulty | WIRED — (Especialista em Blockchain explica um conceito em 5 níveis de dificuldade). Este vídeo é bastante interessante, pois nos mostra como é possível adaptar a linguagem de acordo com as vivências e conhecimentos da própria audiência. Infelizmente ele não tem legendas em português.
  2. Site: Plain Language

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