Dziga Vertov

Vanguardas: Artistas Importantes

Vitória Fernandes
6 min readAug 20, 2021
Dziga Vertov

Denis Arkadievitch Kaufman ou Dziga Vertov como ficou conhecido, após mudar seu nome por volta dos 19 anos, DZIGA, que é palavra ucraniana que significa roda que gira sem cessar e VERTOV, do russo que significa rodar, girar, nasceu em 2 de janeiro de 1896 na cidade de Białystok, na Rússia, com 19 anos começa a estudar medicina e também cinema, Por conta do apoio de Lenin e seu entendimento do cinema como veículo de mobilização, influência social e propaganda do regime soviético, Vertov teve total liberdade e apoio em suas pesquisas e estudos no audiovisual e se tornou o primeiro redator e montador do cinejornal do estado soviético, o Kino Nedelia.

Mais importante do que sua história pessoal é a importância que seus estudos tiveram para o audiovisual no geral e consequentemente e obviamente a que também teve para a humanidade, visto a grande influência que os produtos do audiovisual e da comunicação no geral tem sobre as pessoas.

Dziga Vertov com sua mulher, Elizaveta Svilova, e seu irmão, Mikhail Kaufman, criam em 1922, um grupo que pregava total contradição e revolta aos padrões do cinema mundial o “Conselho dos Três”, denominando-se kinoks — um composto das palavras russas kino (cine) e oko (olho) — surgiram para desmontar e reformular a forma de se fazer e enxergar o cinema, mudando-o para sempre e pavimentando, em maior ou menor grau, tudo aquilo que pode se considerar cinema e ainda mais o que chamamos de “cinema art”.

Dziga Vertov estudou a fundo o cinema e para tal o fragmentou em quantas partes possíveis, se dedicando principalmente aquilo que ele nomeia de “intervalo” e estudando a variação da forma como as pessoas reagiam a cada mudança de plano, o mais insignificante que aquele aparentava ser, e como cada um deles poderiam ser alterados pelo Kinok ( o criador da obra, aquele que manipula a câmera) para que ela guiasse a visão do telespectador e suas emoções da forma que quisesse, como esclarece melhor Jacques Aumont em seu livro “As teorias dos cineastas”: “O que conta não é um ponto de vista adotado a respeito dos acontecimentos aos quais se permanece alheio, mas um movimento não submetido a uma consciência que explica a dinâmica das coisas da sociedade. Como é membro do todo social, o Kinok tem virtualmente a possibilidade de estar em toda parte, de ir a toda parte, é o único que vê tudo pois tem essa possibilidade material, o super-olho (a câmera) e intelectual, a teoria do kinoglas, o cine-olho. O termo intervalo, designa em Vertov aquilo que separa dois fragmentos do mesmo filme, de um ponto de vista puramente técnico, vem portanto no lugar do rakor ( na linguagem clássica o ponto de corte entre um plano e outro). E em um sentido a oposição entre essas duas noções, rakor e intervalo, designa bem a diferença entre um cinema da continuidade dramática a ser estabelecida e reestabelecida ( que é o cinema narrativo clássico) e um cinema da descontinuidade visual, no qual cada momento do filme deve transmitir uma parte da mensagem total e de sua verdade(…)”

A própria criação do termo Kinok torna muito clara sua essência vanguardista na insatisfação de Vertov com o a forma de se fazer e assistir cinema, romantizada e irreal, Vertov queria a verdade, a realidade que a câmera e somente ela consegue captar do mundo, pois ela é superior ao olho humano e consegue mostrar tudo aquilo que passa despercebido a olho nu. Como ele mesmo esclarece em seu manifesto Nós :

“Nós nos denominamos KINOKS para nos diferenciar dos

“cineastas”, esse bando de ambulantes andrajosos que

impingem com vantagem as suas velharias.

Não há, a nosso ver, nenhuma relação entre a hipocrisia

e a concupiscência dos mercadores e o verdadeiro

“kinokismo”.

O cine-drama psicológico russo-alemão, agravado pelas

visões e recordações da infância, afigura-se aos nossos

olhos como uma inépcia.

Aos filmes de aventura americanos, esses filmes cheios

de dinamismo espetacular, com mise en scène à

Pinkerton, o kinok diz obrigado pela velocidade das

imagens, pelos primeiros planos. Isso é bom, mas

desordenado e de modo algum fundamentado sobre o

estudo preciso do movimento. Um degrau acima, do

drama psicológico, falta-lhe, apesar de tudo,

fundamento. É banal. É a cópia da cópia.

NÓS declaramos que os velhos filmes romanceados e

teatrais têm lepra.

— Afastem-se deles!

— Não os olhem!

— Perigo de morte!

— Contagiosos!

NÓS afirmamos que o futuro da arte cinematográfica é a

negação do seu presente.

A morte da “cinematografia” é indispensável para que a

arte cinematográfica possa viver.

NÓS os concitamos a acelerar sua morte.

NÓS protestamos contra a miscigenação das artes a que

muitos chamam de síntese. A mistura de cores ruins,

ainda que escolhidas entre todos os tons do espectro,

jamais dará o branco, mas sim o turvo.

Chegaremos à síntese na proporção em que o ponto

mais alto de cada arte for alcançado. Nunca antes.

NÓS depuramos o cinema dos kinoks dos intrusos:

música, literatura e teatro. Nós buscamos nosso ritmo

próprio, sem roubá-lo de quem quer que seja, apenas

encontrando-o, reconhecendo-o nos movimentos das

coisas.

NÓS os conclamamos:

— a fugir —

dos langorosos apelos das cantilenas românticas

do veneno do romance psicológico

do abraço do teatro do amante

e a virar as costas à música

— a fugir —

ganhemos o vasto campo, o espaço em quatro

dimensões (3 + o tempo), à procura de um material, de

um metro, de um ritmo inteiramente nosso.

O “psicológico” impede o homem de ser tão preciso

quanto cronômetro, limita o seu anseio de se

assemelhar à máquina.

Não temos nenhuma razão para, na arte do movimento,

dedicar o essencial de nossa atenção ao homem de hoje.

A incapacidade dos homens em saber se comportar nos

coloca em posição vergonhosa diante das máquinas.

Mas, o que se há de fazer, se os caprichos infalíveis da

eletricidade nos tocam mais do que o atrito desordenado

dos homens ativos e a lassidão corrupta dos homens

passivos?(…)”

Apesar da grande exaltação às máquinas das novas tecnologias nesse texto, com uma tendência certamente futurista muito exaltada naquele século e pela constante constatação de Vertov de que a câmera é infinitamente superior ao olho humano e que o olho humano deve ser condicionado a câmera e não o contrário, fica mais claro ainda a revolta de Dziga Vertov com a forma americana de fazer cinema e a sua busca pela perfeição e por aquilo que ele chama de cine-verdade, que respeita o tempo natural do filme e apoiada na montagem a partir da visão do kinok e de seus super olho. O que pode ser exemplificado naquela que é sem dúvidas uma das obras mais revolucionárias do cinema e uma das melhores de Dziga Vertov, o filme “ Um Homem com uma câmera” (Tcheloveks kinoapparatom). Silencioso e rico em imagens da União Soviética sob os mais diversos ângulos, a obra de Vertov pretendia desvelar os segredos do cinema, da técnica e da linguagem cinematográfica.

Vertov morreu em Moscou, no dia 12 de fevereiro de 1954, quando, aos 58 anos de idade, não foi mais capaz de resistir ao câncer que o afligia e deixou textos e obras que inflaram ciegrafistas e diretores que se baseiam até hoje em seus estudos e levantam até hoje sua bandeira de revolta contra o padrão hollywoodiano, como por exemplo a crítica de Martin Scorsese aos filmes dos Vingadores da Marvel e que torna bem atual o texto de Vertov da “Resolução do Conselho dos Três”: “Em cumprimento à resolução do Conselho dos Três de 10/04, faço publicar os seguintes trechos:

1. Após examinar os filmes que nos chegaram do Ocidente e da América e, tendo em vista as informações que possuímos sobre o trabalho e as pesquisas realizadas aqui e no exterior, cheguei à seguinte conclusão:

A sentença de morte pronunciada pelos kinoks em 1919 contra todos os filmes sem exceção, permanece válida ainda hoje. Nem um exame mais atento pôde revelar filme ou pesquisa que traduzisse a aspiração legítima de libertar a câmara reduzida a uma lamentável escravidão, submetida que foi à imperfeição e à miopia do olho humano.”.

Por João Guerra

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