O Construtivismo Russo na obra de Eisenstein

Juliana Arieira
Wiki Jor — Cultura & Arte
4 min readOct 19, 2020

Dado que o Construtivismo Russo foi uma corrente artística que se tornou vanguarda da arte popular na Rússia do início do século XX, nada mais justo que tratar dos reflexos desse movimento no cinema. Mas antes, é interessante relembrar os principais ideais da arte construtivista, para que possamos analisar seus amplos reflexos no cinema da época. De acordo com Batista (2013):

Estética e teoricamente, o Construtivismo encontra origens no Cubismo de Picasso e no Suprematismo de Malevich. Alinhadas aos ideiais emancipacionistas da Revolução Socialista, as idéias construtivistas pregaram uma autonomia maior do artista, o fim da arte da elite, e uma democratização radical da arte, significando sua morte no estado em que se encontrava para nascer de outra forma, uma arte democrática, popular e, acima de tudo, funcional.

O fator de maior importância para a arte russa em suas mais diversas formas construtivistas era a acessibilidade. O interesse maior era que as pessoas simples conseguissem compreender e ser impactadas pelo que viam e ouviam, pois isso garantiria a adesão ao movimento revolucionário guiado por Lênin. Dessa forma, nas artes havia pouco texto, mormente em caixa alta, figuras geométricas e imagens representativas do povo, como as fotografias de Rodchenko.

Já no cinema, tendo como uma de suas maiores representantes a obra de Sergei Eisenstein, a intenção era divulgar a ideologia revolucionária, mostrando a luta popular e a força do povo, para motivar as pessoas mais simples pela representatividade na tela. Peterson Pessoa (2008), comentando sobre a produção de Eisenstein, descreve que “seu pensamento sobre o cinema foi dirigido para a criação de um método eficaz de construção fílmica, que considerava a mente do espectador como um material a ser trabalhado. Para o cineasta, o cinema não possui sentido, enquanto forma de arte revolucionária, se não servir efetivamente a um propósito de transformação da consciência do público”.

Sergei Eisenstein via em seu trabalho um propósito que derivava da própria demanda do povo, entendendo que sua tarefa era participar do processo de reconstruir o modo de vida do proletariado. Isso se daria pelo reforço à organização dos revolucionários, produzindo um material direcionado aos militantes e aos trabalhadores, que deveria produzir impacto emocional no público. Por fim, seria fundamental que o artista estudasse a fundo o processo histórico que representaria, de modo que mostrasse ao público uma correta interpretação da história (PESSOA, 2008).

Recuperados os fatores mais importantes que embasam essa discussão, podemos partir para a análise do filme Encouraçado Potemkin, obra premiada de Eisenstein que representou uma rebelião a bordo do principal encouraçado da esquadra Russa em 1905. Max Altman (2014) elucida como se deu a história real que embasou o filme e ajudará a esclarecer alguns pontos fundamentais da narrativa.

A obra conta como os marinheiros viviam em condições repressivas e miseráveis a bordo do encouraçado e, em certo ponto em que lhes foi oferecida comida estragada, decidiram pelo motim, aliados aos ideais revolucionários que geravam efervescência em terra. Ameaçados com o enforcamento, os marinheiros foram liderados por seu colega Vakulinchuk em um protesto violento diante de seus oficiais, que terminou em uma luta intensa e na morte do próprio dirigente do motim.

A cidade ucraniana de Odessa, então, sediaria um massacre. Com a vitória no motim, mas a derrota devido à morte de seu líder, os revoltosos se dirigiram ao porto para receber uma multidão que viria prestar homenagem a Vakulinchuk, acompanhados de operários grevistas e rebeldes que foram duramente reprimidos pelas forças policiais da cidade no dia anterior. Com a sugestão de excitação popular na escadaria Richelieu, são acionados destacamentos de cossacos a cavalo para fuzilarem os insurgentes, dentre estes idosos, mulheres e crianças.

Em retaliação, o encouraçado Potemkin dispara contra o quartel general em Odessa e assim começa a tensão que culminou na fuga do encouraçado, para em seguida se deparar com uma esquadra de guerra de Sebastapol. A esquadra decidiu deixar o encouraçado passar (mais amavelmente no filme que na realidade) e assim termina a história, com a liberdade dos revoltosos, que passam a vagar pelo Mar Negro.

O filme de Eisenstein é um ótimo exemplo de uso da memória popular para justificar a causa dos sovietes, posto que reforça o papel do proletariado como vítima e ao mesmo tempo resistência, ao passo que retrata o autoritarismo do Estado, representado pelas atitudes violentas do governo. Esta produção atende aos principais objetivos do Construtivismo Russo, posto que atua como instrumento democratizador da história da luta popular na antiga URSS, exibindo em imagens bastante realistas e acessíveis um evento marcante, mesmo que o ocorrido não tenha se tornado conhecimento comum à sua época.

Era importante que as massas tivessem acesso a essa produção, pois assim a memória da luta não se perderia, suprimida pelo governo autoritário, mas se manteria viva nos corações dos revoltosos e conseguiria angariar mais devotos à causa bolchevique.

ALTMAN, M. Hoje na História: 1905 — Eclode o motim a bordo do Potemkin, o principal encouraçado russo. 2014. Disponível em: https://operamundi.uol.com.br/historia/35813/hoje-na-historia-1905-eclode-o-motim-a-bordo-do-potemkin-o-principal-encouracado-russo. Acesso em: 12 out, 2020.

BATISTA, R. Construtivismo Russo e Design — parte 1. 2013. Disponível em: http://www.revistacliche.com.br/2013/07/construtivismo-russo-e-design-parte-1/. Acesso em 12 out, 2020.

Encouraçado Potemkin. Direção de Sergei Eisenstein. União Soviética: Mosfilm, 1925. Vídeo (82 minutos).

PESSOA, P. S. Construtivismo Russo e a Encomenda Social: Sergei M. Eisenstein. 2008. Disponível em: http://anpap.org.br/anais/2008/artigos/057.pdf. Acesso em 12 out, 2020.

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