10 discos que mais ouvi em 2018

Lista de álbuns mostra que a música e a vida se conectaram em um ano caótico

William Barros
William Barros

--

Parece até que foram dois ou três ou cinco ou dez, mas 2018 foi apenas um ano. Depois de tantos acontecimentos, a sensação é de que já se passaram muito mais do que somente 365 dias. Em meio ao caos dos últimos doze meses, o que me acalmava era a música.

Neste ano, minha playlist tanto foi alimentada por novos lançamentos de artistas que eu já admirava quanto por revelações que, tenho certeza, ainda irei ouvir por muito tempo. Mudanças, dúvidas, paixões e medos — o que escutei em 2018 está intrinsecamente ligado ao que também vivi durante aquele período. É justamente essa relação que procuro demonstrar na lista abaixo.

O que apresento a seguir não é um apanhado dos principais lançamentos do último ano. Trata-se de uma enumeração dos discos que mais escutei em 2018 e que, por isso, dizem bastante sobre minha jornada durante os últimos meses. Então, te convido a colocar os fones nos ouvidos para passear comigo pelo sebo das canções e lembranças de um ano transformador.

1. Ofertório (2018, Universal Music)

“Apenas um truque para manter os filhos por perto”, é o que revela Caetano Veloso sobre Ofertório à Folha de S. Paulo. O álbum é o registro de um dos shows da turnê do músico ao lado dos rebentos Zeca, Moreno e Tom Veloso. Além de revisitar clássicos da carreira do pai, os filhos cantam composições autorais. A família vai da bossa ao funk carioca, sem deixar o samba e a música baiana de lado. O destaque aqui é a faixa que dá título ao disco, escrita por Caetano em homenagem a Dona Canô, sua mãe, já falecida:

“Todos estes frutos que aqui juntos vês / Senhor da Vida / Eu em cada um deles e em mim todos os Teus fiéis / Ponho a Teus pés”

Conheci Caetano na infância, quando ouvia atentamente ao violão de meu pai. Fora da minha cidade e distante da minha família, ouvindo qualquer canção do baiano em 2018, me reconectava ao que havia de mais nostálgico em mim. Todo homem foi a canção que me atraiu para o novo disco — ela me levava para casa. Em abril, vivi um momento inesquecível: assisti ao show de Caetano na Praia de Iracema. Foi “prazer legítimo”.

Outros destaques: os clássicos Trem das cores e Reconvexo; a romântica Deusa do amor; o funk Alexandrino.

2. Letrux em noite de climão (2017, Joia Moderna), de Letrux

“Um disco para dançar e chorar ao mesmo tempo”, é como Letícia Novaes, a Letrux, classifica seu álbum em entrevista ao programa Cultura Livre (2017, TV Cultura). Nas canções de pop rock e synthpop, a cantora e compositora narra histórias tragicômicas de sua vida, trata de amor, separação, sexo e, claro, de “climão”. A sonoridade do álbum remete à estética dos anos 80. A faixa destacada aqui é Noite estranha, geral sentiu, em que ela reflete sobre o “climão” de estar apaixonada:

“Posso te dar um toque? / Dá um tempo pro amor / Vai viver sem pensar / Que viver é amar / Daqui a pouco amanhece / Sai desse climão”

Conheci o trabalho de Letícia nos tempos de Letuce, mas foi com a faixa Coisa banho de mar que me encantei de verdade. Na semana do lançamento, eu vivia um momento conturbado na vida — muitos “climões”. Em forma de enxurrada, Letrux entrou na minha vida: meu álbum favorito de 2017. Continuei a escutá-la em 2018. Em abril, fui assistí-la no festival Maloca Dragão. Extasiado, cantava todas as músicas e gritava de alegria. Queria repeteco.

Outros destaques: a sexy Flerte revival, a tragicômica Além de cavalos e a melancólica 5 years old.

3. Soledad (2017, EAEO Records)

A fortalezense Soledad tem o álbum homônimo como primeiro de sua carreira. Suas canções partem do rock alternativo, visitam a psicodelia dos anos 60 e 70, para chegar ao brega e à música latina. Nas faixas, a cantora e compositora fala de amor, sexo, carnaval e política, com uma interpretação potente em todos os vocais. Mil setas, por exemplo, tem letra de Danilo Guilherme e reflete a necessidade do eu lírico em se encontrar:

“Às vezes, esqueço meu caminho / Mil Setas avisam que não é pra cá / Volto pra onde sou livre / Meu passo agora estará lá no ar”

Soledad é um caso raro na minha playlist. Não a conhecia até assistir sua apresentação no festival Maloca Dragão 2018. Fiquei encantado com seu som e com a força política de seu show. Do visual à sonoridade, ela me lembra a Gal atenta e forte do Tropicalismo. As canções de Soledad me faziam pensar na paixão que eu sentia — “o fim lembrava a gente” — e sentir orgulho do trabalho de uma “portentosa” conterrânea.

Outros destaques: a forte Jardim suspenso, a animada Corpo solto e a politizada Beco da noite.

4. Essa noite bateu como um sonho (2016, Balaclava Records)

A união entre o rock alternativo e o dream pop são fortes marcas do trabalho que o grupo Terno Rei registra em seu segundo álbum de estúdio. Lançado no fim de 2016, o disco traz canções melancólicas que conduzem o ouvinte a um mergulho nas vivências do jovem quinteto. Dentre as doze faixas que compõem o álbum, chama a atenção Chegadas e partidas, um relato sobre solidão, saudade e perdas:

“E a solidão agora me castiga, e não é de hoje / Preciso de uma vez largar dessa mania / De ser o mais frágil / Estamos todos reunidos trocando retratos / Sinto sua falta, amigo / Sinto sua falta aqui”

Terno Rei já estava há muito tempo nas minhas recomendações do YouTube. Decidi ouvir o segundo disco da banda em março de 2018. As canções dialogavam diretamente com o momento que eu vivia — adaptação a uma nova cidade, perda de referencial e saudade de amigos. Foram inúmeras as viagens de ônibus em que o álbum me acompanhou. É por isso que Terno Rei sempre me lembra uma janela com prédios que passam rápido demais. Digo que esse disco me bateu como um choro.

Outros destaques: a gostosa Circulares e a romântica A prosa.

5. Soltasbruxa (2016)

O álbum de estreia da banda Francisco, el Hombre foi lançado em setembro de 2016 e traz ritmos como marchinha, música latina, rock e MPB. As canções mesclam português e espanhol, são carregadas de crítica social, refletem sobre feminismo e comentam desdobramentos da política brasileira. Dentre as 13 faixas do disco, a que se destaca em 2018 é Bolso nada, cuja letra alerta sobre os riscos de conceder um cargo alto a um político fascista, a um “cara escroto”:

“Se a um fascista é concedido cargo alto e voz viril / Vai lucrar do desespero, tal loucura já se viu / Bolso dele sempre cheio, nosso copo anda vazio / Mesquinhez e intolerância, bolso nada que pariu”

Ouvi muito Soltasbruxa em 2016, mas a aproximação com alguns amigos me fez voltar a escutá-lo em 2018. No texto que escrevi junto com Gabriela Feitosa e Davi César para o Mídium, destacamos a banda como expoente do que chamamos de Música Problematizadora Brasileira. Em julho, fomos ao show do quinteto na Praia de Iracema. A performance do grupo é ainda mais intensa no palco. Daquele dia, nunca esqueço de uma outra amiga, grande fã da banda, aos prantos quando cantaram Triste, louca ou má. Foi lindo sentir o calor de Francisco, el Hombre num ano em que as críticas feitas pelo grupo ganham ainda mais força e significado.

Outros destaques: a questionadora, mas dançante Como una flor e a marchinha Tá com dólar, tá com Deus.

6. Para dias ruins (2018, Universal Music)

“A prova de que podemos passar por esses dias (ruins) e seguir em frente”, é assim que Mahmundi define seu segundo álbum de estúdio em texto publicado pela Folha de Pernambuco. O disco traz canções marcadas pela pluralidade de gêneros: funk melody, afrobeat, reggae, balada, bossa nova, samba, R&B, soul e jazz. As nove faixas dialogam com as reviravoltas da vida pessoal da cantora, tendo suas relações amorosas como fio condutor. É o caso de Vibra, escrita em parceria com Omar Salomão, que fala de um amor vivido “nas entrelinhas”:

“Eu não vou dizer nada / O que foi dito no momento cabe / Um poema pra marcar o tempo que nos resta / A pele explica tudo que fica / Vibra / Vibra / Entre nós / Nas entrelinhas”

Acompanho o trabalho de Mahmundi desde 2015, mas sinto que, depois de Para dias ruins, estou mais conectado a ela do que nunca. O disco chegou à minha playlist em agosto, na mesma época em que eu começava a viver uma paixão. O álbum era trilha quase que obrigatória dos momentos que passamos juntos. Foi muito significativo ter uma mulher negra e LGBT cantando sobre meus sentimentos. Não acho que aqueles eram dias ruins, mas certamente o trabalho da cantora carioca tornou aqueles dias muito melhores. Aguardo ansiosamente por um show de Mahmundi na capital cearense.

Outros destaques: o romântico reggae Qual é a sua e a reflexiva bossa Eu quero ser o mar.

7. A pele do futuro (2018, Biscoito Fino), de Gal Costa

Em seu quadragésimo disco de estúdio, Gal Costa recorre à estética da black music dos anos 70 para dar continuidade ao processo de revitalização da sua carreira, iniciado em Recanto (2011, Universal Music). A pele do futuro tem disco, dance, pop, MPB, samba e baladas. Aos 53 anos de carreira, a cantora fala de amor, separação e reflete sobre o processo de envelhecimento. É exatamente essa última temática que aparece com mais força em Viagem passageira, composição de Gilberto Gil, que versa sobre os efeitos da passagem do tempo:

“A pele do futuro finalmente / Imune ao corte, à lâmina do tempo / O tempo finalmente estilhaçado / E a poeira sumindo no horizonte”

Gal é, definitivamente, minha cantora favorita. Do disco novo, me toca especialmente a faixa Realmente lindo, escrita por Tim Bernardes. No começo de uma paixão, escutava a canção dizer: “Vai ver eu já estou chegando / De longe pra lhe acalmar”. E, de fato, me acalmava. Resta dizer que é significativo ver uma Gal já septuagenária reinventando sua carreira e ouví-la cantando aquilo que o tempo lhe trouxe de bom. Se a viagem é passageira, a arte de Gal certamente não será.

Outros destaques: a romântica Palavras no corpo e a reflexiva Cabelos e unhas.

8. Sinto muito (2018)

Recentemente premiada pela APCA (Associação Paulista de Críticos de Artes) na categoria Revelação da MPB em 2018, a recifense Duda Beat tem Sinto muito (2018) como primeiro álbum de sua carreira. Reggae, dub, brega, pop e música latina são alguns dos ritmos aos quais a artista recorre para falar de suas sofridas experiências românticas e refletir sobre o amor dos tempos modernos. Em entrevista ao portal TMDQA!, a cantora afirma que seu som é “sofrência pop, mesmo”. Por isso, a canção destacada aqui é Back to Bad, balada sobre a trajetória de alguém que “quis se dar inteira”, mas foi rejeitada:

“Eu nunca fui tão humilhada por você, meu amor / A vida toda eu quis me dar inteira / Mas você só queria a metade / E desse jeito a gente viveu uma coisa louca / Você gostou / Depois pegou, olhou e viu que não serviu / E então me jogou fora assim”

Quem me apresentou o álbum foi o querido amigo Mateus Sales. Além de ser o maior divulgador de Sinto muito que conheço, publicou recentemente sua teoria sobre o disco, em um texto que vale a pena conferir. Desde a tarde em que ouvi os primeiros toques de Todo carinho, o álbum se tornou meu favorito de 2018. Além de dizer bastante sobre o que sinto quando me apaixono, o trabalho da “Kali Uchis brasileira” virou gosto comum entre vários outros amigos. Escutá-lo é, acima de tudo, como estar perto daqueles que tanto amo. A expectativa é grande para um possível show da cantora no festival Maloca Dragão 2019. Todo sucesso do mundo para Duda é pouco.

Outros destaques: o dançante brega Bédi Beat e o autossuficiente reggae Bolo de rolo.

9. Um corpo no mundo (2017, YB Music)

O primeiro álbum de Luedji Luna traz canções que mesclam MPB, jazz, blues, ritmos do congo, samba, reggae e batuque baiano. Nele, a soteropolitana canta sobre negritude, pertencimento e diáspora africana. Em entrevista ao programa Amplifica (2018, Natura Musical), ela afirma que a presença dessas temáticas no álbum está ligada à sua mudança de Salvador para São Paulo, em 2015. Por isso, a canção destacada aqui é Um corpo no mundo, faixa que dá título ao álbum e aborda a percepção da compositora diante da imigração africana na capital paulista:

“Eu sou um corpo / Um ser / Um corpo só / Tem cor, tem corte / E a história do meu lugar / Eu sou a minha própria embarcação / Sou minha própria sorte”

Lembro com arrepios de escutar a canção enquanto atravessava o cruzamento da universidade em que estudo. À época, prestes a escolher um novo presidente, me vi negro e universitário — percebi que precisava defender, por meio do voto, a possibilidade de que outros corpos iguais ao meu tivessem a mesma chance que tive. Ecoava na minha cabeça: “Je suis ici, ainda que não queiram”. Acima de tudo, ter ouvido um disco sobre negritude foi de extrema importância no ano em que eu mais tomei consciência do quão políticos são meu corpo, minha cor, meu corte e minha existência no mundo.

Outros destaques: a dançante Banho de folhas e a serena Asas.

10. Brasileiro (2018, Slap)

Em seu quinto álbum de estúdio, Silva rompe com a estética alternativa empregada em trabalhos anteriores para dar voz à sua brasilidade. Nas faixas, o músico reafirma a identidade nacional e levanta questões sociais que perpassam o momento político vivido no país. Samba, axé, pagode carioca e bossa nova são alguns dos ritmos encontrados no disco lançado em maio de 2018. A canção Nada será mais como era antes, por exemplo, versa sobre a desesperança do povo brasileiro diante do futuro da nação:

“Eu já me perguntei / Como a gente vai ser brasileiro / Não abrace o desdém / Muita gente não gosta daqui”

Este foi mais um dos discos que ouvi com atraso, mas ouvi na hora certa. Alguns dias depois do resultado das eleições presidenciais, conheci Brasileiro. Em meio ao medo e ao derrotismo daquele momento, me senti abraçado e acolhido pelas canções do álbum. Foi mais lindo ainda ver Silva de perto no Festival Elos, em novembro. No show, tive a impressão de que o cantor flutuava no palco, de tão pleno. Chorei demais ali. Foi para lavar a alma deste jovem brasileiro que vos escreve.

Outros destaques: as românticas A cor é rosa e Guerra de amor; as questionadoras Caju e Milhões de Vozes.

Menções honrosas

Como nem só de dez álbuns sobreviveu minha playlist em 2018, cito aqui alguns outros discos que também me marcaram nesse ano:

Num sol que já é quase de janeiro, relembrar vivências e canções fez com que eu me sentisse grato por tudo que ouvi e vivi em 2018. Apesar do climão, eu e geral sentimos que foi bom. É impossível não ficar ansioso para saber o que a vida vai fazer de mim — e de nós — em 2019. Ainda não sei. A única certeza é que sempre vai haver uma trilha sonora cantando exatamente o que preciso ouvir naquele momento.

Que o próximo ano seja de mais discos, shows, corpos soltos, corpos no mundo, prosas, nós desatados, tempo para amar, versos precisos, carinho e céu cor de rosa. Por fim, de presente, deixo uma playlist com as canções citadas no texto e mais algumas outras:

--

--

William Barros
William Barros

Cearense, repórter na Folha de S.Paulo. Criativo, curioso e interessado em contar boas histórias.