O cenário independente permanece comprovando o caráter problematizador da música brasileira | Arte: William Barros

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MPB: Música Problematizadora Brasileira

Confira, em nossa lista, 10 artistas nacionais que emprestam suas vozes e composições em favor do questionamento social

William Barros
William Barros
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13 min readApr 7, 2018

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Por Gabriela Feitosa, William Barros e Davi César

As problematizações levadas a público por artistas brasileiros sempre favoreceram conscientização e debate. Seja no samba de raiz, seja no rap nacional, a música brasileira representa as mais variadas vozes e classes. Nos anos de 1960 e 1970, as canções de protesto contra o regime militar tornaram-se clássicas nas vozes de Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Geraldo Vandré e Belchior, dentre outros artistas. Pra Não Dizer que Não Falei das Flores, uma das mais emblemáticas criações musicais do período, intimava: “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.

Na década de 1980, o rock’n roll de Cazuza, dos Titãs e da Legião Urbana chegava para questionar, por exemplo, “que país é esse?”. Já na década de 1990, foi a vez do rap — com a poesia ritmada de Thaíde, MV Bill e Racionais MC’s — trazer à tona o cotidiano violento da periferia e nos mostrar como era “sobreviver ao inferno”.

Hoje, problematizar na arte ainda é preciso. À medida que opressões da época ditatorial passam a não mais existir, novas problemáticas, pouco discutidas em outros tempos, como feminismo e questões de gênero, começam a ganhar maior destaque. Diversos artistas da nova safra musical brasileira compreenderam isso e vêm se empenhando para discutir questões de relevância em diversas agendas — raciais, femininas, políticas — sejam estas realidades recentes, sejam históricas.

O protesto por meio da arte segue se renovando nas formas de comunicar e de se propagar. Redes sociais, como Facebook e Youtube, impulsionaram produções independentes de artistas do país inteiro e deram voz a uma nova geração da música brasileira, que pode ser sentenciada no trecho de Flutua, canção de Johnny Hooker com participação de Liniker: “Um novo tempo há de vencer, pra que a gente possa florescer”.

Mas, se você é daqueles que acham que “não se fazem músicas boas como antigamente”, tente deixar esse pensamento de lado por um instante e mergulhar na diversidade de possibilidades que o cenário musical brasileiro pode apresentar! Em nossa lista, você encontra 10 artistas ou bandas que trazem atuais e pertinentes questionamentos no repertório musical sobre o cenário social que vivemos hoje.

  1. XÊNIA FRANÇA (Indicação de Gabriela Feitosa)
Pra que me chamas, música de abertura do álbum, traz o debate sobre apropriação. Xênia canta: “De vez em quando / Um abre a boca / Sem ser oriundo / Para tomar pra si / O estandarte / Da beleza, a luta e o dom”

“Mais Conhecida como Xaniqua Jonhson!”. É assim que a cantora se apresenta em seu Facebook, no que parece ser uma referência à Shaniqua Johnson, personagem do filme Crash — No limite (2004), que traz como questão central a temática racial. E isso diz muito sobre a artista e seu disco solo lançado recentemente.

Xênia é baiana e chegou a São Paulo com o sonho de ser modelo, mas acabou descobrindo seu talento pela música — que mais tarde seria unido à sua militância feminista e negra. Em 2011, iniciou sua carreira na banda Aláfia, em que era a única mulher vocalista. O grupo tratava de questões étnicas em canções bastante densas, algo marcante na trajetória musical de Xênia. Foi em seu disco solo intitulado Xenia (2017) que ela concretizou o sonho de ter um projeto pessoal.

O álbum é uma provocação bem-vinda a esses tempos em que a problematização é vista muitas vezes como desnecessária. Em uma conversa forte e incisiva, mas, ao mesmo tempo, delicada e intimista, Xênia escancara temas como a apropriação cultural, a solidão da mulher negra e os racismos diários e estruturais.

Do disco, destaco Pra que me chamas, Perfeita pra você e Respeitem meus cabelos, brancos, mostrando o que você vai encontrar em quase 48 minutos de pura ancestralidade: uma mistura gostosa de ritmos afro-brasileiros, representatividade e a certeza de que a produção musical negra é muito forte.

2. FRANCISCO, EL HOMBRE (Indicação de Gabriela Feitosa)

Triste, louca ou má representa, sem dúvidas, um período de renascimento para nós, mulheres

Trilha sonora da novela O outro lado do Paraíso (2017, Rede Globo), “Triste, louca ou má” tem se tornado uma canção porta-voz da trajetória de muitas mulheres que passam ou passaram por algum tipo de relacionamento abusivo.

“Francisco, el hombre” é nome de um personagem lendário da cultura popular colombiana, presente no livro “Cem anos de solidão”, de Gabriel García Márquez, e também dá nome à banda que já fez diversos shows pelo Brasil, além de outros países da América Latina.

A banda brasileira, composta por cinco membros, lançou seu último álbum em 2016 com o nome de SOLTASBRUXA. Assim mesmo, tudo junto e em caixa alta. A ousadia da banda pode ser observada em trechos como: “Se a um fascista é concedido cargo alto e voz viril (…) Mesquinhez e intolerância, bolso nada que pariu.”, da faixa Bolso Nada.

Francisco, el hombre estará em Fortaleza para o festival de arte e cultura Maloca Dragão. Detalhes como o horário do show e local podem ser conferidos aqui.

3. JOHNNY HOOKER (Indicação de William Barros)

Em Flutua, Johnny assina o roteiro do clipe junto com Daniel Ribeiro, diretor do aclamado longa-metragem Hoje eu quero voltar sozinho (2014)

Nos palcos, o pernambucano John Donnovan assume uma outra personalidade: Johnny Hooker, “uma mulher em fúria no corpo de um homem com os olhos marejados de lágrima”, como o próprio artista define seu alter ego. “Eu assumi esse nome [Hooker], gíria americana para prostituta] por ter essa perspectiva da objetificação das mulheres, do machismo que elas sofrem diariamente.”, afirmou em entrevista à revista Caliban.

O álbum Eu Vou Fazer uma Macumba pra te Amarrar, Maldito! (2015) — primeiro trabalho da carreira de Johnny — trata de sexo, dor e vingança, trazendo a classe LGBT como pano de fundo para canções românticas, em faixas como Segunda Chance e Você Ainda Pensa?.

Depois de colocar suas músicas nas trilhas sonoras de filmes, novelas e vencer na categoria “Melhor Cantor” no Prêmio da Música Popular Brasileira (2015), Hooker lançou o disco Coração (2017), com a faixa Touro, que carrega um tom político: “Fascistas, passem por lá / Levando o seu mau agouro”. Entretanto, é impossível não destacar Flutua, canção que conta com a participação de Liniker. Nesta faixa, a bandeira levantada é a do amor livre: “Um novo tempo há de vencer pra que a gente possa florescer e, baby, amar, amar sem temer”.

O clipe de Flutua (acima) é um capítulo à parte. Nele, os atores Jesuíta Barbosa e Maurício Destri interpretam um casal que é vítima de homofobia — o personagem de Maurício é agredido após darem um tímido beijo na boca. A grande inovação é que todos os diálogos do vídeo acontecem através da Língua Brasileira de Sinais, levantando a temática da inclusão social dos surdos.

4. LINIKER E OS CARAMELOWS (Indicação de William Barros)

Trecho da apresentação da banda no programa Manos e Minas (2016, TV Cultura) em que cantam BoxOkê

Não foi à toa que a banda se sagrou vencedora na categoria “Revelação” do Prêmio Multishow de Música Brasileira de 2016. Em 2015, quando um vídeo intimista de Liniker cantando a deliciosa canção Zero começou a circular pela internet, a voz grave e o visual (turbante, saias, brincos de argola e batom roxo contrastando com a barba da artista araraquarense) chamaram atenção, concomitantemente a um momento bastante propício para que os padrões de gênero fossem questionados de forma mais incisiva.

Depois do lançamento do EP Cru (2015) e a consolidação do sucesso, foram inúmeras as entrevistas em que teve de explicar sobre a sua identidade de gênero. Inicialmente, optou pelo não-binarismo. Até que, em meados de 2016, entendeu-se como uma mulher trans e negra. Daí em diante, o uso do artigo feminino foi definitivo em sua vida, processo relatado em entrevista ao programa Espelho, com Lázaro Ramos (2017, Canal Brasil).

Com os Caramelows, Liniker lançou o disco Remonta (2016), no qual abordam temas como amor, relacionamentos (a exemplo das faixas Tua,Sem Nome, mas com Endereço e Ralador de Pia) e empoderamento (caso da canção BoxOkê).

Para além das entrevistas e das composições, a intenção de Liniker em empoderar o público é evidenciada em um momento do show conhecido como “Bênção do Lacre”, mostrado durante entrevista da banda no Programa do Jô. Vale a pena conferir!

5. CARNE DOCE (Indicação de Gabriela Feitosa)

Com mais de 500 mil visualizações no YouTube, Artemísia centraliza o debate sobre aborto ao mesmo tempo que faz incisivas provocações

Com dois álbuns lançados, Carne Doce é, hoje, um dos expoentes do cenário musical independente brasileiro. A banda nascida em Goiânia, de Salma Jô e Macloys Aquino, que já haviam trabalhado juntos (o EP Dos Namorados), conta hoje com cinco integrantes e milhares de fãs. Carne Doce (2014)apresenta a banda com a carga de originalidade, já muito característica do grupo, que sempre acompanha as letras e melodias.

O álbum flerta o tempo inteiro com questões sociais, desde discussões étnicas até o “ser tão urbano” das cidades. Mas, Salma, a vocalista, não é tão óbvia. “Eu gosto de complicar as coisas”, disse ela em entrevista ao programa Cultura Livre, no final de 2016. A cantora mostra isso muito bem nas letras ousadas, ásperas e incômodas de Princesa (2016), que foi considerado um dos melhores álbuns do ano por blogs como Noize e Miojo Indie.

Carne Doce aborda temas espinhosos de uma forma mais espinhosa ainda e o resultado disso está em músicas como Falo, que diz: “E é bom que você se cuide, não vai ter quem lhe acude quando eu quiser te capar”.

O álbum é, em essência, uma reunião efervescente de temas necessários para discutir o que é ser mulher, o que é ser gente.

Ele conversa com momentos íntimos da própria vocalista e expõe inseguranças e preocupações comuns à maioria de nós, como na música Açaí, onde Salma canta “Se eu ralasse como os meus pais, se eu fizesse o que é certo”. Vale destacar também as músicas Falo, Artemísia (cujo tema principal é o aborto) e Eu te odeio. A turnê de Princesa terminou recentemente, mas o significado do álbum, certamente, continuará sendo digerido por muito tempo.

6. AS BAHIAS E A COZINHA MINEIRA (Indicação de Davi César)

Um berro sutil, elegante e certeiro. É a impressão que dá a musicalidade d’As Bahias e a Cozinha Mineira à primeira ̶e̶s̶c̶u̶t̶a̶d̶a̶ vista. Elegante e sutil pelos arranjos de Rafael Acerbi e pelo teclado de Deivid Santos. Berro certeiro pela densidade das composições e interpretações de Raquel Virgínia e Assucena Assucena.

O grupo paulista nasceu do encontro de Acerbi, Virgínia e Assucena, na faculdade de História da USP, e deu início à carreira embalando festas universitárias. Em 2015, ganhou notoriedade nacional com o disco “Mulher”, que trata de temas como machismo e homofobia. Com uma representação plural de mulher, o álbum grita contra a intolerância, o conservadorismo e o preconceito em letras de músicas como “Uma Canção Pra Você (Jaqueta Amarela)”, “Reticências” e “Josefa Maria”.

Bebendo da fonte de outros artistas de renome como Gal Costa e Clube da Esquina, As Bahias e a Cozinha Mineira abusa da ironia como forma de protesto no segundo álbum de estúdio, “Bixa” (2017) — em alusão ao disco de Caetano Veloso “Bicho” (1977) — e persiste com melodia irreverente em nuances de acid jazz e muita tropicalidade. A banda é também atração confirmada para o Festival Maloca Dragão e estará presente no quinto dia do evento, 29 de Abril, às 21h20, no Palco Draga Dragão.

7. PROJETO RIVERA (Indicação de William Barros)

Clipe de Ladrilhar, bem humorado, crítico e cheio de referências a conhecidas figuras políticas do nosso país. Lançado pela banda no início de 2017, em parceria com a produtora cearense Villa Filmes

Para quem acompanha o cenário musical cearense desde o fim da década de 2000, Victor Calíope, Flávio Nascimento, Bruno Silveira e Matheus Brasiljá eram figuras conhecidas. No entanto, foi somente em 2012 que os rapazes se reuniram para formar o Projeto Rivera, banda de Rock que já tem no seu currículo participações em festivais como Rock in Rio, SIM (Semana Internacional da Música de São Paulo), MADA (Música — Alimento da Alma) e Ponto CE. Suas canções cruzam influências que passam pela MPB e vão do Baião ao Rock Alternativo.

Depois de Eu vim te trazer o Sol (2015), primeiro álbum do conjunto, marcado por forte regionalismo, os músicos decidiram mostrar um lado mais crítico e consciente em Eu vejo você, lançado em 2018 e produzido durante a passagem da banda pelo Laboratório de Música do Porto Iracema das Artes. A obra contou com a tutoria de Léo Ramos, líder da banda Supercombo.

O título é uma tradução da expressão “sawabona”, termo utilizado por tribos sul-africanas e que remete à ideia de empatia, temática bastante presente nas faixas do disco, especialmente em Varanda. Em Triturado, abordam a depressão com um tom que quase nos transporta para uma encenação teatral, através de um eu-lírico que se questiona: “De que valem esses dias / Se boa parte é tão vazia?”. Já na canção Zael, trazem à tona a questão da identidade de gênero e dão voz às experiências de todos aqueles que não se identificam com os padrões impostos pela sociedade.

Não sendo suficiente, ainda encontram espaço para discutir o cenário político. Em Ladrilhar, levantam inúmeros questionamentos sobre o Brasil do contexto atual. A crítica social é direcionada tanto aos políticos quanto a cada um de nós, brasileiros: “Um tal de zé, sempre foge a luta / Mas enche o peito com seus discursos vazios em praça pública.”

8. GETÚLIO ABELHA (Indicação de William Barros)

Laricado, lançado em dezembro de 2017, com direção e edição do próprio Getúlio

“Eu acho que eu sou uma cabeça bugada na matriz que chega para fazer um furacão e transtornar os lugares”. Foi assim que o piauiense Getúlio Abelha se definiu durante entrevista concedida ao programa É Hoje! (NordesTV). Figura conhecida em Fortaleza, cidade onde mora há alguns anos, é dono de um visual bastante singular — impossível não lembrar de David Bowie ao vê-lo — e de uma personalidade artística multifacetada: canta, atua, performa, escreve e compõe.

É da infância, época em que era levado pelo pai a bares, karaokês, serestas e shows, que Getúlio absorve as referências para suas músicas: o Brega e o Forró. Neste sentido, a proposta do artista é desconstruir o machismo enraizado na cultura nordestina e reforçado pela produção musical da região. Getúlio também relata um cruzamento de influências que vão desde Madonna, Björk e Depeche Mode a Zezo, Calcinha Preta e Pinduca.

O cantor trabalha atualmente em um projeto intitulado Corta Fogo, que consiste na produção de singles em parceria com o instrumentista Batuta e na divulgação do material no canal de Getúlio no YouTube. Em suas canções, traz a temática LGBT para o universo dos ritmos nordestinos , como é o caso de Tamanco de Fogo, uma crítica à homofobia no meio religioso.

O destaque fica por conta de Laricado, grande hit de Getúlio. A canção de ritmo dançante retrata de forma muito natural a relação entre dois homens: “Você vai me comer, eu vou comer você / Você vai me comer e a gente vai se devorar”. O clipe foi lançado no final do ano passado e já conta com mais de 30.000 visualizações. Tudo isso, graças à inovação e à irreverência de Abelha, que escolheu o Mercado São Sebastião — ponto turístico de Fortaleza — como cenário para o vídeo. “As pessoas acordaram, vieram trabalhar e, do nada, chegou um viado parecendo um redemoinho, girando nos corredores”, relembra.

9. KARINA BUHR (Indicação de Gabriela Feitosa)

Selvática já se repete na boca e nas letras de outras artistas. Virou verbo, nome próprio, oração. Eu, selvática; Tu, selvática; Nós, selváticas; Eles, não passarão.

“No final ideal não terás domínio sobre mulher alguma!”. Essa é a frase que encerra o último álbum lançado pela cantora pernambucana Karina Buhr. Não à toa, a música Selvática dá nome também ao disco e avisa: Já não há quem possa!

Depois de Eu menti pra você (2010) e Longe de Onde (2011), o terceiro trabalho autoral lançado pela artista, Selvática (2015), é reflexo das muitas facetas de Karina. Cantora, compositora, atriz, escritora e ilustradora. Ainda em 2012, começou a publicar uma coluna mensal para a Revista Cultura. Foi quando surgiu o convite para trabalhar em seu próprio livro. Desperdiçando Rima foi publicado no mesmo ano do lançamento de Selvática.

O álbum possui referência bíblica, inclusive no nome. Mas, longe de ser mais um material religioso, Selvática é uma afronta àquilo que a bíblia e a sociedade construíram em torno do que é mulher, feminino, profano e sagrado. Na capa, Karina aparece como guerreira, segurando uma lança Yanomami, colares de búzios, seios à mostra, desafiadora. Nas músicas, letras francas e espontâneas se misturam ao sotaque nordestino e à sonoridade pesada. Karina canta: “Hoje eu não quero falar de beleza/Ouvir você me chamar de princesa/Eu sou um monstro”, na música de abertura do álbum (Eu sou um monstro).

Selvática, Dragão e Eu sou um monstro, marcadas por letras que visam o empoderamento e exaltação da mulher, são as músicas que se destacam do álbum.

Ainda colhendo frutos do Selvática, Karina continua fazendo shows em festivais de músicas alternativas, como o Rec Beat. Também segue participando de projetos teatrais, a exemplo do Cabaret Macchina, peça produzida pelo coletivo Casa Selvática.

10. RINCON SAPIÊNCIA (Indicação de Davi César)

Representante legítimo do atual hip hop, o artista é ácido nos versos carregados de críticas sociais e no ritmo composto por uma fusão de batidas — passeando pelo rap, funk e samba.

Com influências do rap nacional como Racionais MC’s e Sistema Negro, orapper representa traços marcantes da diversidade brasileira e aborda em suas músicas problematizações em diversas esferas. Entre os destaques mais recentes, discorre sobre racismo e política em “Galanga Livre”. Em cada verso da canção há espaço para questionamento. A progressão da letra é construída embasada em uma lógica que flutua entre o histórico e o contemporâneo, como nos versos: “Eu não vou bater panela na varanda!/Rua nós vamos ocupar” e “Fui convidado pro jantar/Migalhas não vou recolher!/Vida me chama pra cantar/Sem fuga, livre pra correr!”

Em outro hit, “Ponta de Lança (Verso Livre)”, Sapiência reflete sobre o próprio cenário do rap brasileiro. Provocador, o músico enfatiza a importância de sua arte como fator de problematização social: “Quanto mais a gente inserir valores culturais nossos — pode ser o candomblé, a umbanda, capoeira, ciranda, funk, o arrocha, sertanejo — de uma forma bem dosada, todos esses temperos enriquecem a nossa música”, destaca em entrevista ao El País.

Menção Honrosa: ELZA SOARES (Indicação de Davi César)

Provocativa e irreverente, Elza já problematizou com trechos como “a carne mais barata do mercado é a carne negra” | Foto: Elza Soares/Divulgação

A menção honrosa desse texto vai para uma artista que não é nada recente, mas que continua a ressignificar sua obra e a representar vozes oprimidas e silenciadas no contexto social.

Com cerca de 80 anos, a voz da mulher do fim do mundo ecoa cada vez mais alto. Elza Soares é símbolo de luta e representatividade. Artista consagrada, a cantora já possui 60 anos de carreira, mais de 30 discos gravados e um Grammy Latino — além de ter sido considerada uma das cem maiores vozes brasileiras pela revista Rolling Stone.

Da sua voz rouca já saíram clássicos como, “A carne” (2002) e “Maria da Vila Matilde” (2015), que, dentre outras canções do repertório da artista, provocam e questionam o comportamento patriarcal e machista que assola o Brasil e que sempre a acompanhou desde a infância no Rio de Janeiro.

Um ícone da negritude e do empoderamento feminino, a cantora segue criando, se reinventando e provocando. Sobre seu próximo álbum de estúdio, “Deus é Mulher”, Elza afirmou em entrevista à BBC Brasil que segue mais uma vez protagonizando o feminino e reiterou a importância do grito.

“O momento é propício para o grito. Esse grito não pode ser silenciado. Tem que continuar gritando, e muito”

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William Barros
William Barros

Cearense, repórter na Folha de S.Paulo. Criativo, curioso e interessado em contar boas histórias.