Três casais são os personagens do álbum “Se amar for ousadia”, do cearense Wesdley Vasconcelos (FOTOS: Arquivo Pessoal | Arte: William Barros)

HISTÓRIAS DE VIDA

Um disco sobre a ousadia de amar

Disco reúne canções sobre casais LGBTs que anteciparam casamentos após as eleições de 2018

William Barros
William Barros
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4 min readFeb 7, 2020

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Reportagem produzida para a editoria “Diversão”, do portal Tribuna do Ceará em 2019.

Brasil, outubro de 2018. Jair Bolsonaro (PSL) é eleito presidente. LGBTs passam a temer a perda de direitos civis. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) orienta que casais homoafetivos antecipem seus casamentos até dezembro daquele ano. Redes de apoio se formam para oferecer cerimônias gratuitas. No meio dessa história, começa a surgir “Se amar for ousadia”, o álbum mais recente do cearense Wesdley Vasconcelos.

O músico fez parte dos grupos que contribuíram para os casamentos realizados em Fortaleza, juntamente com fotógrafos e outros profissionais ligados ao ramo de eventos. No disco, ele compila três canções criadas a partir das histórias contadas por casais que adiantaram a oficialização de seus matrimônios.

“A ideia inicial era compor apenas uma, mas foi crescendo. Como elas tinham uma unidade conceitual, eu lancei esse álbum. Além de agradar os homenageados, é uma forma de dar visibilidade a essa questão. É uma obra artística e também política”, classifica o artista.

Wesdley Vasconcelos lançou recentemente o álbum “Se amar for ousadia” (FOTO: Marcelo di Holanda/Divulgação)

Há cinco anos, ele está à frente da produtora Fábrica de Canções. Desde 2014, clientes o contratam para produzir cantigas a partir das histórias que o contam. O compositor atende principalmente mães que desejam homenagear seus filhos e chegou a lançar um disco com alguma dessas faixas em 2016. Vasconcelos se refere às produções como “músicas personalizadas”.

“Apesar de ser um produto vendido, eu dou um tratamento afetivo. Faço várias perguntas, inclusive de foro íntimo. Esse tipo de informação pode dar carga poética a uma canção”, explica ele.

“Se amor for ousadia” está disponível nas principais plataformas de distribuição digital de música. Segundo o músico, o disco tem obtido maior repercussão entre a comunidade LGBT. Para ele, seu papel enquanto artista é apenas dar visibilidade à temática.

“O lugar de fala não é meu. Não senti isso na pele. Tentei apenas gerar empatia e visibilidade. Tenho consciência de que estou apenas contribuindo para que as vozes deles sejam ouvidas”, reconhece Wesdley.

A “ousadia” de Gambit e Alexandre

Gambit, à esquerda, casou-se com o chef de cozinha Alex em dezembro de 2018 (FOTO: Reprodução/Natália Rocha)

“Menino, que ousadia é essa? / De mudar a minha vida / E me levar depressa / Pra juntar o meu caminho / Com o destino que a gente escreveu”.

Em dezembro de 2018, quem “juntou os caminhos” foi Alexandre Fagundes e Gledson Cavalcante, mais conhecido como Gambit Dance. Juntos há quatro anos, os noivos tiveram “Ousadia” como trilha sonora da tradicional valsa.

Gambit foi o primeiro a ouvir a faixa. Ele relata ter se emocionado bastante com a canção. “Estava em uma confraternização do trabalho, corri para dentro do banheiro e ouvi. Tive que ficar uns 10 minutos ali, porque eu não conseguia parar de chorar”, recorda o estudante de Jornalismo.

O “acalanto” de Adriana e Neiliana

Adriana e Neiliana casaram-se no fim de 2018 e pretendem ser mães (FOTO: Reprodução/Beatriz Bezerra)

“Meu acalanto, meu bem / Um canto pro amor que se tem / A gente espera por ti / Três corações para sorrir”.

O projeto de ter um filho é o mote principal da canção “Acalanto”, que homenageia Adriana Albuquerque e Neiliana Câmara. Antes de se tornarem “três corações”, elas decidiram se unir matrimonialmente no final de 2018. Na cerimônia, a canção composta por Wesdley foi mostrada em um vídeo com fotos do casal.

Durante a produção da faixa, as homenageadas sugeriram alterações. “Nos identificamos de cara com alguns trechos e fizemos alguns pequenos ajustes em outros. No final, a canção ficou perfeita. Foi um presente para a eternidade”, revela Adriana.

O “agridoce” de Raysa e Neuza

euza e Raysa participaram de um concurso promovido por Wesdley (FOTO: Reprodução/Carol Veras)

“Se eu misturar o meu gosto com o teu / O doce com o salgado / Churrasco e leite condensado”.

O “churrasco e leite condensado” de Raysa Quaresma é a parte favorita de Neuza Amirati na canção “Agridoce”, composta para as duas. “Não conheço mais ninguém além da Raysa que faça essa mistura, é marca registrada dela e sempre foi motivo de muitas risadas entre nós”, revela a psicóloga.

A oportunidade de ter uma música personalizada foi conquistada em um concurso promovido por Wesdley no Facebook. Para Neuza, o projeto teve uma importância incalculável. “É uma forma de estender a mão, de não nos deixar sós, de mostrar que essa batalha não precisa ser combatida sem ajuda”, avalia.

Para o compositor, o álbum é o registro do desejo de ouvir histórias e recontá-las à sua maneira. Para os homenageados, as três canções são retratos fiéis dos “sim” ditos nas cerimônias. Para o mundo, no entanto, o trabalho de Wesdley é documento da ousadia coletiva que contaminou parte da comunidade LGBT naquele Brasil do final de 2018.

Ouça “Se amar for ousadia”, de Wesdley Vasconcelos:

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William Barros
William Barros

Cearense, repórter na Folha de S.Paulo. Criativo, curioso e interessado em contar boas histórias.