Brasileiros na Estônia: Aline Maidla

Ana Luiza Silveira
Work in Estonia
Published in
7 min readApr 26, 2021

Ela cresceu na companhia de um avô estoniano e hoje vive em Tallinn, onde ajuda outras mulheres que chegam à Estônia a se adaptar ao país

Foto: Arquivo Pessoal

Antes mesmo de nascer, Aline Maidla já tinha uma conexão com a Estônia. Em 1944, durante a Segunda Guerra Mundial, seu avô, Edgar Maidla, precisou deixar a Estônia em busca de uma vida melhor para a família. Seu destino foi a Alemanha, onde conseguiu moradia e um trabalho como mecânico em um campo de refugiados. Trabalhou nessa função durante dois anos, até que, em 1947, surgiu a chance de pegar um navio para sair da Europa. Sem qualquer tipo de planejamento, Edgar desembarcou no Brasil.

Poliglota — ele falava inglês, estoniano, russo e alemão –, Edgar logo aprendeu o português, e foi trabalhar em fazendas no interior de São Paulo. E foi em uma dessas fazendas que ele conheceu a avó de Aline, Beryl Elizabeth Markham, que fazia parte de uma família que havia fugido do desemprego, da insegurança e da instabilidade econômica na Inglaterra após a Primeira Guerra Mundial.

Aline, a irmã e os primos, ainda crianças, posam em frente a uma árvore de Natal abraçados ao avô estoniano, Edgar.
Aline (de óculos) com o avô Edgar, a irmã e os primos no Natal de 1994 — Foto: Arquivo Pessoal

“Cresci com essa diferença cultural muito grande dentro de casa. Tenho muitas lembranças das comidas estonianas que ele fazia, como peixe defumado, linguiça defumada, mingau, e também das histórias que ele contava”, diz Aline. Quando era criança, ela acompanhava o avô nas reuniões dos estonianos em São Paulo. Em 1991, quando aconteceu a independência do país, Edgar saiu pelas ruas cantarolando e pendurando bandeirinhas estonianas nos postes, a caminho de uma festa com outros estonianos.

Naquele tempo, mesmo sem nunca ter pisado na Estônia, Aline já conhecia algumas de suas paisagens. “Quando era adolescente, minha irmã pintava quadros. Um dia, meu avô pediu que ela pintasse algumas fotos que ele tinha da Estônia. Então, estávamos sempre rodeados desses quadros com paisagens estonianas”.

O avô ensina Aline, ainda criança, a pintar ovos cozidos, uma tradição de Páscoa estoniana.
Pintando ovos cozidos (uma tradição estoniana de Páscoa) com o avô — Foto: Arquivo Pessoal

Quando a Estônia entrou para a União Europeia, em 2004, Edgar pediu que todos os membros da família fizessem a cidadania estoniana. E foi dez anos depois que a vida da Aline começou a mudar.

Um amor e uma nova carreira

Em 2014, ela trabalhava como babá na casa de uma família na Irlanda, quando ganhou férias e decidiu pesquisar o preço de passagens para viajar. Encontrou uma promoção para a Estônia e não pensou duas vezes. Conseguiu um trabalho em um hostel e fez as malas. “Meu objetivo era passar um mês na Estônia, mas me encantei. Tallinn é fantástica no verão! As pessoas valorizam muito essa época do ano, e eu aproveitei o verão como nunca. Me apaixonei pela vida aqui, pelas pessoas… e pelo meu marido”, conta ela.

Hendrik Hagala, o marido de Aline, morava em Tallinn, mas estava hospedado no hostel com um amigo, esperando para iniciar uma mudança de casa. E foi quem sugeriu que Aline ficasse por lá. “Eu já tinha uma ligação forte com o país, então decidi ficar. Fui trabalhar no bar de um amigo deles e comecei minha vida na Estônia”. No bar, ela conheceu muitos estonianos e estrangeiros, o que facilitou sua adaptação ao país — e também rendeu, meses mais tarde, um novo trabalho, como Customer Support em uma startup de meios de pagamento.

“O que eu nunca imaginei é que iria acabar, tempos depois, trabalhando na minha área de formação, que é o Direito”, diz Aline. Ex-funcionária pública no Brasil e com amplos conhecimentos bancários, em seis meses ela foi transferida para a área legal da empresa. “Ajudei a melhorar a comunicação com o Brasil e a construir a rota de envio de dinheiro do Brasil para o exterior. Depois, quando a empresa começou a crescer e criou uma área de compliance especializada no Brasil, fui chamada para fazer parte”. Hoje, ela trabalha em outra empresa, também na área de compliance. “Foi muito interessante para mim, jamais imaginei que iria trabalhar com isso na Estônia”.

Jeito brasileiro

A mudança para a Estônia trouxe alguns desafios culturais para Aline — e também para Hendrik, o marido. “Por serem mais fechados e valorizar a privacidade, os estonianos não são muito de jogar conversa fora como os brasileiros. Eu realmente sinto falta das conversas de fila de mercado, sabe? Aquelas em que você nem conhece a pessoa e, quando termina as compras, já sabe boa parte da vida dela”, brinca. “Quando mudei para cá, sete anos atrás, as pessoas estranhavam se você sorria, puxava conversa. Mas a comunidade estrangeira está crescendo e isso está mudando”, comenta.

A extroversão de Aline intrigava o marido, que não entendia por que ela abraçava e cumprimentava as pessoas tão efusivamente — como é o jeito dos brasileiros. Segundo Aline, isso rendia algumas discussões. “Isso mudou em 2015, quando fomos pela primeira vez juntos de férias para o Brasil. Passamos um tempo no litoral de São Paulo, visitamos locais da Mata Atlântica e a Reserva da Jureia, e depois o Rio de Janeiro. Ele gostou tanto que pediu para ir à favela da Rocinha e um ensaio da Mangueira”. E, é claro, entendeu o jeito de ser dos brasileiros.

A experiência fez com que Hendrik propusesse que o casamento dois dois, em 2018, fosse realizado no Brasil, para que a família também conhecesse o país.

Em seu casamento, Aline sorri abraçada ao noivo e aos sogros estonianos.
Com os pais de Hendrik no casamento, que aconteceu no Brasil — Foto: Arquivo Pessoal

Felicidade estoniana

O amor de Aline pela Estônia aumentou ainda mais quando ela começou a conhecer algumas atividades tradicionais do país, como o Carnaval de rua na Old Town e o famoso Laulupidu (Estonian Song Festival). “É uma imensa celebração de música e dança, muito bonita de se ver. São meses e meses de ensaios, os shows de dança são perfeitos. As pessoas andam com roupas tradicionais pelas ruas, extremamente orgulhosas”.

Outra programação que ela não perde são as feiras que acontecem em diversos bairros da Estônia nos meses de junho e julho. “Meu favorito é o Kalamaja Day. As pessoas abrem as portas de suas casas e fazem uma feira de garagem. Colocam uma mesinha fora de casa e oferecem comidas e bebidas. Você anda pelo bairro inteiro e vai provando. Todo mundo está feliz. É uma grande festa de verão”.

Várias mulheres sorriem para a câmera, em um dos encontros do grupo Brasileiras na Estônia em Tallinn.
Reunião do grupo Brasileiras na Estônia, que nasceu há três anos no WhatsApp — Foto: Arquivo Pessoal

Comunidade feminina

Aline sabe que nem todas as pessoas têm uma adaptação fácil à Estônia. “Quando cheguei aqui, a comunidade brasileira era muito pequena, tinha pouco mais de 60 pessoas. Há cerca de quatro anos, essa população começou a crescer, e eu sentia falta de conexão com outros brasileiros”, comenta. Por isso, em 2018 ela criou um grupo de WhatsApp, Brasileiras na Estônia, para reunir as mulheres que chegavam ao país.

“Primeiro, conversávamos apenas para marcar um café. Depois, foram surgindo pessoas perguntando sobre vistos, documentos. Hoje, é um grande grupo de suporte para as brasileiras, com 115 mulheres, em que a empatia é palavra de ordem e todo mundo se ajuda”, diz. “Chegar a um país tão diferente e sentir que não está sozinha dá muito mais segurança para elas. De vez em quando realizamos eventos para que todas se conheçam pessoalmente, se divirtam e façam novas amizades”.

Aline e duas amigas brasileiras sorriem, segurando suas novas carteiras de motorista emitida na Estônia.
Trocando a carteira de motorista na Estônia com outras brasileiras do grupo — Foto: Arquivo Pessoal

Para Aline, o primeiro passo para uma boa adaptação ao país é ter a mente aberta para novas experiências. “É uma grande saída da zona de conforto. Há muitos desafios, mas também muitas coisas boas. Muita gente vai embora porque quer morar na Estônia, mas levar aqui a mesma vida que tinha no Brasil. Os estonianos estão abrindo as portas do país deles para você, então é preciso chegar com disposição a viver uma nova vida aqui. Na minha experiência, está sendo muito legal”.

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