Saiba como foi desenvolvido o app HOIA, que ajuda a mapear a Covid na Estônia

Ana Luiza Silveira
Work in Estonia
Published in
6 min readSep 27, 2020

Uma parceria público-privada foi responsável pela criação e distribuição gratuita, com grande foco na privacidade dos usuários

Realmente era como algo saído de um filme da Marvel. Quando confrontados com um mal sem precedentes, o Homem de Ferro, o Capitão América e o Incrível Hulk se unem para salvar o dia. A situação era praticamente a mesma na última primavera na Estônia, quando o país estava procurando maneiras de conter a disseminação da Covid-19. Ainda assim, neste caso, os super-heróis eram um grupo heterogêneo de empresas de TI e instituições estatais da Estônia que queriam desenvolver um novo aplicativo para rastrear os contatos de pessoas infectadas com a doença. O aplicativo resultante, chamado HOIA, foi lançado em 20 de agosto e baixado mais de 113 mil vezes desde então. A parceria público-privada que produziu o HOIA também impressionou seus fabricantes, até porque eles o fizeram de forma rápida e gratuita.

“Até onde sabemos, esta é a primeira vez que tal empreendimento em grande escala foi realizado com sucesso desta forma”, disse Kristjan Aiaste, diretor administrativo da Iglu, empresa de TI sediada em Tallinn, que era responsável pelo gerenciamento técnico do projeto, análise de experiência de usuário (UX) e design de interface de usuário (IU) do aplicativo HOIA.

“Como precisávamos agir rapidamente e muitas empresas de TI estavam dispostas a participar, não havia tempo nem necessidade de um processo de aquisição complicado e demorado”, observou Aiaste. “Então, o aplicativo foi desenvolvido gratuitamente.”

HOIA — que significa “tomar cuidado” em estoniano — pode ser usado para informar os contatos das pessoas infectadas com o vírus e dar-lhes instruções sobre o que fazer se estiverem em contato próximo com alguém cujo teste seja positivo. O objetivo é prevenir a disseminação do vírus e alertar os expostos a buscar tratamento e tomar medidas preventivas.

O aplicativo depende da tecnologia Bluetooth de baixa energia, ou BLE. Os telefones com o aplicativo instalado podem captar sinais Bluetooth de telefones próximos e, se o sinal for próximo e frequente o suficiente, códigos anônimos serão coletados e armazenados no telefone referente a essa pessoa. Se uma pessoa com o aplicativo HOIA instalado estiver infectada, ela pode alertar o aplicativo, e aqueles que forem considerados como tendo estado em contato próximo com essa pessoa serão notificados imediatamente.

A identidade da pessoa infectada permanece anônima durante todo o processo.

Com base nas melhores práticas internacionais

A ideia do aplicativo não teve origem na Estônia. Aiaste observou que o conceito de usar telefones celulares e tecnologia BLE para rastrear a disseminação da Covid-19 e ajudar as pessoas a tomar as precauções necessárias contra a doença foi implementado pela primeira vez em Cingapura, onde o Ministério da Saúde e a Agência de Tecnologia do Governo projetaram e apresentaram o aplicativo TraceTogether em março. Mas as preocupações com a privacidade tornaram impossível usar o aplicativo de Cingapura na Estônia, o que significou que os desenvolvedores locais tiveram que desenvolver o seu próprio.

“O aplicativo de Cingapura foi feito usando o princípio de um aplicativo centralizado, onde o Estado tem dados sobre quem entrou em contato com quem, e o Estado decide quem informar e quando”, observou Veiko Raime, CEO da Mobi Lab, uma empresa sediada em Tartu que liderou o desenvolvimento de aplicativos móveis no projeto. “Para a Estônia, essa abordagem não garantiu o nível desejado de privacidade”, disse ele.

Em vez disso, a equipe da Estônia optou por uma abordagem descentralizada, em que as exposições do usuário são calculadas apenas em seus próprios dispositivos. Uma solução parcial apareceu em abril, quando o Instituto Federal Suíço de Tecnologia Lausanne introduziu o rastreamento de proximidade descentralizado com preservação da privacidade, ou DP-3T, como um protocolo aberto para permitir o rastreamento de contato digital de participantes infectados usando a tecnologia BLE. A equipe por trás do HOIA decidiu, então, usar o DP-3T como base para o novo aplicativo, enquanto usava a API de Notificação de Exposição fornecida pelo Google e pela Apple.

“A Estônia não construiu seu aplicativo do zero”, observou Raimo. “Nós nos baseamos na análise e no trabalho de equipes reconhecidas internacionalmente. Temos um aplicativo que é transparente e seguro para privacidade.”

Parceria público-privada

No final das contas, mais de uma dezena de empresas e organizações participaram da criação do HOIA. Além de Iglu e Mobi Lab, a Icefire, uma empresa de tecnologia com sede em Tallinn, desenvolveu sistemas de back-end para o aplicativo, assim como o Centro de Sistemas de Informação de Saúde e Bem-Estar (TEHIK), um centro de dados e comunicação supervisionado pelo Ministério de Assuntos Sociais da Estônia. O TEHIK também fornece suporte ao cliente para o HOIA e é responsável por administrar e hospedar o aplicativo.

A Mooncascade, baseada em Tartu, e a FOB Solutions, de Tallinn, também contribuíram para o desenvolvimento do aplicativo, enquanto a Velvet, uma agência de design estratégico com sede no distrito de Telliskivi, em Tallinn, foi responsável pelo desenvolvimento da marca do aplicativo e da página inicial. A Bytelogics e a Fujitsu ajudaram nas áreas de adoção de aplicativos, enquanto a empresa ASA Quality Services ajudou a testar o HOIA e a Heisi IT desenvolveu o portal do paciente.

O uso do sistema eletrônico de registros de saúde da Estônia, que depende de números de identificação pessoal emitidos pelo Estado, distingue este aplicativo de ferramentas semelhantes que existem em outros lugares.

“Na Estônia, incorporamos o registro do portal nacional do paciente ao processo de marcação de infecção”, observou Aiaste, da Iglu. “É necessário que o usuário do aplicativo verifique o resultado positivo do teste de Covid-19 com sua identificação pessoal”, disse ele. “Desta forma, os usuários podem ter certeza absoluta de que as possíveis notificações de exposição vêm apenas de pessoas com resultados de teste positivos.”

Um foco particular na privacidade e segurança

A Cybernetica, uma empresa de Tallinn de 23 anos especializada em projetar sistemas de dados seguros, foi responsável pela arquitetura e análise de segurança, em cooperação com a Guardtime, outra empresa sediada em Tallinn que oferece produtos baseados em blockchain. Dan Bogdanov, membro do conselho da Cybernetica, que ajudou a desenvolver o HOIA, elogiou o trabalho em equipe que foi necessário para produzir o aplicativo. “O desenvolvimento do HOIA foi realizado sob a bandeira da cooperação”, disse ele. “Após discussões iniciais, durante as quais a solução foi acertada, todos trabalharam em direção a um objetivo comum e fizeram tudo o que era necessário para alcançá-lo”, disse ele.

A privacidade era um grande problema para os desenvolvedores. Com base nos dados da pesquisa, eles sabiam que mitigar a apreensão do público sobre o compartilhamento de dados era uma prioridade. Em resposta, a Cybernetica e seus parceiros criaram uma solução que processa o mínimo de dados pessoais possível, mas ainda assim atinge seus objetivos.

“A análise de segurança e a descrição das medidas de segurança para todo o aplicativo são públicas e transparentes, e estamos prontos para explicar a todos como o HOIA é diferente de outros aplicativos”, disse Bogdanov. Ele observou que suas disposições de privacidade foram bem recebidas o suficiente para ter uma rápida aceitação do aplicativo, especificamente nos círculos de tecnologia, após seu lançamento.

Próximos passos

O próximo passo para o HOIA é “conseguir uma recepção calorosa de forma mais ampla”, observou Bogdanov. Para fazer isso, os desenvolvedores devem continuar a “falar sobre o sistema, explicar seus recursos e refutar desinformação” sobre a segurança do aplicativo, disse ele.

Aiaste observou que os downloads realmente aumentaram nos últimos dias e, em meados de setembro, quase um décimo da população da Estônia está usando o HOIA. Ele chamou essa adoção inicial de “encorajadora” e observou que ainda não houve campanhas publicitárias para o aplicativo.

Também estão em andamento planos para tornar HOIA disponível fora da Estônia. Aiaste observou que os desenvolvedores do HOIA estão trabalhando com equipes de outros países para estabelecer a base para a troca mundial de dados entre aplicativos de coronavírus semelhantes usados ​​em outros países.

“Uma solução transfronteiriça é definitivamente necessária e o trabalho para isso já começou”, disse ele.

O aplicativo HOIA pode ser baixado no Google Play e na App Store. Mais informações estão disponíveis no site do aplicativo.

Este texto foi publicado originalmente aqui.

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