“Demos adeus à correria”

Ana Luiza Silveira
Work in Estonia
Published in
4 min readNov 16, 2020

Começar a vida do zero no exterior é um desafio, mas Milena Apolinário sentiu que havia chegado a hora — na Estônia, ela iniciou uma nova carreira e descobriu uma cultura que valoriza a praticidade e o espaço para a vida pessoal

Milena, Fabiano e Baronesa curtindo o verão no Parque Kadriorg

Quando a Estônia surgiu na vida de Milena Apolinário, ela e o marido, Fabiano, estavam sem expectativas de trabalho no Brasil. Ela já tinha 15 anos de experiência em Supply Chain em grandes empresas, e ele, larga experiência em desenvolvimento de software. Era 2017 e eles viviam em Indaiatuba, no interior de São Paulo. E foi a visita de uma amiga brasileira que vivia em Tallinn que mudou tudo.

“Sempre tivemos vontade de viver juntos uma experiência internacional, mas não tínhamos coragem de pedir demissão dos nossos trabalhos”, conta Milena. “Quando essa amiga nos encontrou, durante suas férias no Brasil, falou tanto da Estônia que ficamos curiosos. Então, já que não tínhamos boas expectativas profissionais no Brasil naquele momento, nós dois pensamos: a hora é agora!”

No entanto, ao começar a procurar trabalho, não encontrou o que queria. “Buscava oportunidades em Supply Chain e não achava. Foi então que essa amiga comentou que muitos brasileiros iam à Estônia para trabalhar em Customer Support. Entrei no Glassdoor, achei uma vaga na TransferWise, me candidatei e, 20 dias depois, já estava com a oferta de trabalho, em uma nova carreira”, conta. Dois meses depois, o casal chegou a Tallinn.

Mudança sem pressa

Você deve estar se perguntando: “Dois meses?!”

Milena conta que esta foi a primeira surpresa — de muitas — que teve ao se mudar para a Estônia. “A empresa me deu total liberdade para dizer de quanto tempo eu precisava para organizar minhas coisas no Brasil e realizar a mudança com tranquilidade. Fiquei um pouco receosa de pedir dois meses, porque no Brasil, se você pede esse prazo para começar em um novo trabalho, possivelmente está fora do processo seletivo.

Mas depois eu soube de casos em que as pessoas chegaram a pedir oito meses, e estava tudo bem para a empresa. A preocupação aqui é de contratar quem realmente se encaixa na vaga”.

Outra surpresa foi a facilidade para crescer na carreira. Sete meses depois de iniciar na área de Customer Support, ela foi promovida a Team Leader. “A TransferWise possui uma enorme comunidade de colaboradores expatriados: são 70 nacionalidades, incluindo muitos brasileiros. Existe até um corner latino, com gente da América Latina, Espanha e Itália. Fiz muitos amigos e fui muito feliz trabalhando lá.”

Para Fabiano, o marido, a adaptação ao país não foi tão fácil. Enquanto Milena trabalhava, ele buscava emprego na área de TI e passava os dias explorando a cidade e buscando fazer suas primeiras amizades no país. “No começo foi complicado. Precisamos encarar outros costumes, o jeito mais fechado dos estonianos, a maneira como tudo funciona aqui”, lembra. Essa fase, no entanto, não durou muito e, algumas semanas depois, ele estava já estava trabalhando (confira a história de Fabiano aqui). Seis meses após a mudança, a família ficou completa com a chegada da beagle Baronesa, que havia ficado no Brasil.

Silêncio na consulta médica

Nem tudo é tensão no início da vida em um novo país. Milena lembra, aos risos, sua primeira experiência em uma consulta médica na Estônia. “No Brasil, estamos acostumados a sentar na frente do médico e responder a uma série de perguntas. Eu não sabia, mas na Estônia é você quem tem que falar. Então, eu e a médica ficamos nos encarando por vários minutos, até eu entender que ela estava esperando eu dizer alguma coisa!”

Para ela, viver no exterior é um exercício de desapego das raízes. “É preciso estar aberto às mudanças e entender o jeito de ser do país. Aqui na Estônia as pessoas são práticas e a vida é muito mais lenta. Nós, brasileiros, queremos acelerar as coisas, estamos sempre correndo. Aqui não se pode levar um documento antes para adiantar um processo. Existe um passo a passo que precisa ser respeitado”, observa.

Liberdade

Milena acredita ter encontrado na Estônia uma liberdade que não sentia, pessoal e profissionalmente, no Brasil. “As empresas na Estônia, te dão liberdade para criar, trazer novidades, mudar processos desde o primeiro dia de trabalho. A empresa realmente acredita você desde o primeiro minuto e você tem total autonomia para trabalhar da forma que achar melhor, desde que não atrapalhe a sua produtividade”, diz Milena. “Isso faz com que você consiga rapidamente mostrar seu potencial, e aí as oportunidades de desenvolvimento começam aparecer”.

Hoje, ela trabalha na Jeld-Wen, uma indústria fabricante de portas e janelas, atendendo diversos países do Norte da Europa. “Posso controlar meu horário e ter mais espaço para a vida pessoal. Eu caminho duas vezes por dia com a Baronesa no parque Kadriorg, próximo de casa. Temos tempo de sobra para aproveitar a vida”.

Laços fortes

Viver em outro país com o parceiro, para Milena, é um teste de resiliência. “É preciso ter laços muito fortes com a outra pessoa para encarar essa mudança. Depois dela, ou as famílias se desfazem ou se fortalecem. Existem dificuldades, por exemplo, quando um dos dois está trabalhando e o outro não; quando um fala inglês e o outro não”, avalia.

A saudade de casa, também. “Quero ficar aqui por mais alguns anos e depois voltar para o Brasil. Sinto falta da minha família. Mas precisaria voltar para um lugar mais tranquilo. Como eu poderia estruturar minha vida para ter essa qualidade de vida que tenho na Estônia? Penso muito nisso.”

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