Sem medo de arriscar

Ana Luiza Silveira
Work in Estonia
Published in
4 min readOct 6, 2020

Há dois anos, Gabriela Strautmann embarcou com a família rumo a Tallinn, em busca de um futuro melhor para o filho. Neste depoimento, ela relata como foi a decisão de mudar totalmente de vida em um país que não conhecia

Me formei em Hotelaria e Turismo no Brasil e trabalho com Customer Support há mais de 13 anos. Em 2013, fui estudar inglês na Irlanda e acabei ficando lá durante quatro anos. Nesse meio-tempo, comecei a trabalhar em uma escola de inglês, vendendo cursos de intercâmbio para brasileiros. Acabei conhecendo meu marido, Pedro, e tivemos um filho, Daniel, que nasceu na Irlanda.

Voltamos para o Brasil em 2017 e abrimos, em Campinas (SP), uma filial da empresa de intercâmbios. Eu amava esse trabalho, mas a vida no Brasil estava muito difícil, tanto em termos financeiros quanto de segurança. Quando o Daniel tinha sete meses, sofremos um assalto. Foi aí que comecei a pensar mais seriamente se seria possível dar um futuro e uma educação melhores para o meu filho; então, apenas oito meses depois do nosso retorno, decidi me candidatar a vagas de trabalho no exterior.

Encontrei a Transferwise, que me contratou como agente de Customer Support em português. Foi uma grata surpresa, porque eu não sabia nada sobre a Estônia. Não esperava que o país fosse tão desenvolvido, tão tecnológico. E as possibilidades de ter uma vida mais estruturada me atraíram muito.

Surpresas na chegada

A decisão de trazer a família toda foi interessante. Meu marido é engenheiro civil. Quando recebi a proposta de emprego aqui, meu filho tinha 11 meses e o Pedro estava tocando a empresa comigo. A gente sentou e conversou, morrendo de medo de chegar à Estônia, trazendo uma criança, e não conseguir creche, não se adaptar. O Daniel estava em introdução alimentar, a gente não sabia como era a cultura. Não sabia se havia apoio para a família. Meu marido não tinha informações sobre o mercado de trabalho na área dele.

Foi bem aventura, sabe? “Vamos tentar? Vamos”.

Desembarcamos em Tallinn um mês e meio antes do início do meu trabalho para nos adaptarmos. Chegamos com apartamento alugado, pois a empresa onde trabalho tem um programa de realocação e forneceu o contato de uma imobiliária. Só que tivemos uma surpresa: descobrimos que não existem creches para crianças menores de um ano e meio! Isso acontece pela duração da licença-maternidade, que é de 18 meses. Aqui na Estônia, se quiser, você pode tirar até três anos de licença. Então, encontramos uma babá brasileira, a Fernanda, que ficou conosco até o momento do Daniel ir para o jardim de infância.

Não demorou muito para o Pedro achar trabalho. Na verdade, foi muito rápido! Assim que chegamos, ele começou a enviar currículos. Logo na primeira semana, conseguiu três entrevistas de emprego, e foi contratado temporariamente como engenheiro civil em uma empresa estoniana. Ele terminou o projeto em uma sexta-feira, na quarta mandou currículo e, na semana seguinte, já estava em uma empresa nova, onde trabalha até hoje.

Nosso pequeno professor

Como o Daniel tem só três anos, passamos por mais uma adaptação, a do idioma. Ele não fala em inglês e, em casa, só falamos português. No jardim de infância, todos falam estoniano. Para ele, foi difícil no começo, pois não conseguia se comunicar. Hoje, já mais adaptado, ele consegue se comunicar em estoniano e está aprendendo inglês com desenhos. E agora é ele quem nos ensina estoniano!

Nosso cachorro, Snow, chegou seis meses depois de nós. Quando partimos, ele ficou em um hotelzinho para cães no Brasil. Ele ama o clima frio, porque é bem peludo, e sentimos que ele é muito feliz aqui.

Em pé de igualdade

Aqui na Estônia, sinto que a igualdade entre os sexos realmente existe. A licença-maternidade, por exemplo, pode ser dividida com o marido: você fica nove meses em casa com o bebê, e o pai fica em casa nos outros nove meses. A licença-paternidade é de trinta dias corridos. Vejo muitos homens empurrando carrinhos de bebê, cuidando da casa ou ficando em casa com as crianças para a mulher ir trabalhar.

Na escola, o Daniel tem aula de culinária. Outro dia ele chegou em casa com um pão que ele mesmo fez. Aqui, quando completam sete, oito anos, os meninos e as meninas têm aula de jardinagem, costura, culinária. Justamente porque aqui não existem “trabalho de homem” e “trabalho de mulher”. As crianças crescem muito independentes.

Acredito que vir para a Estônia foi a melhor decisão que tomei para minha carreira e minha família. Hoje sou Team Leader da área em que trabalho na empresa. Para o Pedro acabou sendo maravilhoso, porque conseguiu emprego na área dele, e o Daniel está recebendo uma boa, e mais prática, educação para a vida dele. Se eu tivesse ficado no Brasil, vendendo intercâmbios, nossa família teria sido prejudicada pela pandemia de Covid-19. Sou muito grata pela escolha que fiz, por ter ousado viver essa experiência.

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