Brasileiros na Estônia: Gabrielle Figueiredo e João Marcos de Souza

Ana Luiza Silveira
Work in Estonia
Published in
7 min readApr 27, 2021

A Estônia não estava nos planos do casal. Até que eles receberam uma proposta de trabalho — e se apaixonaram pelo país

Gabrielle e João, fortemente agasalhados, posam abraçados sob a neve na Old Town, em Tallinn.
Foto: Arquivo Pessoal

Eles se conheceram trabalhando em uma empresa de Comunicação em Santa Catarina. Gabrielle Figueiredo, jornalista, é de Jaraguá do Sul; João Marcos de Souza, publicitário, é de Guaramirim, duas cidades vizinhas localizadas no norte do estado. Em janeiro de 2016, ele decidiu se mudar pela segunda vez para a Irlanda; Gabrielle seguiu a rota e foi depois, em dezembro do mesmo ano. Viveram bem em Dublin, mas, passados alguns anos, decidiram que era hora de mudar de ares.

Não havia um plano específico. A ideia era buscar trabalho em outros países e mudar para aquele que oferecesse a melhor oportunidade. E a Estônia, curiosamente, não estava nessa lista. “A princípio, a Estônia não era nosso foco. O João fez entrevistas em diversos países, muitas empresas, e recebeu muitos nãos. Chegou a fazer quatro entrevistas no mesmo dia”, conta Gabi.

Foi um casal de amigos que já morava na Estônia quem acendeu a luz para a ideia de aplicar para vagas no país. “Conversávamos muito sobre a Estônia, mas era um papo de amigos. Eles sempre contavam que era um lugar legal para morar, com uma boa qualidade de vida e zero burocracia e complicações para tirar o visto”, diz ela. Certo dia, João decidiu se candidatar a uma vaga de Customer Support (atendimento ao cliente) em uma startup de meios de pagamento em Tallinn… e foi aprovado.

Gabrielle e João, sorridentes, passeiam de braços dados na Old Town, em Tallinn.
Um passeio pela Old Town — Foto: @edgaras_photography

Três meses depois, em fevereiro de 2019, eles se mudaram. “A Estônia não estava em nosso roteiro nem para viagem de turismo. A gente não conhecia nada, não sabia nem onde ficava no mapa. Mas conhecer um casal que já morava na Estônia foi fundamental para tomarmos a decisão de ir”, diz Gabi. Enquanto João se adaptava ao novo emprego, ela seguiu trabalhando remotamente para a escola de inglês que a empregava na Irlanda e, pouco tempo depois, começou a trabalhar como Verification Specialist em uma startup de verificação de identidade.

Tecnologia e simplicidade

Na Estônia, muitas empresas que contratam estrangeiros dão suporte para a realocação. Este foi o caso de João. “A empresa nos deu apoio pré-embarque e nos passou o contato de um corretor de imóveis certificado por eles que nos ajudou na procura por um apartamento. Fizemos tudo online e, quando chegamos ao país, fomos do aeroporto diretamente para o lugar onde moramos até hoje”, conta ele.

Logo nos primeiros dias, eles se impressionaram com Tallinn. “Achamos tudo relativamente perto e a cidade muito bonita. Nos surpreendeu bastante chegar aqui, porque toda a informação visual que tínhamos da cidade na internet mostrava apenas a parte histórica, mas Tallinn vai muito além disso”, diz João.

As facilidades da sociedade digital, onde 99% dos serviços do governo funcionam online, também encantaram o casal. Eles dizem que, por mais que lessem muito sobre como muitas coisas na Estônia funcionam baseadas em tecnologia, é impossível ter uma noção disso sem viver essa realidade. “Viemos de países superburocráticos, como Brasil e Irlanda; então, chegar aqui e poder fazer tudo online, sem se preocupar com filas ou agendamentos, foi impressionante. Assinar documentos online, declarar imposto de renda em 30 segundos, ter um cartão de saúde onde os médicos podem usar o chip para saber todo o seu histórico é tão surreal que nem parece verdade”.

O casal posa para a foto segurando um mapa da cidade de Tallinn.
Explorar a cidade é um dos hobbies de Gabi e João — Foto: @edgaras_photography

Gabi diz que eles poderiam passar horas enumerando tudo o que gostam na Estônia — dos locais preferidos até o custo de vida. “Tallinn é uma capital com ares de interior, tecnológica e histórica na medida certa. As estações do ano são bem definidas, então você consegue aproveitar bem todas as épocas, da neve à praia. O custo de vida é compatível com o salário que ganhamos e o transporte público e o sistema de saúde gratuitos são só a pontinha do iceberg, tem muitas outras coisas que nos fazem gostar tanto daqui”.

A vida cultural, com diversas opções de bares, cafés, boates, parques e festivais para aproveitar aos finais de semana, também é um grande atrativo. “Gostamos muito de conhecer lugares novos, especialmente porque amamos comer! Não vemos a hora de que tudo se normalize para voltarmos às nossas descobertas. A lista está enorme!”, comenta ela.

O casal posa na neve que cai sobre um bosque, em frente a um lago congelado.
Foto: Arquivo Pessoal

Adaptação com bom humor

Sem saber falar estoniano, eles encaram com bom humor a barreira do idioma e dizem que a maior dificuldade na adaptação à Estônia foi entender os produtos nas prateleiras dos supermercados. “A maioria deles está em estoniano ou russo e, em alguns poucos onde você encontraria toda a informação em inglês, eles colam um adesivo em estoniano ou russo por cima. No começo isso foi estranho, mas hoje em dia até nos ajuda a aprender um pouco mais da língua. O Google Tradutor está aí para isso, né?”, brinca João.

E foi justamente para conversar com a crescente comunidade brasileira na Estônia que eles criaram, em 2020, o blog Tere Tallinn, que conta também com perfis no Instagram e no YouTube. “Quando nos mudamos, não encontrávamos quase nada de material em português sobre a Estônia na internet, só em inglês, e tínhamos que tirar algumas dúvidas com nosso casal de amigos. Vimos que existia essa carência de conteúdo de qualidade, informativo, que falasse como é morar na Estônia, especialmente para os brasileiros, e decidimos criar nosso canal”.

Nele, Gabi e João trazem informações sobre a vida na Estônia e algumas curiosidades. E, justamente por causa da produção de conteúdo, eles passaram a viajar mais pelo país. “Vivemos muitas experiências legais. Uma das paisagens que mais chamaram a atenção em nossos passeios foi uma cachoeira congelada no inverno. Também visitamos uma prisão abandonada e submersa e fizemos uma roadtrip pelo interior da Estônia, onde chegamos até o ponto mais ao norte do país. Isso sem mencionar os visuais de tirar o fôlego que temos nos mirantes da Old Town”, enumera Gabi.

Gabi e João descansam ao lado carro que alugaram para a viagem que fizeram até o norte da Estônia. Em cima do carro há uma barraca de camping.
Em uma pausa na roadtrip até o norte da Estônia — Foto: Arquivo Pessoal

Sem estresse

Depois de dois anos na Estônia, João e Gabi já estão habituados às diferenças culturais e contam que, profissionalmente, não foi difícil se adaptar. “A cultura nas empresas é de respeito pelo seu trabalho e liberdade no desempenho da função. Mesmo trabalhando em startups, onde o ambiente muda a todo momento e tudo é muito dinâmico, a experiência está longe de ser estressante como as que vivemos em outros países”, diz João.

Ele segue trabalhando na mesma empresa, agora como SEO Content Specialist, administrando o conteúdo para os blogs de Portugal e Brasil. Gabi também continua na mesma empresa, mas agora prestando suporte e pesquisa para a área de verificação de identidade. “A impressão que temos é de que o mercado de trabalho na Estônia anda bem aquecido, principalmente nas áreas de TI e suporte ao cliente. Em Comunicação, que é nossa área de formação, a oferta é menor do que na área de TI, por exemplo. As vagas estão concentradas na área de marketing digital, mas ainda é possível encontrar boas oportunidades”, comenta Gabi.

Eles acreditam que o mercado de trabalho na Estônia tem lugar para todo mundo — alguns cargos com mais facilidade por conta da demanda, outros com menos. “O negócio é pesquisar bastante, definir como meta e se jogar. Quando as coisas voltarem ao normal, após a pandemia, tem tudo para novas oportunidades aparecerem, com ainda mais força”, diz ela.

Para ambos, toda a experiência vivida até agora, pessoal e profissionalmente, tem sido positiva. “Nós costumamos dizer que não escolhemos a Estônia; a Estônia nos escolheu”.

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