Brasileiros na Estônia: Marcela Abelha

Ana Luiza Silveira
Work in Estonia
Published in
7 min readJul 31, 2020

Marcela abriu um negócio de salgados brasileiros em Tallinn que está fazendo o maior sucesso. Aqui, ela conta um pouco da sua experiência de empreender na Europa

Marcela Abelha — Foto: Arquivo Pessoal

A vida em Governador Valadares, Minas Gerais, ia muito bem para a família Abelha. Marcela era fotógrafa e Peterson trabalhava como bancário. Mas o ritmo de trabalho no banco cobrava seu preço: além de estressante, ficava a 70 km de casa e impedia que Peterson visse a pequena Hannah, então com dois anos, crescer. Até que um dia um perfil de Instagram sobre vagas de trabalho pelo mundo começou a seguir a conta de Marcela. Curiosa, ela vasculhou o site e descobriu uma vaga na Estônia. Peterson se candidatou e foi aprovado.

De lá para cá, já se passou mais de um ano. E hoje Marcela é a proprietária da Brasiilia Maitsed (Sabores Brasileiros) em Tallinn. O menu é uma tentação, especialmente para quem está no exterior e sente saudades de casa: vários salgados brasileiros, como coxinhas, empadas, bolinhas de queijo, risoles… e doces, como beijinho e brigadeiro. O negócio está fazendo tanto sucesso que até o embaixador do Brasil na Estônia já fez encomendas!

Nesta entrevista, ela conta um pouco de sua experiência como empreendedora no país e dá dicas para quem quer abrir uma empresa por aqui.

No Brasil você atuava com fotografia. Era um negócio próprio?

Sim, a fotografia era um negócio que comecei durante a gestação da Hannah, em 2016. Tinha CNPJ e estava começando a “engrenar” de vez quando a Estônia surgiu em minha vida. O primeiro plano era que eu ficasse em casa até a Hannah completar dois anos, pois eu queria criá-la bem de pertinho nesses primeiros anos de vida, e a fotografia não me exigia ir para um escritório. Eu conseguia unir o “estar perto da minha filha” ao “fazer algo por que sou apaixonada” de uma forma muito saudável.

Como foi a decisão de empreender na Estônia, um país até então desconhecido para você e muito diferente do Brasil?

Após decidirmos nos mudar para cá, devido à proposta de emprego que o Peterson recebeu, comecei a pensar em como eu poderia trabalhar. Já havia estudado o estilo de foto dos estonianos pelas redes sociais e trouxe todo o equipamento do Brasil, porém sabia que precisaria de um inglês minimamente intermediário para exercer minha paixão por aqui. Então, comecei a pesquisar aquilo que ainda não existia na Estônia. Foi aí que a comida falou mais alto. Fiz cursos e consultorias particulares de confeitaria ainda no Brasil, mas chegando aqui vi que onde eu poderia me destacar era a parte “salgada”. Os brasileiros sentiam saudade daquilo que não comiam há anos e também queriam apresentar a nossa cultura culinária para os amigos. Nasceu assim a Brasiilia Maitsed, a primeira empresa estoniana focada em snacks salgados e doces típicos do Brasil.

Estas charmosas coxinhas são apenas um dos itens do cardápio: tem empada, risole, bolinha de queijo, brigadeiro, beijinho… Que delícia! (Foto: Divulgação)

O que você fez para tornar a Brasiilia Maitsed conhecida?

Muito trabalho e encontrando as pessoas certas no caminho! A fintech onde o Peterson trabalha tem mais de mil pessoas só no escritório de Tallinn, representando mais de 50 nacionalidades. É um público imenso ao qual eu tinha acesso. Depois de realizar alguns testes por lá, eles se tornaram meus clientes fiéis e a notícia foi se espalhando. Alguns meses depois, foram necessários investimentos em equipamentos e meus cunhados, que vivem nos EUA, nos presentearam com um capital inicial para fazer o sonho decolar. Houve também os aniversários infantis. Aqui na Estônia o cardápio é composto de suco de frutas, frutas e vegetais frescos e picados — nada de brigadeiro, refrigerante. Esses aniversários acabaram se tornando uma verdadeira vitrine para nossa marca. Também começamos a receber encomendas para eventos empresariais e feijoadas organizadas por uma amiga, que me permitiu expor e vender os produtos. Em um desses eventos troquei cartões de visita com o embaixador brasileiro, que adorou nosso produto e fez uma encomenda para a semana seguinte. A partir daí registramos a empresa na junta comercial estoniana e tivemos a honra de ter nossa primeira nota fiscal emitida para o Sr. Roberto Colin, embaixador do Brasil na Estônia!

A empresa te ajudou a expandir seu círculo de amizades no país?

Sem dúvidas. Através da Brasiilia Maitsed pude descobrir brasileiros que já estavam aqui há dez anos, pessoas que chegaram em um tempo muito difícil para um estrangeiro e com uma história de vida inspiradora, e que foram um grande apoio. É como se as portas de um universo inteiro e novo fossem abertas para mim. E, aos poucos, fui fazendo amigos estonianos também. Eles não são tão expansivos como os brasileiros, demoram mais para se abrir e te chamar de amigo, mas não são assim tão “cara fechada” quanto parecem. Conhecemos muitos que nos ajudaram na fila do supermercado, quando não entendíamos o que a senhora do caixa falava, que são gentis e dão um sorriso quando você solta um “Tere!”, que é o “Olá” daqui.

Como tem sido tocar o negócio? Você pensa em expandir?

As inovações do cardápio nascem a partir de sugestões de clientes. Toda a nossa produção é feita à mão, e o Peterson me ajuda bastante. Ele fica mais na contabilidade e no marketing, enquanto eu cuido das receitas e dos nossos produtos. Tudo isso aliado a ser mãe em tempo integral, pois a Hannah só irá para a escola em setembro. Tenho planos de expandir, ter mais uma pessoa para nos ajudar, abrir um local físico para que as pessoas tenham um cantinho brasileiro aconchegante para matar as saudades de casa. Minha missão nunca foi vender coxinhas, pães de queijo, empadas ou brigadeiros. O que eu ofereço é um pedacinho do Brasil.

A família Abelha reunida: Peterson, Hannah e Marcela — Foto: Arquivo Pessoal

Quais foram seus maiores medos no começo?

A mudança de país com uma filha, Peterson sendo chamado de doido por deixar uma carreira estável em um grande banco para trás… Tudo isso para viver uma vida com mais qualidade, dormir mais tranquila e desfrutar de um país mais seguro, onde temos saúde, educação e transporte público gratuitos, e podermos dar um futuro melhor para nossa filha. Claro, tive medo de não ter clientes, de as pessoas não comprarem a ideia, de não encontrar os ingredientes certos para dar um sabor genuinamente brasileiro. Mas tive muita fé e vontade de fazer dar certo.

Como é, para você, ser mulher e empreendedora no país? Sente alguma diferença em relação ao Brasil?

É muito mais fácil empreender no seu país de origem. Os trâmites já são conhecidos ou estão em sua língua materna, você tem uma informação mais completa. Aqui na Estônia os próprios clientes cobram emissão de nota fiscal, querem saber se você tem a licença para operar, e trabalham muito na base da confiança de quem indicou o serviço. Em pouco mais de um ano aqui, posso dizer que nunca fui desrespeitada por ser estrangeira e/ou mulher, nem nos negócios e nem na vida pessoal, apesar de ter amigas que infelizmente já sofreram esse tipo de situação. O povo estoniano é muito sério e correto em tudo o que faz, e muito respeitoso também. Claro que, como em todo lugar, sempre haverá exceções, mas isso é do ser humano, e não depende do país.

As dicas da Marcela para quem quer empreender fora do Brasil

  • Sonde o mercado que você está entrando para saber de antemão os desafios que você pode vir a enfrentar, se terá condições mínimas de ser relevante.
  • É preciso muito cuidado para correr riscos controlados. Pense, por exemplo, nos diferenciais que você terá para atrair a clientela de outro país.
  • Defina o público que você vai atender: faixa etária, solteiro ou família, com ou sem filhos, e leve em conta até mesmo as estações do ano, caso seja um lugar com estações bem definidas e isso seja relevante para o seu negócio.
  • Aprenda o idioma do país. Você precisa se lembrar de que estará lidando com seres humanos, e é muito diferente quando alguém conversa com você falando a sua língua! As pessoas valorizam o esforço que você faz para se aproximar delas. Nenhum intérprete ou tradutor pode substituir o diálogo natural entre duas pessoas, e essa é uma questão que poderá abrir ou fechar muitas portas, mais do que você possa imaginar. O ser humano é movido a relacionamentos e contatos, invista nisso o máximo que você puder!

No Instagram, você pode acompanhar o dia a dia da família Abelha no blog Aqui na Estônia e no Instagram @aquinaestonia e ficar com água na boca com os produtos da @brasiilia.maitsed!

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