Nem Milão Tem Moda Igual a Jequié
por Ray Dias, em Dezembro de 2017.
— Até mais tarde meu filho, mamãe te busca mais tarde!
Diz a mãe, para a eufórica criaturinha que adentra aos portões da escola em velocidade.
— Professora, já se passaram cinco meses desde o início das aulas, e onde está o material escolar que a prefeitura tem que dar?
A professora olha para os lados sorrindo falsamente, e recebendo outras criaturinhas recém-chegadas. Ela começa a gaguejar, prevendo o burburinho. Desde a pergunta emitida, já são quatro mães à sua frente. Uma com olhos curiosos, outra com cara de desdém, a terceira nem sabia que o filho tinha esse direito, e a quarta, lá estava impaciente por ter perguntado e ainda não ter sido respondida.
— Bem, mães… Chegou um material ontem à tarde e hoje distribuiremos para as crianças ao final das aulas.
As mães sorriem satisfeitas. A professora respira aliviada: “Por ora, consegui!”, ela pensa.
Meio-dia bate o sinal da saída e as mães fazem fila no portão.
— Nossa graças a Deus que o material chegou. Wesleyson Júnior já estava me perturbando pra comprar uma mochila nova! Sabem como eu consegui que ele esquecesse um pouco este assunto?
As mães negaram silenciosas.
— Eu disse a verdade pra ele: meu filho, eu compro a mochila nova do guardião do universo sei-lá-das-quantas, mas você vai ter que comer a mochila, tá? Porque a mamãe não vai ter dinheiro para comprar comida.
As mães sorriram cúmplices àquela realidade.
— É… A gente até quer dar para eles as coisinhas, mas as coisas estão tão difíceis! Minha filha também queria um caderno da Peppa, e eu falei pra ela que quando fui comprar a Peppa havia ficado doente e pra não passar a gripe suína para ninguém, as pessoas pararam de vender o caderno. Não dá gente, o caderno custava 56 reais!
— Nossa senhora, o que tinha neste caderno? Folhas de ouro?
— Hunf! Adesivos e glitter.
Respondeu a mãe ainda espantada com a realidade que a cercava.
— É, eles metem a mão nos preços quando se trata de criança. O José Cirilo não vai comigo quando faço as poucas compras escolares dele, porque senão eu deixo as calças lá.
O portão abre, as mães esticam o sorriso de alívio, a professora surge sem olhar nos olhos de ninguém empurrando as crianças sobre as mães.
“O que é isso?”, “Tá de brincadeira!”, “Vocês perderam a noção?” e muitas outras reclamações eram berradas.
A professora de um metro e sessenta de altura caiu para um metro. Curvava-se tanto atrás do portão que a diretora teve que intervir.
— Mães! Mães! Acalmem-se, por favor. A escola não tem culpa!
— Vocês não vão refazer o pedido pra prefeitura? — indagou a mãe do Wesleyson.
— A prefeitura enviou o material ontem, não tivemos tempo de recorrer às reclamações… Olhe, eu lamento, mas infelizmente acredito que eles não vão enviar novas mochilas.
— Mulher! Opá isso! — disse uma das mães que, retirando a mochila das costas do filho e abrindo-a, enfiou a criança lá dentro: — Meu filho pode carregar outra criança aqui dentro! Pra quê isso? É pra facilitar o sequestro dos pedófilos?
— Senhora, por favor…
— Não, ela tá certa diretora! Sem falar que aos dez anos eles já vão apresentar hérnias de disco mais graves do que as minhas!
— Pessoal, calma. Eu aconselho que aguardem a escola informar à prefeitura do erro…
— Uma ova! Vamos agora à prefeitura!
A mãe de Cirilo revoltada pegou a mão do filho e dando as costas à diretora indagou às outras mães:
— Quem concorda em ir até lá agora?!
Foi unânime.
— Vamos, cada um pega a sua tartaruguinha e vamos simbora! Alguém tira foto, por favor, porque protesto bom começa na internet!
Andaram as mães furiosas e as tartaruguinhas em direção à prefeitura de Jequié, enquanto a professora e diretora correram de volta à escola.
Na porta da prefeitura, o prefeito já saía para seu almoço ou encerrar do seu dia, quando se depara com um exército de mochileiros e mães afoitas.
— O senhor pode nos explicar que palhaçada de mochila é esta?
— O senhor não acha que eles são muito novos para pular de paraquedas?
— Eu esperava uma mochila escolar, e não uma barraca!
— É pro meu filho usar a mochila ou a mochila usar o meu filho?
Como numa resposta pronta o palanque fora montado e acompanhado de seu assessor o homem apenas respondeu:
— A mochila foi planejada para que eles a usem por mais tempo, assim servindo aos anos posteriores. E cabe aí, tudo o que eles vão necessitar.
— É muita falta de respeito com os direitos do povo! — disse a mãe da Maria Rosa.
— Mas vocês são exigentes demais, também! A prefeitura tem problemas mais sérios a tratar! Nada está bom para vocês!
— Exatamente prefeito, a impressão que fica é que nada está bom para nós. E por isso quando vocês não fazem nada, fazem o mínimo possível por nós!
— Ao se tratar dos nossos direitos é tudo nas coxas! Cinco meses desde que as aulas começaram pra chegar o material, e olha o que vocês oferecem! Mas o IPTU aparece lá em casa com cinco meses de antecedência!
O trem não prestou não! Eu só sei que as mães estavam lá a ponto de voar no prefeito, mas o redemoinho piorou quando o secretário de educação alegou que o tamanho das mochilas era indiferente, e que não acreditava que os pais de hoje eram tão imprestáveis, a ponto de não poder carregar nem a mochila de seus filhos. E ainda disse ser impossível confeccionar uma mochila para uma criança de creche.
— Juliana, como é que você sabe disso tudo?
— Uai Eugênia, eu sou motorista da prefeitura né!
— E o que isso tem a ver?
— Eu que entreguei o material ontem à tarde na escola, ‘cê acha que eu não ia brotar lá cedinho pra ver o maltubedê?
— E como acabou isso?
— Acabou como todo mundo achou que ia acabar. As mães jogaram tudo na internet, e agora a creche não é mais creche. É um acampamento mirim!
— É eu vi foto na internet de criança dentro da mochila. Te contar, tem de tudo nessa cidade… Nem Milão tem moda igual a Jequié!
Autoria: Ray Dias.