Sobre acolher a dor do mundo

Bruna Próspero Dani
transdisciplinar
Published in
3 min readMar 27, 2020

Entrou 2020 e a promessa de uma nova década mais consciente brotava em vários corações. O meu era uma selva de otimismo.

Passamos o carnaval, lotamos as ruas de felicidade e glitter biodegradável, falamos sobre amor, sobre feminismo, sobre liberdade e compostagem.

Sim, ainda tinha muito lixo, muita homofobia, muito machismo. Mas me alegrava ver os micro-passos que eu dava junto a minha bolha em direção a um mundo um pouquinho mais lúcido.

As notícias sobre o covid-19 já estampavam os sites de notícias desde dezembro, mas parecia tão longe daqui, tão ficção científica que eu não dava muito bola. Eu entendi realmente, pela primeira vez, o fato de muitos não acreditarem no aquecimento global e suas consequências: parece muito irreal, impossível de acontecer.

Mas foi no dia 12 ou 13 de março que eu vi o vírus chegando por aqui. Minha ficha caiu. Passado a ignorancia de brincar com uma doença tão grave, eu fui me dando conta da dor, angústia e sofrimento pelo mundo.

Logo pensei que a pandemia poderia ser o marco inicial de uma tomada de consciência para que TUDO mudasse. A “Grande Virada”. Eu sabia que esse momento chegaria, mas positiva irremediável que sou, confesso que imaginava que seria uma virada mais romântica, com mais olho no olho, e sem causar tanto sofrimento a tantas pessoas.

Então essa euforia por um mundo diferente que poderia brotar por consequência da pandemia se transformou em MEDO.

Durante os primeiros dias de notícias eu tive muito medo de ver alguém que amo sofrer. Eu sofri por imaginar perder alguém. Chorei por imaginar a impossibilidade de me despedir dignamente de alguém.

Meu coração acelerava ao ver as notícias. Minha respiração parava ao pensar que no Brasil boa parte da população não tem nem água.

Criei estórias tristes e dolorosas nas minhas madrugadas quentes de outono. Algumas seriam reais, outras seriam apenas fruto de uma mente em completo pânico.

As coisas estavam esquisitas. No verão fez frio. E agora o outono trazia madrugadas de um calor insuportável.
Acordava das poucas horas de sono com a terrível sensação de quando alguém que amamos muito está na UTI.

Passava o dia dizendo que iria ficar tudo bem, como falamos ao ver alguém enfermado. Mas nas noites eu chorava feito quando a gente sai do leito e ninguém mais pode nos ver.

Nessa UTI estava a humanidade. Meu luto era pelas milhares de mortes, mas também de ver o desprezo pela vida em nome de uma economia, pelos meus pequenos sonhos adiados, pela minha ilusão de controle sobre as coisas.

Eu fugia desse sentimento, tentava mata-lo dentro de mim toda vez que ele vinha e então paralisava. “Não há tempo para chorar”. Até me lembrar do treinamento que passei em 2019: O @trabalhoquereconectasugere que para passarmos pela Grande Virada a gente siga a espiral: gratidão, honrar a dor do mundo, ver com novos olhos, seguir a diante.

Foto: Thais Camomila

Percebi que não estava honrando a minha dor pelo mundo. Queria logo seguir, mas sem olhar verdadeiramente para a dor eu continuava na inércia. Então decidi fazer um mergulho. Dei nome e sobrenome a todas a dores. Eu deixei que o medo, a tristeza e a raiva me invadissem.

E, aos poucos, aquela coisa que me amarrava o peito e entalava na garganta foi desaparecendo. Acho que aquele sentimento se dissolvia junto com as minhas lágrimas, que ao escorrerem se transformavam em ideias para seguir a diante.

A gente precisa chorar mais. A gente precisa sentir a dor do mundo antes de começar a fazer os milhares de cursos online. A angústia não se esvai com eles.

A gente precisa dar espaço a dor. Ela existe. É só entrando em contato com suas profundezas que elas podem se transformar em ação.

“O coração que se quebra e se abre pode conter o universo inteiro”- Joanna Macy

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