“Você trabalha com o que ?”

Respiro fundo, abro um sorriso no canto da boca e começo a frase com um: ENTÃO… (reticências demorada)

Bruna Próspero Dani
transdisciplinar
7 min readMar 10, 2020

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Quando o interlocutor pergunta “o que você faz da vida” eu até consigo responder de um jeito, digamos que, mais inovador e criativo. Mas o “trabalhar com o que” algumas vezes me restringe.

Quem lê ou presencia essa introdução um tanto quanto ‘embaraçosa’ pode achar, no primeiro momento, que estou confusa, mas a verdade é que a respirada profunda e o “então” no início da frase antecede uma explicação longa do tipo de trabalho que faço e que quero fazer, e que talvez não tenha apenas um nome.

E, já que estou com tempo e aqui não tem limite de caracteres, deixa eu aproveitar para fazer uma pequena introdução sobre o assunto. (Senta -pega um chá, um café ou chocolate quente- que lá vem história!)

CARGOS, CRACHÁS E MULTINACIONAIS

Passei os sete primeiros anos da minha “vida profissional” trabalhando em uma multinacional que presta serviço para grandes empresas. Apesar de ser formada como jornalista, entrei para o mundo de comunicação estratégica e marketing desde o estágio.

Ter um cargo e uma função fixa (nunca é fixa, mas a gente finge que é) facilita um bocado na hora que a gente é pego de surpresa com A pergunta. Uma frase curtinha e o assunto está meio que encerrado, abrindo espaço para falar sobre o que importa de verdade: no que você acredita? quais são seus sonhos? O que faz teu corpo vibrar?

Mas, voltando ao assunto… eu gostava muito do meu dia a dia. Gostava das pessoas e sentia que aprendia e ensinava um bocado também.

Eu brincando de enganar o cérebro e dizer que estava na Bahia ou RJ em plena Av. Paulista.

Masss…. (sempre tem um ‘mas’), apesar de todo esse privilégio, chegou um dia em que percebi que muitos daqueles projetos e mundos que eu estava ajudando a construir não se encaixavam com o mundo queria pra mim e para geração futura.

Vendia produtos e ideias que não consumia mais e via escorrer pelo ralo toda nutrição que os retiros de finais de semana me proporcionavam. Aos sábados eu cooperava e quando chegava a segunda-feira tinha que fazer uma estratégia de competição.

Entre uma crise e outra eu consegui ressignificar minhas funções algumas vezes. Tive um tremendo privilégio. Mudança de cargos, clientes, atividades… Uma viagem aqui, outra acolá iam renovado meu gás e criatividade. E sou extremamente grata por ter tido tanta oportunidade. Inclusive poder levar novos conceitos e formas de olhar as situações lá dentro mesmo.

No meio disso, escrevi algumas vezes para Revista Vida Simples e tive uma pista do que fazia meu coração vibrar:

ser um canal de inspiração de formas mais leves de se viver. Inspirar mudanças possíveis era o que eu sempre arranjava um jeito de fazer.

NOVOS OLHARES E A TRANSIÇÃO

Olhando para trás, percebo que minha saída do mundo corporativo (há um ano e meio) foi um tanto quanto conturbada. O falecimento de uma grande amiga talvez tenha sido a gota que faltava para transbordar aquele copo.

Precisou desse fato difícil para eu me dar conta que queria fazer valer a minha vida, minhas horas de produtividade e fazer valer meus privilégios. Se eu os tenho, que eles sirvam, de alguma pequena forma, para quem não os têm.

Uso a palavra “privilégio” de novo e não por acaso. É muito importante lembrar que eles existem para não romantizar ou pressionar a busca pelo 'propósito'. Tenho absoluta consciência de que para a maior parte da população brasileira “trabalhar com o que ama” não é uma realidade possível, principalmente pelo fato de que essa parte não tem o luxo de parar para pensar sobre isso.

A Alessandra Nahra, escreveu um texto sobre trabalho que grifei de ponta a ponta, e aqui cabe um parágrafo dela:

“Tem gente que dá jeito de ressignificar seu trabalho sem ter que mudar. Ou que tem objetivos que justificam e compensam a falta de sentido. Ou que consegue hackear algumas partes do sistema por dentro. Ou que simplesmente precisa mesmo. Cada um sabe de si e de suas condições e escolhas.”

Dito isso, voltemos a história.

Me desliguei da empresa quando vi que o dinheiro estava sendo colocado acima de qualquer relação e saúde. E eu já não tinha mais o que fazer sobre isso.

Olhando para trás eu vejo quanto de decepção eu estava carregando.

Fui viver uma espécie de sabático sem muitos planos e com muitas viagens. Fui viajar não só para descansar a mente e o corpo de uma rotina de 07 anos, mas também para conhecer novas formas de se viver.

Acho que fui atrás de motivos para acreditar em um mundo diferente. E achei.

Não vi nada como o futuro que ainda anseio ver. Mas encontrei, ao menos, pessoas que estavam realmente tentando.

Como diz uma grande amiga “eu sabia que algo no mundo estava acontecendo de diferente”.

Algo me dizia que os negócios podiam ser feitos de outra forma, que as relações precisavam ser priorizadas e que o Planeta precisava ser cuidado e colocado como prioridade.

Bem lá dentro de mim eu sabia que tinha gente espalhada por aí criando novos paradigmas.

Eu só não sabia muito bem o que era, mas se tem uma coisa em que acredito — mais que tudo nesse mundo — é na minha INTUIÇÃO.

Me dei conta do poder dela quando tive um experiência profunda durante uma trilha de 08 dias que fiz na costa Sul de Portugal. Foi lá também que entendi que queria fazer algo que me conectasse e preservasse os meus lugares de poder: montanha, floresta, mar e rio.

Aliás, foi nesse período que eu entendi que precisava voltar e que fazer as perguntas certas, me abriria para caminhos certos.

Quanto mais eu questionava, mais o caminho se abria. "Magicamente" e com o "poder" dos algoritmos, uma infinidade de cursos, livros, documentários, pessoas foram aparecendo debaixo do meu nariz.

Foi assim que eu comecei a estudar e perceber outras perspectivas (menos “tradicionais”) como o Gaia Education, Dragon Dreaming, princípios da Ecopsicologia, Ecologia Profunda, princípios da Regeneração e Sustentabilidade e tive certeza que era possível fazer diferente.

Ao mesmo tempo, percebi que tudo isso ainda é muito distante para a maioria das pessoas. Mas acredito no poder da comunicação como potente ferramenta de inspiração e transformação para novas formas de nos relacionarmos e vivermos.

Acredito também que é preciso fazer, "testar a utopia" e transformá-la em realidade.

Foi assim que surgiu o Movimento Yamandu.Eco.

Me juntei com outra aquariana ávida por mudar as coisas (a Aline Menezes) e colocamos todos nossos sonhos e inquietações dentro de um projeto. Queríamos inspirar novas formas de se viver com mais consciência.

“Inspirar novos meios de se viver” lembra disso? Então…

O Movimento Yamandu vem mudando constantemente (afinal 'movimento' é isso, né?). Mas tem sido uma bela forma de autoconhecimento e muita aprendizagem.

E, no meio disso tudo, ainda surgiram outras belas iniciativas em que venho colaborando com articulações e comunicação. Uma rotina beeeeeem diferente da qual estava acostumada, mas que está me proporcionando aprendizado constante. (E acho que era isso que estava realmente buscando).

MOCHILA DE EXPERIÊNCIAS E OS VALORES COMO GUIAS

Mas afinal, qual é o meu ofício? Ainda prefiro não nomeá-lo. Aliás, eu nem conseguiria…

Entendi que somos um amontoado de conhecimentos, vivências, habilidades e experiências. E a gente pode usar essa mochila para muitas coisas na vida (sendo nosso ganha pão ou não).

Nesses últimos tempos conheci o pessoal da Cuidadoria (a Thianne Martins e o Henrique Katahira) e uma pequena frase que eles disseram mudou a chavinha de tudo pra mim:

“você cuida do que?”

É isso. O futuro é mais sobre o cuidar, do que o nome de um cargo ou profissão.

E eu, definitivamente, não sou um cargo, um curso que fiz ,ou uma viagem. Eu sou a mistura dos cursos, experiências de trabalho, museus, filmes, livros, voluntariados, amigos, amores, família e novelas. Sou as situações que saíram fora do planejado, aquele concurso que não ganhei e o voo que perdi também.

Eu decidi que queria usar essa minha mochila de experiências a favor de iniciativas que eu acredito. Que prezem pelas pessoas e por todos os seres. Seja lá qual nome isso pode ter, ou qual atividade eu vou fazer, ou qual tipo de contrato vai rolar.

Nem sempre é confortável ou "seguro", mas que as coisas acontecem (quando a gente dá o primeiro passo para trilhar uma vida que faça mais sentido)… ah elas acontecem.

Acho que eu queria mesmo é ser artista, mas já que ‘num tá tendo’ talento, arranjei um jeito de inspirar mudanças com o que sei fazer.

Talvez eu ainda não tenha uma boa resposta para quando me perguntarem “você trabalha com o que?”

Mas para acabar logo o assunto, eu vou de:

— Articulo iniciativas que cuidam de um futuro próspero, que- sim -é meu sobrenome. (Com comunicação, estratégia, contatos, ideias, conexões, sonhos, planejamento, celebração, produção, facilitação e o que mais você precisar!)

E você? Cuida do que?

Minha foto atual do LinkdIn. (Porque eu quero viver um tipo de vida onde aquele meme de fotos diferentes para cada perfil não faça o menor sentido!) ;P

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