Alguém já falou com você sobre alteridade?

Lara Habib
yaradigitallabs
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3 min readNov 6, 2018
#PraTodosVerem: pesquisador conversa com duas mulheres em estudo de campo

Decidi escrever esse texto depois de uma cena que vi no metrô de São Paulo. Aliás, pra mim, um dos melhores lugares pra observação de uso mobile é o metrô. Voltando à razão do meu texto: entrou no vagão um homem completamente tatuado. Tatuagens pela cabeça toda, pelos braços e com piercings e alargadores. Eis que observo um casal sentado e o homem cutuca a mulher indicando o moço tatuado com o olhar. Consigo ler os lábios dele: até a cabeça, que horror! Ela mirou imediatamente o moço tatuado e devolveu também: que horror!

Num primeiro momento pensei: que absurdo, como as pessoas julgam! Num segundo instante, me vi julgando também e lembrei da dinâmica das pesquisas etnográficas em design, onde passamos algum tempo com os usuários observando suas rotinas, comportamentos e interações para entender diferentes perfis e dados culturais relevantes para desenvolvimento de serviços e produtos.

Ora, o casal que observava, não observava com a minha vivência, com o meu entendimento e muito menos com a minha visão de mundo. E é exatamente isso que a fase de pesquisa em design nos faz entender. Eu não projeto para mim, porque o público não sou eu e existem diferentes olhares, vivências, dores e necessidades. Eu projeto para alguém. E como projetar para alguém de maneira relevante? Aprendendo com o outro, e a partir da observação e troca de experiências, me permitindo alteridade com quem o outro é, e com o que ele deseja.

Ter alteridade é lembrar que quando eu calço o sapato do usuário, não sou o usuário, mas eu o respeito, aprendo e entendo suas perspectivas e diferenças. O que é estranho e diferente para mim se destaca à minha frente. E eu acredito que nesses estranhamentos, tão diferentes da realidade dos designers, dos desenvolvedores e do time de negócio é onde encontramos caminhos para o novo. Por isso, cabe a quem conduziu estudos e agrupou dados disseminar conhecimento e “contaminar” a equipe com os achados.

Em design thinking, onde projetamos com o usuário e para o usuário, a etnografia (obrigada, Antropologia!) é parte fundamental da parte de pesquisa para o andamento de um processo de descoberta.

“… tudo é fundado na alteridade em Antropologia: pois só existe antropólogo quando há um nativo transformado em informante. E só há dados quando há um processo de empatia correndo de lado a lado. É isso que permite ao informante contar mais um mito, elaborar com novos dados uma relação social e discutir os motivos de um líder político de sua aldeia. São justamente esses nativos (transformados em informantes e em etnólogos) que salvam o pesquisador do marasmo do dia-a-dia da aldeia: do nascer e pôr-do-sol, do gado, da mandioca, do milho e das fossas sanitárias.”
DAMATTA, Roberto. O ofício de etnólogo, ou como ter “anthropological blues”

#PraCegoVer: um índio segura um indiozinho e juntos fazem um selfie com um celular

E você? Quando desenvolve um produto ou serviço vai à campo para entender seu ser humano alvo? ;)

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Lara Habib
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Curiosa, sonhadora, voraz por mais um curso ou uma nova história. A felicidade de trabalhar com o que amo, com propósito. Design for life. Fazer e contribuir ❤️