Mugaritz — Errenteria/San Sebastian

Marcela Noya
You Must Taste It
Published in
6 min readNov 15, 2017
Ramón Perisé e equipe Mugaritz na cozinha de finalização de pratos

Eleito nono melhor restaurante do mundo pela lista "The World's 50 Best Restaurants" de 2017, o Mugaritz fica em Errenteria, cidade próxima à San Sebastian, na região conhecida como país Basco, na Espanha. O nome do restaurante está intimamente conectado à bucólica paisagem da região, e é uma homenagem à árvore de carvalho de 200 anos que fica na fronteira entre e Errenteria e Astigarraga. "Muga" significa fronteira em basco, e "Haritza" carvalho.

Quando chegamos ao restaurante, por fora, a casa surpreende pela simplicidade. Já é possível notar, no entanto, que boa parte das ervas e temperos que nos aguardam são cultivados "in loco". Lá dentro, fomos recepcionadas com uma visita à cozinha de finalização dos pratos, que fica no piso térreo. Aprendemos que no piso de cima fica a cozinha experimental para a criação de novos pratos, e no piso de baixo a cozinha de preparação dos alimentos.

Decoração da mesa

Um dos aspectos que mais me encantou no Mugaritz foi o fato de que muitos pratos são feitos para comer com a mão. Assim é possível viver uma experiência plena, quase íntima, com cada alimento. Sentir sua temperatura, antecipar sua textura, em jogo completo de sensações que termina no paladar.

(1) Humus fresco e acentos marinhos (2) Ensopado tostado de cogumelos (3) Escabeche cremoso

É justamente uma experiência multissensorial que o Chef Andoni Luis Aduriz deseja proporcionar aos comensais que visitam sua obra prima. Nascido em 1971 em San Sebastian, estudou culinária, e trabalhou no El Bulli de Ferran Adrià, berço da gastronomia molecular, experiência que abriu seus horizontes. Em 1998 abriu o Mugaritz, e em 2006 foi reconhecido com as 2 estrelas Michelin que mantém até hoje.

(4) Beijo congelado de uma ostra

Normalmente não sou muito chegada a ostras, mas o prato acima foi uma experiência à parte. A esfera é de gelo, e além de surpreender ao toque, mantém a ostra em uma temperatura incrível. É realmente um beijo, como o nome do prato nos indica. Outro prato, que apesar da aparência simples, foi um destaque em sabor foi a barriga de atum, no quadro abaixo. Inesquecível.

(5) Mocotó de "kokotxas" (6) Favo de mel de acácia, limão e açafrão (7) Barriga de atum
(8) Cenouras revestidas (9) Ovas de lagosta e leite de tigre (versão do ceviche)

Cada mesa no Mugaritz vive uma experiência única. Ninguém recebe uma sequência de pratos iguais. Alguns são mais repetidos entre as mesas, mas há sempre uma surpresa. Eu tentava não olhar em volta, mas era tentador. O cardápio é impresso ao longo do jantar, e entregue ao final como lembrança para os clientes. Assim, a experiência toda tem um suspense, na dúvida do que vem pela frente. Na nossa mesa, tivemos um prato que não vimos ser servido para nenhuma outra naquela noite, e é claro foi um dos mais notáveis: o "Bombom de ervas do dia e creme ácido" (fotos abaixo).

(10) Bombom de ervas do dia e creme ácido

Feito na hora, com nitrogênio líquido, tinha textura crocante por fora, e cremosa por dentro. Cada mordida um sabor: calêndula, menta, papoula, malva, capuchinho… Uma explosão de sensações, e um show de execução ao vivo. Encantador, e um grande exemplo da culinária do Mugaritz. A união do simples, e do sofisticado. Do tradicional e do contemporâneo, em perfeita harmonia.

(11) Mexilhão com dahsi (12) Sétima pescada em branco, "Doburoku", acompanha flores com spray de sakê (foto superior do meio) (13) Caldo de minestrone (14) "Kagami" de pinholes com raspas de gelo (15) Camarão listrado do mar de Alboran
(16) Ensopado de sangacho de atum (17) Baratzuri Zopa (18)

Pontos altos do jantar foram também o "Kagami de pinholes com raspas de gelo", e o "Ensopado de sangacho de atum". O primeiro era como um leite de pinholes, dentro de um copinho de açúcar, que é feito para se quebrar com a colher, misturando o líquido às raspas de gelo, em mais uma fusão de sabor e temperatura. Já o prato de atum, tinha textura e cor que remetiam à carne vermelha. E um gosto fora do comum. Daqueles que, se não fosse menu degustação, seriam um excelente prato principal. Também não posso deixar de mencionar o serviço atencioso do sommelier Javier Perez que nos ajudou a escolher um delicioso verdejo de agricultura ecológica, da região de Segovia na Espanha: Ossian, safra 2014.

(19) Tartar de texturas salmonete (20) Suculenta "cecina"preta japonesa
(21) Coração de alface com um toque de chorizo (21) Camarão vermelho e doce de milho (22) Borda de pão e sal seco

Criatividade, e estética impecável, estão presentes no aparentemente singelo abacate do Mugaritz. Mas nada nele é simples. Ele é desconstruído e recomposto. A casca é feita de chocolate amargo, e o resultado, perfeito. Uma sobremesa nada comum, para uma experiência igualmente fora de série.

(23) Avocado: que é tudo menos um
(24) Sorvete de tigernut com arroz fresco frito

Por fim, o corajoso último prato do menu desgustação é um "ponto final" para lamber! Ousadia até o fim.

(25) In dubiis, abstine

Para acompanhar o café/chá, uma seleção de chocolates amargos, distribuídos em um quebra cabeça que representa os sete pecados capitais. Brincadeira que ajuda a distrair quem não quer aceitar que o jantar acabou, que certamente era o meu caso.

7 tipos de chocolate: Nibs, e diferentes % de cacao

A viagem ao Mugaritz vale cada centavo. O menu degustação de 25 pratos custa 204 euros, mas a experiência e a memória que se levam para casa não têm preço. Foi uma noite de sensibilidade incrível, sentidos aguçados, respeito pelos alimentos, e muita paz. Recomendo mil vezes.

Minha amiga Zi (à esquerda), e eu (à direita)

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Marcela Noya
You Must Taste It

Jornalista, economista, e apaixonada por comer e viajar