Academia da Berlinda — Descompondo O Silêncio

Septeto olindense descompõe o silêncio com variedade rítmica exuberante e exaltação da cultura pernambucana

Leandro Bernardo
You! Me! Dancing!
3 min readApr 10, 2020

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Descompondo O Silêncio

Academia da Berlinda

Lançamento: 27/Mar/2020
Ouça:
“Derrotas E Vitórias”, “Fala”, “A Música Não Para” e “Estrela Do Norte”
Nota:
8.5
Stream

Conhecida no mundo dos hipsters (principalmente a galera dita “cirandeira”, do chão de taco e samambaia) pelo hit “Dorival”, a banda olindense Academia da Berlinda mostra em seu quarto álbum uma evolução e um resgate ainda mais forte de ritmos e da cultura pernambucana e do eixo norte-nordeste do país do que em seu último projeto, Nada Sem Ela (2016).

Em Descompondo O Silêncio, a já conhecida mistura da surf music com o carimbó, o maracatu, a ciranda e o coco é somada com o forró, o cordel, o semba, o brega, a lambada, e aí a lista pode ir mais além ainda, dependendo da interpretação. Na realidade, talvez seja até um equívoco ficar pensando em classificar quais são os estilos presentes no disco e tentar inserir em caixinhas rítmicas, pois essa é a maravilha do álbum: ser uma mistura densa da cultura latina, brasileira, pernambucana, sem a necessidade de deixar claro o que é o quê.

Um dos detalhes mais interessantes desse novo disco é que cada faixa possui um estilo diferente, ao mesmo tempo em que possui uma ótima coesão, feita principalmente na instrumentação, sempre baseada na guitarra ao estilo de Mestre Vieira (o criador da guitarrada paraense), a percussão marcando bem o ritmo, os sintetizadores preenchendo o ambiente e as vozes de Alexandre Urêa e Tiné com o melhor sotaque do país. Talvez a única faixa que quebre um pouco mais a estrutura é “Rude”, uma lambada-brega dançante no fim do álbum, principalmente devido ao sintetizador estridente que acaba se sobressaindo e desfoca todo o restante da instrumentação.

Além dessa aprofundada na mescla e diversificação de ritmos, há também um aprofundamento na mudança na temática das faixas: enquanto no último disco as letras acabavam soando meio superficiais e simplórias, nesse disco o lirismo encontra um espaço maior, com maiores abstrações e temáticas fantásticas. Além disso, as referências metalinguísticas [sobre o próprio fazer musical] — tema comum na música mais tradicional — aparecem de sobra, como no xote “A Música Não Para”, que resume o espírito do álbum, ou no animado “Semente Do Semba”, que ressalta o ritmo originário de Angola. O álbum mostra uma evolução não só instrumental e rítmica, mas também lírica, dando uma maior seriedade nas letras em um momento político-social que torna-se difícil se manter alheio.

Dentre as faixas de destaque, duas merecem um comentário adicional pela ótima construção referencial: “Estrela Do Norte”, com uma incrível estrutura rítmica, que remete aos cordéis e à influência do trovadorismo na cultura popular de pernambuco, com uma metragem digna de repentista. Além dela, a faixa “Derrotas E Vitórias”, que abre o disco, busca na estrutura do cancioneiro popular pernambucano moderno o meio de falar sobre os altos e baixos da vida. Isso não só mostra a bela pesquisa dos artistas, mas a prudente necessidade de ressaltar os ritmos de Pernambuco, ato primoroso em tempos de pasteurização e destruição da cultura no país e no mundo.

Por fim, Descompondo O Silêncio é uma exaltação a Olinda, a Pernambuco e à vida. Descompor o silêncio é trazer leveza, ao mesmo tempo que animação e muita arte, e Academia da Berlinda consegue fazer isso com considerável êxito, fortalecendo ainda mais o estado pernambucano como um dos locais mais efervescentes e ricos da cultura nacional.

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Leandro Bernardo
You! Me! Dancing!

Jornalista, Designer, e o que for necessário. Adoro falar de música, game design, política, e o que estiver em alta no momento.