Alvvays — Blue Rev

O poderoso terceiro álbum do Alvvays e a constante evolução da banda

André Salles
You! Me! Dancing!
4 min readOct 24, 2022

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Blue Rev

Alvvays

Ouça: “Belinda Says”, “Pomeranian Spinster”, “Pharmacist”, “Many Mirrors” e “Tile by Tile”
Nota: 11
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Mais desagradável do que encontrar um ex, é encontrar a irmã de tal ex e ela fazer questão de falar pra você que ele está bem, feliz e com outra pessoa. É com essa imagem que o Alvvays abre o seu estonteante novo álbum de estúdio, Blue Rev. A música em questão, “Pharmacist”, também foi o primeiro single do disco e a primeira música do Alvvays desde 2017 quando a banda havia lançado seu impecável segundo álbum Antisocialites.

Cinco anos separam Antisocialites de Blue Rev, mas não era pra ter sido assim — alguns eventos e desastres atrasaram a produção do álbum. Entre eles, uma enchente que quase destruiu todo o equipamento da banda e um ladrão que invadiu a casa de Molly Rankin e roubou um gravador com várias demos. Sem contar, claro, a pandemia que por dois anos impediu o quinteto de se reunir para compor e gravar. Mas quando finalmente tudo deu certo, a banda conseguiu fazer seu melhor e mais diverso álbum até hoje.

O processo de gravação de Blue Rev foi diferente dos dois anteriores e isso fica bastante claro em seu poder; a banda chamou o produtor Shawn Everett (que já trabalhou com todo mundo de The Killers, Alabama Shakes e Lucius até Kesha, Kacey Musgraves e Kim Gordon) e a mágica aconteceu. Blue Rev foi tocado inteiramente em estúdio todo em sequência duas vezes seguidas, com 15 segundos de intervalo entre as faixas e 30 minutos entre cada vez completa. A ideia era capturar em estúdio a força e poder das apresentações ao vivo da banda, e Shawn conseguiu de forma magistral.

As letras de Molly Rankin estão muito mais maduras e complexas do que as anteriores, abusando de imagens e metáforas mas ainda deixando sua mensagem bastante explícita e direta. Sua forma de escrever refrões está muito mais interessante aqui; são raros os momentos que um refrão é repetido exatamente da mesma forma. Molly quase sempre muda uma palavra ou verso como se o mais importante fosse manter a estrutura da narrativa, da história que ela está contando. Esse movimento traz um dinamismo sem igual às letras, te obrigando a ouvir tudo com atenção e mais de uma vez para acompanhar direito.

Além do encontro com a irmã do ex, as imagens pintadas por Molly são bastante variadas em seus temas. Ela explora o trancamento de uma faculdade, compara um amor a ganhar na loteria, críticas à cultura da internet e obsessão pelas redes sociais; e também uma gravidez indesejada e subsequente mudança para outra parte do país. E Molly escreve de forma extremamente vívida, e fazendo instrumentais ainda mais cinemáticos do que no passado elevando ainda mais as composições.

O amadurecimento tanto sônico quanto lírico da banda a cada lançamento novo é palpável como visto em pouquíssimas outras bandas e artistas. Musicalmente, Alvvays consegue soar mais pesado do que nunca apostando muito mais no shoegaze ouvido em Loveless do que qualquer outra coisa. “Pharmacist”, a maravilhosa música que abre o disco, consegue realmente emular as guitarras e clima de Loveless como poucas outras bandas já conseguiram. Ao longo das catorze faixas que compõem Blue Rev, é possível ouvir o Alvvays bebendo das influências dos anos 90 principalmente; mas não se focando em apenas um aspecto dela.

“Many Mirrors”, um dos destaques, soa como um outtake do Split do Lush; assim como é possível perceber The Smiths (“Pressed”), Teenage Fanclub (“After the Earthquake”) e Riot Grrrl/Bikini Kill (“Pomeranian Spinster”); além da clássica dinâmica loud-quiet-loud do Pixies. Também temos referências e influências de Belinda Carlile, de forma mais direta na impecável “Belinda Says”, possivelmente a melhor música do Alvvays até hoje. Tudo isso passado pelo seu próprio filtro de personalidade e originalidade.

Blue Rev é um álbum que consegue soar atual ao mesmo tempo em que parece prestar homenagens a todos os que vieram antes dele. O Alvvays nunca se propôs a reinventar o indie, apenas de fazer uso do melhor dele e transformá-lo em algo próprio — e o quinteto faz isso com um tremendo sucesso em seu terceiro disco.

Em algum momento dos últimos sete anos, depois do Antisocialites, sem que eu tivesse percebido, o Alvvays se tornou a minha banda favorita — mas eu sei dizer o momento em que eu me dei conta disso, e foi por agora. Alguns meses atrás, conversando com um crush no meu sofá naquela situação segundo-encontro-ainda-nos-conhecendo; falamos sobre música e, vivendo em 2022 em um mundo pós-Stranger Things, o assunto foi pro lado ‘qual música te salvaria do Vecna?’. Minha resposta foi automática e sem nem pensar muito: qualquer coisa do Alvvays. E agora depois de Blue Rev, essa frase é ainda mais verdadeira do que foi pouquíssimo tempo atrás.

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