Baco Exu do Blues — QVVJFA?

Rapper explora música brasileira e as dores de amar como um homem negro, baiano e não-cristão

jullie
You! Me! Dancing!
4 min readApr 11, 2022

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QVVJFA?

Baco Exu do Blues

Ouça: “20 Ligações”, “Sei Partir” e “Inimigos”
Nota: 9.2
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A vida é feita de primeiras vezes, mas a nossa experiência as transforma. É com essa perspectiva que chega o novo e terceiro álbum de Baco Exu do Blues, Quantas Vezes Você Já Foi Amado?, que fez parte dos 10 maiores lançamentos mundiais do Spotify em fevereiro deste ano. A novidade não é a grande fama, já que os anteriores, Bluesman (2018) e Esú (2017), também alçaram voo com hits como “Te Amo Disgraça” e “Me Desculpa Jay-Z”, mas sim a tematização do amor, o colocando como personagem principal.

A experiência de sempre ter tratado sobre o amor em suas canções facilitou o trabalho do músico, e o inédito é ter doado um álbum inteiro ao tema. Logo no início, temos a exposição de vulnerabilidade com a abertura “Sinto Tanta Raiva…”, em que jazz, rap e manifesto se unem como um preparo do que está por vir durante as 12 faixas: o mundo fora do eixo europeu, religião de matriz africana, ostentação e o Brasil fora do eixo Rio-São Paulo.

Afinal, o rapper é baiano, negro e sempre deixou exposto no próprio nome (Exu) sua afeição pelo Candomblé e Umbanda. Tendo a Bahia como ponto de encontro de todas essas temáticas e problematizando a monogamia da cultura branca-cristã, o músico expõe em “Dois Amores” o sofrimento de voltar para casa após anos morando em São Paulo. Reencontrando traumas, encarando velhos vícios, vivendo novos amores e relembrando muitas brigas e dores, assim como na última faixa “4 da Manhã em Salvador”.

Também com beat trap, o Baco vulnerável e apaixonado não ostenta, não conta vantagem, apenas declara sua paixão e admiração pela “Cigana”, a que “de noite vem, de manhã vai”. Aqui, mais uma vez o amor fora dos padrões do casamento é colocado como algo comum, e não um problema, em um refrão melódico aliviando as fortes batidas ao fundo. Se voltando ainda mais à redenção, “Autoestima” é forte e emocionante ao abrir o espaço para pessoas negras que não se sentem bem com os seus corpos frente aos padrões de beleza eurocêntricos.

Até o momento o hit de QVVJFA?, com 11 milhões de plays no Spotify, “20 Ligações” abraça o ainda em alta lofi hip hop, que desde 2015 vem fazendo a música ambiente de milhões de ouvintes e que evidencia a forte influência do produtor do álbum Marcelo de Lamare nas composições.

Misturando jazz e hip hop com uma voz mais arrastada, a música tem foco maior na complexidade instrumental e cria uma atmosfera fluida, assim como na faixa em parceria com Gloria Groove, “Samba In Paris”, a segunda mais reproduzida na plataforma de streaming. Em “Mulheres Grandes”, a sonoridade fica mais pop ao mesmo tempo em que o rapper elogia mulheres que são muito donas de si a ponto dele questionar sua própria forma de amar uma mulher.

As parcerias se estendem com a cantora carioca Muse Maya em “Sei Partir”, e os samples de Gal Costa em “Lágrimas”, da original “Lágrimas Negras”, de 1974, e de Vinícius de Morais em “Imortais de Fatais 2”, em que o rapper escolheu “Tempo de Amor”, canção que ficou imortalizada na voz de Baden Powell. Pra revigorar, sozinho, Baco brada a letra de “Inimigos” com força, lembrando que toda a dor que o álbum traz em relação ao amor não tem a ver apenas com o amor em si, mas em amar como um homem negro, baiano e não-cristão.

Mesmo nadando no hype, lotando show em São Paulo e ganhando prêmio em Paris, Baco Exu do Blues escolheu não ostentar, nem tocar no fato que é um dos maiores músicos do Brasil, sublinhando com a sua voz um pouco rouca e muito forte os incríveis e contemporâneos beats de Dactes, JLZ e Nansy Silvvz. Mas sim mostrar que, apesar de suas conquistas, suas fragilidades existem e causam dor, e a dor gera traumas. Porque falar de amor não é apenas falar de amor: é preciso lembrar que o amor não se basta e é um produto caro, pouco acessível e raro.

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