Black Country, New Road — Ants From Up There

Segundo disco da banda inglesa diminui a urgência do grupo para um trabalho mais polido e meticuloso nos arranjos e composições

Giovanni Vellozo
You! Me! Dancing!
5 min readFeb 15, 2022

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Ants From Up There

Black Country, New Road

Ouça: “Good Will Hunting”, “Snow Globes”, “Bread Song” e “Haldern”
Nota: 9.0
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Se algum grupo do combalido rock anglófono conseguiu construir uma alta expectativa em torno de si mesmo nos últimos quatro anos ao mesmo tempo em que trazia uma identidade muito sólida, esse foi o Black Country, New Road. Formado em 2018 em Cambridgeshire, Inglaterra, o grupo seguiu se consolidando até o ano seguinte em um septeto, lançando singles como “Athen’s, France” e “Sunglasses” (2019), que despontaram com aclamação crítica e atraíram fãs sem mesmo um álbum lançado. Este veio no início de 2021, For the first time, com uma tônica bem particular. Em geral, tratava-se de um som pós-rock ansioso, angular e áspero na linha de Slint, trazendo canções com várias seções, formação peculiar com a presença de violinos e saxofone; e uma interpretação vocal capaz de deixar Mark E. Smith (RIP) orgulhoso, com letras verborrágicas e repletas de referências nerdolas. Bem ou mal, sabiam o que estavam fazendo: um debut claramente bem direcionado, jogando o sarrafo no alto para qualquer aventura futura do grupo.

E é perseguindo — e, muito provavelmente, superando essa meta — que se apresenta o segundo disco do grupo, lançado na última sexta-feira dia 04, Ants From Up There. Talvez uma forma simplista, mas elucidativa, de entender o que aconteceu neste novo disco é entendê-lo como uma continuação espiritual de “Track X”, último single do trabalho anterior. Nela, uma canção crua e até um tanto simplória de amor em voz e violão (vide a versão demo do vocalista Isaac Wood) se transforma em uma ampla paisagem sonora inspirada por arranjos minimalistas à Steve Reich. Aspereza dá lugar à intimidade; a urgência, àquela sensação de frio na barriga juvenil — and I guess, in some way… Ants bebe diretamente esse ethos sonoro e conceitual, distanciando-se da ansiosa primeira apresentação da banda e descobrindo, assim, mais tempo e espaço para construir novas composições com maior riqueza em instrumentação, timbres, letras e interpretações.

É perigoso falar de algo “novo” aqui, em se tratando de um grupo de rock (o que já não foi tentado nele?). Dá para sentir isso de cara: na “Intro”, temos um riff em 5/8 repetitivo que superficialmente pode ser lido como mais uma referência ao minimalismo ou a uma construção musical math-rockeira, a desaguar em “Chaos Space Marine”, primeiro single do disco. Nessa toada, é fácil cravar alguma oportunidade perdida quando o grupo se filia, mesmo que momentaneamente, a essas “tradições” musicais ao longo das faixas. Afinal, trata-se de um trabalho que não parece estar tão preocupado em explorar composições processuais mais amplas e as possibilidades rítmicas proporcionadas pela notável capacidade técnica do então septeto. Errada a afirmação? Talvez não, mas certamente uma depreciação um tanto injusta ao ignorar o principal potencial da proposta apresentada em Ants: o trabalho com a forma-canção.

Nisso, olha, é difícil pensar em algo mais acertado do que o BC,NR apresenta aqui. Especialmente no que se refere à mistura de virtuosismo na interpretação e composição com acessibilidade sonora. Tomemos “Chaos Space Marine”, por exemplo. No papel teria tudo para ser algo completamente obtuso — riffs quebrados intercalados com improvisos de cordas, piano e saxofone, uma letra bizarra baseada no jogo Warhammer 40.000, nenhuma repetição exata de seção, e uma aumentação do motivo ao final em meio a um coro de oh-yeah-yeah-yeahs. E, mesmo assim, funciona, é memorável, alterna catarse e sublimação. Essa dicotomia, aliás, é presente ao longo do disco de forma bem clara. Tratam-se de canções explosivas e orquestradas, em sintonia com o lado mais, vai, “progressivo” e artístico do indie rock do nosso século — nada mais justo para uma banda que afirmou ter como objetivo ser o próximo Arcade Fire.

E são vários os destaques. As músicas de verso-refrão “Concorde” e “Good Will Hunting” mostram a animosidade de uma relação perdida (“I was made to love you / Can’t you tell? / And you, like Concorde / I came, a light blue sleeper”; “She had Billie Eilish style / Moving to Berlin for a little while”), valendo-se de crescendos absurdos na primeira e uma gama de riffs contagiantes combinando guitarras e teclados na segunda. “Bread Song” e “Haldern”, por sua vez, mostram um lado mais contido e delicado do grupo, com guitarras reminiscentes de grupos como American Football e TTNG na primeira e uma ambientação de post-rock de primeira onda na segunda, destacando-se o belo diálogo entre cordas e piano.

Não menos que sublime também é o instrumental de “Mark’s Theme”, divisor do disco antes da parte final, de faixas mais longas. “The Place Where He Inserted The Blade”, uma balada pra projeiro nenhum botar defeito; e “Snow Globes”, uma construção minimalista que se direciona a um solo furioso de bateria e motivos de cordas, são a pedida para os fãs de instrumentação mais virtuosísticas. E para viúvos/as do primeiro álbum, a reminiscente “Basketball Shoes”, provavelmente a canção mais antiga do disco, constitui um bom encerramento, demonstrando a ainda presente capacidade do grupo de construir músicas coesas de várias seções. Em suma, 59 minutos que passam voando, de um grupo que sabiamente escolheu acalmar para enriquecer sua paleta sonora.

Prever é fácil quando é para o passado; tentar cravar o futuro de uma banda é, além de insensato, garantia fácil de quebrar a cara. Se isso serve a qualquer artista, é especialmente verdadeiro no caso do BC,NR, dado que, poucos dias antes do lançamento de Ants, o vocalista e guitarrista Isaac Wood anunciou a saída do grupo por questões de saúde mental, deixando ainda mais incerteza sobre as novas estradas que o grupo percorrerá daqui para diante. De todo modo, aparenta estar certo (e Deus queira que eu não quebre a cara) que, mesmo que a banda acabe amanhã, ela já deixou uma marca bastante criativa e particular no panorama do rock desta década. E, quem sabe, “everyone will say ‘it was cool’”.

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